domingo, maio 21, 2006

O DRAMA DO PT ENQUANTO GOVERNO

Rall
*
Diga-me com que andas que te digo quem tu és. Esse velho provérbio é esclarecedor para o que vem acontecendo no quadro político atual. Realmente, o PT dificilmente chegaria ao poder sem as alianças atuais, não vamos ter ilusões. Mas essas mesmas alianças explicitam uma situação inusitada: o PT que antes aparentava ser o partido da contra-ordem burguesa, mostra que é de fato o único partido em condições de completar, sem sobre saltos, a modernização da sociedade brasileira. A questão é a seguinte: será que já não chegou atrasado para essa "tarefa histórica", como assim gostam de empolar a voz os políticos tolos. É interessante como foi composto esse governo. Os homens do Zé, digo os homens que pensam como o Zé, cuidam das partes do Estado que dependendo da mãozinha faz economia girar e gerar riqueza. Os homens do Lula, os comprometidos com o social, com as sobras vão cuidar dos miseráveis. Isso tem causado um entusiasmo sem precedente na imprensa brasileira e internacional que reflete o pensamento de setores esclarecidos das classes dominantes. O Lula do trabalho social talvez seja a salvação dos Zés do capital, pensam.
*
Mas qual é de fato a principal proposta do Lula? Criar milhões de empregos, não deixar ninguém passar fome nesse abençoado país. Nada mais nobre. O problema é que as máquinas dos Zés, que antes se banqueteava com farto trabalho humano estão enfastiadas, vomitam cada vez mais mercadorias sugando pouco trabalho. Aliás, vinte por cento de desempregados da Grande São Paulo, muito tem a vê com as novas tecnologias incorporadas à produção e pouco com as reclamações da burocracia sindical. Uma economia fechada, que se dava ao luxo de fabricar carroças como automóveis, assim disse um famigerado Presidente, que tinha no Estado a grande alavanca da acumulação, submetida a concorrência internacional não podia ser outro o resultado. Aí começa a bater uma saudade doida dos anos setenta. Tudo bem, tinha cacete, prisão e chumbo grosso para os desavisados mas sobravam empregos. Os elogios já chegaram até Geisel , logo, logo é Médici o próximo a ser reconhecido. Uma questão que deveria ser discutida nesse espaço é o tradicional nacionalismo da esquerda brasileira e o esquerdismo dos militares nacionalista nos tempos atuais; as aparentes diferenças estão sumindo.
*
Voltando ao trabalho: se as indústrias já não precisam mais dos Lulas tem o campo com muita terra, vamos fazer a reforma agrária, dizem. Realmente, a movimentação do campo para a cidade dos meados dos anos cinqüenta até o final dos anos oitenta foi de uma violência sem precedente. Nesse período deslocou-se mais gente dos rincões do que na Europa em cento e cinqüenta anos. O capitalismo, principalmente nos anos setenta, invadiu o campo com suas monoculturas, apossou-se das melhores terras e liquidou com a agricultura de subsistência do pequeno agricultor, das parcerias, meeiros e outras formas de produção familiar. Agora, retornar ao campo depois dos paus-de-arara, das quedas dos andaimes e de ter inalado a poluição das grandes cidades, só se for na ponta da baioneta. A reforma agrária, por mais radical que seja, vai absorver alguns contingentes ligados ao campo e nada mais. E se a forma de produção for do tipo familiar, cuja tecnologia é o número de braços, está condenada ao fracasso. Já não se faz tantos filhos como antigamente! O mar de miséria que se perde de vista nos grandes centros urbanos vai continuar crescendo, ilhando os privilegiados. Navegando nele, a violência banal e todo tipo de máfia.
*
Sobra como solução os programas sociais, a distribuição de migalhas para que os Zés de baixo não passem fome. É, mais para isso precisamos de crescimento econômico e reforma do Estado senão não sobra dinheiro para financiar a Fome Zero, dizem os Zés de cima. Mãos a obra. Vamos começar pela Previdência Social, reduzindo o valor das aposentadorias e pela reforma tributária, trabalhista etc., nenhuma empresa pode crescer com custos tão elevados. Aplausos gerais. Com o capitalismo capengando, o primeiro arrocho é nas finanças do Estado, que por sua vez busca a sua salvação desmantelando as redes de proteção social. É isso que temos assistido em todo mundo designado como neoliberalismo, nova palavra para velhos fenômenos. Mas então podemos taxar o capital financeiro! Onde ele estar? Essa é a questão. O Brasil continua para fechar suas contas necessitando dos bilhões de dólares que entram aqui para especular. Qualquer discussão no governo que aponte neste sentido, fica sem o capital de dentro e o de fora ne chega aqui. Ou seja, quebra.
*
Ainda tem um jeitinho: a casa da moeda. Se não temos dólares vamos imprimir reais, muitos reais! Pera lá, vocês tem memória curta? Querem cutucar o dragão da inflação para ele sair por aí cuspindo fogo, queimando o pouco que resta no bolso do povo e me obrigando a transferir meus cobres para Suíça? Indaga o bom burguês. Na verdade a crise é grave. Vem se arrastando desde os meados dos anos setenta e nem se quer pegamos carona na bolha dos anos noventa criada pela expansão do capital fictício no mundo e, principalmente, nos EEUU.
*
Parece ser cada vez mais difícil a solução da crise pela política convencional e intervenção do Estado. A doença que acomete os irmãos siameses capital/trabalho já não é uma pneumonia capaz de ser curada com os remédios amargos das equipes econômicas, mas um caso raro de doença grave onde o suplício do irmão mais fraco só aumenta a rejeição do mais forte, mesmo sabendo que não resistirá se o mais fraco morrer. Os vôos rasantes de Porto Alegre a Davos em busca de um remédio eclético e milagroso só agravam o estado dos pacientes.
*
Publicado em
26.01.2003

Nenhum comentário: