quinta-feira, junho 22, 2006

Um Zumbi assombra o mundo

Rall



O mundo volta a sorrir. A economia dá sinais de crescimento consistente. O emprego, após três anos em baixa, começa reagir na locomotiva do mundo. Os analistas econômicos andam ocupados, explicando para mídia, que a recessão acabou. Mas alguma coisa não bate com a alegre aparição desses simpáticos senhores na tele de notícias. As bolsas de valores, que deveriam acompanhar esse movimento ascendente da economia mundial, sinalizam um movimento em sentido contrário, principalmente no terceiro mundo. O risco país dispara e na cor rosada das gordas bochechas dos analistas, já dá para ver alguma palidez.

A primeira vista não deixa de ser estranho em plena retomada econômica o “humor do mercado”. Mercado aonde não se busca mais produtos para satisfazer necessidades, mas acumulam-se e vendem-se papéis de variados formatos e valores. Os sinais, cada vez mais fortes, de que os juros nos EEUU vão subir abala a credibilidade dos retardatários. O capital, que vinha abundantemente se oferecendo ao mundo dos pobres, volta rapidamente ao seu porto seguro de suposto risco zero. A bolha financeira, expandida ao máximo, ameaça um brusco movimento de contração em direção ao centro.

Vamos analisar mais de perto o que vem acontecendo. Todos devem lembrar os estouro da bolha, há três anos atrás, que atingiu em cheio as bolsas da Europa e principalmente dos Estados Unidos, levando consigo a chamada “new economy” do ponto.com que se dizia dotada de novos paradigmas de crescimento sem crise. Declarando-se preocupado com a recessão, as primeiras medidas do governo Bush foi distribuir fartamente dólares, através de cortes generosos de impostos, beneficiando principalmente os mais ricos. Por outro lado reduziu os juros à quase zero e pôs em movimento o complexo industrial-militar para produzir bombas e outros artefatos, ao declarar guerra ao Iraque.

O resultado disso foi que parte do capital financeiro, acomodado aos papéis do governo americano, ao ser mal remunerado pelos baixos juros resolve dar uma volta ao mundo. É o chamado excesso de liquidez que aporta nas bolsas do terceiro mundo e as fazem subir de forma avassaladora, sem que a economia desse qualquer sinal de geração de riqueza. Um dos exemplos é o Brasil: apesar do crescimento negativo, a bolsa subiu 97% em 2003. Os títulos do governo, antes desvalorizados, também tiveram o seu momento de glória.

Para que o capital se movimente mais à vontade, alguns indicadores foram criados pelos fundos de investimentos como pista para os investidores. Um deles é o chamado risco-país. Quando desce é a hora do assalto. Quando sobe é melhor sair de baixo. O momento é de subida do risco-país no terceiro mundo que ao se antecipar ao anunciado aumento dos juros pelo Fed, sinaliza para que deixem o barco. Mas será que todos conseguem se salvar do naufrágio? Nesse jogo se há ganhadores há também os perdedores. Os últimos geralmente são o capital nativo e o médio e pequeno que não dispondo dos mesmos recursos dos mega-investidores chegam atrasados nos botes salva-vidas. Esses capitais quando saem, geralmente deixam no rastro, um chão árido e um gosto amargo na boca dos perdedores.

O aumento dos juros pelo Fed é uma certeza, a única dúvida quando ocorrerá. Os déficits comerciais e orçamentários dos EEUU devem ultrapassar um trilhão de dólares este ano de 2004. O governo americano precisa desesperadamente de recursos financeiros para fechar suas contas e a melhor forma para tê-los de volta é remunerá-los melhor. Porém, era de se esperar que as bolsas dos assim chamados países desenvolvidos, com o aquecimento da economia mundial, mantivesse seu vigor. Não é o que estamos vendo. Parece que o estouro da bolha, que teve início no segundo semestre de 2000, foi interrompida no início de 2003, com as medidas tomadas pelo governo americano que despejou no mercado uma enorme quantidade de dinheiro. Esse capital, não tendo como se reproduzir, parte vai para o consumo, gerando no mercado imobiliário mais uma bolha e outra vai para especulação nas bolsas já que os papéis americanos, com os juros baixos, não são atrativos.

O indicativo de que a bolha financeira retomou sua expansão nas bolsas americanas é que a relação entre preços e lucros (relação P/L) das ações negociadas atualmente está bem acima da média histórica, situação muito semelhante aos primeiros meses do ano 2000 quando o capital fictício atingiu o topo e logo em seguida as bolsas começaram a despencar. O aumento dos juros e a corrida do capital para se abrigar nos papéis americano, depois de se expandir artificialmente em outros mercados, pode ser o gatilho para um novo estouro das bolhas nos países “desenvolvidos” e em “desenvolvimento”, o que pode mergulhar o mundo numa crise sem precedente.

E o crescimento da economia americana? Cabe aqui analisar se esse crescimento é sustentável, como defende os arautos do capital. Como já foi dito: a farta distribuição de dólares com os cortes nos impostos e juros subsidiados soprando as bolhas, algum impacto causaria no consumo. O movimento da colossal máquina militar americana com a guerra no Afeganistão e no Iraque tem intensificado as atividades da indústria bélica como há muito não se via. Parte significativa do crescimento do PIB como também a geração de empregos deveu-se ao esforço de guerra. Se por um lado isso mobiliza a economia é bom lembrar que armas, bombas, equipamentos militares de um modo geral e homens para manuseá-los, destruí-los e serem destruídos, se na indústria bélica aparece como produção para o governo são contabilizados como custos. E custos que aumenta ainda mais o déficit orçamentário que por sua vez exige recursos de algum lugar para cobrir o rombo.

O desequilíbrio nas contas americanas, sem solução a vista mesmo com a redução do valor do dólar em relação às moedas européias e japonesas, pode trazer inflação, pressionando mais ainda os juros. O câmbio flutuante, ao beneficiar os produtos americanos no mercado mundial, tem acirrado a concorrência e impulsionado a produtividade com incorporação de novas tecnologias e a destruição de postos de trabalho. Na esperança de que a grande locomotiva não pare e continue puxando o resto do mundo, muitos países são obrigados pagarem às contas do déficit americano.

Qual a repercussão no Brasil, com contas a pagar em dólar, que vai dos royalties aos serviços da dívida externa e uma boa parte da dívida interna indexada à moeda norte-americana, crucial para garantir a entrada de novos capitais? Apesar da melhora da situação da balança comercial, que passou a ser superavitária, a dependência do Brasil desses capitais é enorme. Com a bolsa em baixa e os investimentos produtivos vacilantes, a única forma de garantir o fluxo de capital de curto prazo é manter os juros nas alturas. O investidor externo, de olho no risco-país, exigem juros proporcionais. Portanto, a crise na bolsa, pode interromper o tímido declínio que vinha sendo observado nos patamares astronômicos dos juros, com repercussões na combalida atividade econômica.

O discurso de setores da esquerda de não pagamento da dívida externa, apesar de correto, erra no seu objetivo ao acreditar que o dinheiro destinado à amortização e aos juros poderia ser investido internamente, garantindo crescimento econômico e melhoras sociais. Uma reivindicação como essa só poderia ter alguma envergadura se envolvesse todos os países endividados. Medidas isoladas ou meias medidas, despertaria a fúria do capital global e faria o país descer pelo ralo. Segundo, o não pagamento da dívida não seria a garantia de um surto de crescimento econômico e criação de empregos. Poderia sobrar alguns trocados para o execrável fome zero. Mas, o mais provável seria um aprofundamento da crise do capitalismo, exigindo novas saídas.

Hoje o mundo é totalmente dependente do capital internacionalizado para qualquer investimento. O chamado capital nacional é uma ficção. O problema é que o capital não tem mais como se reproduzir na economia “real”. Seu destino é girar em falso, sem rumo como um zumbi, produzindo bolhas financeiras aqui e acolá, simulando acumulação. É a forma que encontrou de se manter morto-vivo na sociedade do trabalho em crise.



08.05.2004

sexta-feira, junho 16, 2006

Furedi e a rebelião dos jovens na França

Rall
Quem não leu o artigo, "Todos devíamos aprender com a França", de Frank Furedi, publicado na Folha de 13.11.05, deveria fazê-lo. Apesar de um certo saudosismo gaullista e clamar por novas idéias na política, ao mesmo tempo em que reconhece a falência da mesma, Frank Furedi levanta questões que se para alguns não é novidade, tem um peso diferente na mídia quando escrito por um analista "insuspeito". Sem querer polemizar com aquilo que o surpreende, Furedi começa mostrando a falência da política de assimilação na França e do multiculturalismo ao analisar a experiência inglesa. Aponta a possibilidade de levantes semelhantes aos dos subúrbios franceses em outros países europeus, onde as tensões se acumulam nos bairros periféricos, cada vez mais distanciados das áreas de "excelência" do primeiro mundo e mais próximo das favelas do terceiro. A apartheid social se alarga nos países ricos e pobres, a repressão aumenta enchendo as prisões, e a tão em moda política da inclusão se mostra vazia.

Apesar de reconhecer o esgotamento das elites e dos partidos políticos, Furedi parece desejar um poder com metas claras dirigido por essas elites que critica. Estranha a falta de objetividade da política, mas esquece que a não objetividade como a falta de metas é o reflexo de uma crise mais profunda, que já não deixa margens para iniciativas capazes de supera-la nos limites dados pela atual sociedade. Eis a razão da exaustão da política partidária e do Estado na França e no resto do mundo. Reconhece acertadamente que a "marginalização do movimento sindical tem seu paralelo no declínio da coerência no interior da elite francesa", afirmação que pode ser generalizada para as elites e movimento sindical dos demais países. Fica, no entanto, no meio do caminho e prisioneiro das políticas passadas; não consegue aprofundar crítica à sociedade em crise. Acho que esse mal acomete a maioria de nossa esquerda, principalmente aqueles que vêem na militância partidária e na chegada ao governo, a via possível das mudanças. Sem referências, tentam se agarrar à política de classes, que hoje "existe apenas em forma populista e caricaturada", como muito bem reconhece Furedi. Porém, isso não é o fim da história como muitos aclamam, é preciso descobrir novas categorias que supere o conceito marxista de classe do antigo movimento operário. Talvez, o que vem se passando nas ruas das grandes cidades, principalmente nos bairros pobres, cada vez mais descolados da produção de mercadorias, seja a expressão de algo novo.

A sociedade burguesa hoje se depara com o crescimento crônico do que poderíamos ainda chamar de exército industrial de reserva, fenômeno que antes se exacerbava nas crises, mas que voltava ao tolerável nos momentos de bonança. Furedi, como tantos outros, parece não enxerga que com as novas tecnologias dispensadoras da força de trabalho, a tendência é o crescimento sem limite deste exército. Muitos nem se quer conseguem ser socializados para produção capitalista, são recrutados sem essa premissa. O capitalismo hoje, na produção da miséria, já não gera mais proletários, mas o seus eternos reservas, cujas fileiras que dão volta ao mundo são formadas não só de imigrantes como quer dá entender a grande imprensa tentando restringir a crise. Daí o deslocamento do campo de batalha das fábricas para as ruas. Os "arruaceiros" de hoje nada tem a vê com os "arruaceiros" de ontem, estes bem comportados senhores preocupados em não serem mandado para reserva nos próximos cortes.

Da jovem rebelião tem-se exigido objetivos claros, propositalmente esquecem o seu lado certeiro que é, na luta de rua, a solidariedade e a crítica radical à mercadoria e suas formas hierárquicas, mesmo que num primeiro momento não se expresse conscientemente. Isso, porém, não é a garantia de que movimentos como este não seja absorvido pelo sistema que sabe muito bem exorcizar os seus fetiches nas horas de aperto. Como a sublevação dos pobres da periferia ainda carrega um certo desespero daqueles que no mercado não consegue trocar a força de trabalho por outras mercadorias necessárias à subsistência, pode se tornar presa fácil das manipulações dos administradores da crise.

Na sociedade produtora de mercadorias em que a acumulação deu lugar à simulação, onde as bolhas crescem e estouram em velocidade estonteante, a política não podia ser diferente: prisioneira dessa realidade, degringola e perde a identidade não por falta de missão, mas por sofrer os abalos da economia mundial que não se deixa governar e não respeita fronteiras em sua ação destruidora. As instituições nacionais já não respondem a esse novo momento do capitalismo global. Como reflexo dessa realidade e para esconder fragilidade em que se sustentam, a política e o poder local tende a ser cada vez mais espetacular.
23.11.2005

quarta-feira, junho 14, 2006

A economia e seus paradoxos

Rall
O paradoxo de uma economia que cresce gerando miséria
A economia de países “subdesenvolvidos”, onde muitos produtos industrializados ainda não fazem parte dos meios de subsistência dos trabalhadores, tende a satisfaze-los com baixos salários.

À medida que a industrialização avança, novos produtos de consumo de massa lançados no mercado incorporam-se aos meios de subsistência forçando aumentos salariais. É claro que as variações para cima ou para baixo dos salários necessários para aquisição de mercadorias para manutenção dos trabalhadores e suas famílias, depende ainda do exército industrial de reserva, do grau de organização desses e da repressão patronal e policial a que estão sujeitos. Mas para o bem do capital, apesar do mórbido desejo, o trabalhador não pode morrer de fome, pois não haveria produção de mais-valia e o próprio capital para se realizar necessita vê as mercadorias consumidas.

Essa variação no tempo e no espaço de como se compõe os meios de subsistência dos trabalhadores tende a explicar as enormes disparidades salariais entre países e entre regiões de um mesmo país. Não estamos falando de diferenças individuais determinadas pelo trabalho qualificado. As formas como são satisfeitas as necessidades da população nas várias regiões pode ser uma das explicações para mobilidade do capital industrial: na busca incessante da valorização do valor, procura estabelecer-se, sempre provisoriamente, nos países onde os meios de subsistência necessários sejam mínimos e, se possível, onde o disciplinamento do trabalho humano abstrato tenha sido completado. Não é à toa a preferência pelos países antes ditos socialistas, onde as normas do trabalho assimiladas a manu militari, por mais brutais que sejam, são aceitas passivamente. Pouco conta o mercado interno dos países onde se instalam esse capital industrial itinerante - e o peso dos recursos naturais é relativo -, mais sim o rico mercado dos países “desenvolvidos” que é de fato o destino de seus produtos.

O barateamento das mercadorias aí produzidas, numa combinação de mais-valia relativa e absoluta, tende baixar o preço da “cesta básica” dos países do centro, consumidores desses produtos, permitindo um movimento aparentemente paradoxal de redução da massa salarial sem num primeiro momento reduzir o consumo. Por outro lado, observa-se nos países “subdesenvolvidos” que recebem investimentos estrangeiros na produção, que apesar dos indicadores positivos da economia, a estagnação ou até mesmo a redução do consumo de produtos tidos como essenciais é uma realidade. Recentemente foi publicada no Brasil, uma pesquisa que mostra que o consumo de gás de cozinha em 2005 retrocedeu aos níveis de 1997. Mesmo considerando outras variáveis é um consistente indicador da regressão das condições sócio-econômica da população apesar do tão festejado crescimento do PIB.

Um outro fenômeno é observado nos países ricos: apesar de inundados por mercadorias baratas vindas da periferia do capitalismo, a cada ano mais gente cai abaixo da linha de pobreza. Dados recentes do governo dos EUA expõe uma situação há muito escondida: paralelamente ao crescimento exuberante da economia, o número de americano que tem decaído abaixo dessa linha vem aumentando. A última pesquisa publicada falava em um milhão e trezentos mil só esse ano. O furacão Katrina mostrou que o sonho americano não é para todos.

A economia americana, que puxa as demais, move-se às custas de uma enorme bolha imobiliária e financeira que aumenta artificialmente o consumo das camadas privilegiadas, compensando a ausência daqueles que se descolaram do mercado cuspidos pela automação da produção. Fenômeno antes tido como marginal no capitalismo, a geração de capital fictício é defendida como fundamental para manter o crescimento econômico. A ajuda dada pelos bancos centrais desses países na formação das bolhas evidencia bem isso.

O que não se tem considerado é que a história mostra que as bolhas, como fraude da acumulação do capital, não inflam ao infinito. Ao chegarem ao limite de sua elasticidade explodem causando danos irreversíveis, proporcionais ao seu tamanho. De uma certa formas a tese das bolhas necessárias é um reconhecimento invertido da crise da valorização do valor.

30.09.2005

terça-feira, junho 13, 2006

Da doce ilusão à consentida mentira

Rall



Edgar Morin, em seu livro "Para Sair do Século XX", faz uma interessante análise do componente alucinatório da percepção. Mostrar que apesar de o pensamento mágico ser resultado de um fator "irracional", ele é determinado, na maioria das vezes, por um princípio de racionalidade. Experimentos recentes nas áreas de neurologia e psicologia evidenciam que nossa percepção das coisas e dos fenômenos não está relacionada só com o que o é captado pela retina, mais, também, com o que está acumulado, guardado no subconsciente ou mesmo no inconsciente, fruto de experiências e percepções passadas. Ou seja, o que devolvemos como sendo a visão de um objeto ou situação, não é determinado só pelo que vemos, mas por todo um complexo intrínseco ao funcionamento de nossa memória, de nosso cérebro. Não é à toa que resistimos ao novo, quando se choca com conceitos internalizados que estruturam nossa visão de mundo.
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Recentemente, conversando com um militante do PT, abalado com os escândalos no Governo Federal, dizia que tudo era montado para desestabilizar o governo e o Partido frente às eleições municipais. É evidente que em situações como essas os partidos de oposição tendem a tirar proveito. Mas o que meu amigo não entendia em sua preleção moralista e negadora dos fatos é que tais escândalos fazem parte do poder e dos caminhos para alcançá-lo. Quem aceita sentar no trono, acata essa lógica antes de chegar lá, por mais radical que seja os discursos de campanha. Quais partidos políticos chegariam ao governo sem se submeter a tais falcatruas? Simplesmente não chegariam. Essa visão ingênua não é diferente do cômodo discurso de alguns intelectuais que, enclaustrados em suas cátedras, olham "surpresos" os rumos das políticas do governo. Acham que o PT resistindo (raciocínio que não se aplica a atual conjuntura), mudaria o curso do rio caudaloso, que só corre numa direção, e não seria tragado pelo redemoinho do poder estabelecido.
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A visão alheia de meu amigo, a mesma da chamada base do partido, é reforçada pela direção (que tinha tudo muito claro ou não chegaria ao poder), com uma blindagem ideológica. Isso nos remete a discussão das instituições na sociedade capitalista. Nos interessa aqui, enquanto instituições da ordem social existente (pois não existe outra), os partidos políticos que se organizam e funcionam nos moldes empresariais. Na tão decantada democracia interna dos partidos de esquerda, forma inerente ao capitalismo, a alienação é reforçada pelo chamado centralismo democrático. Todas as discussões são afuniladas e manobradas para reforçar o poder institucional que flutua com autonomia, descolado e hostil à militância, apesar de legitimado por esta. Quem de fato representa a instituição "partido" é a direção. A energia do trabalho da chamada base é apropriada e direcionada no sentido que lhe convém. Aqueles que se rebelam são excluídos de forma impessoal pela democracia partidária, como são excluídos os que não servem ao mercado, pois, com sua rebeldia, não contribuem para o "acúmulo de forças" que beneficia a cúpula. Como essas organizações não possuem a materialidade da mercadoria, o fetiche se expressa, na sua forma extrema e mítica ao mesmo tempo, nos corpos endeusados dos chefes supremos.
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O termo "acumulação de forças" usado com tanta convicção pela esquerda na luta política é uma forma diferente de dizer "trabalho acumulado", ou seja, capital. O trabalho abstrato, é, também, o responsável pela construção e consolidação das instituições que dão sustentação ideológica à sociedade do trabalho. Na crise do valor, essas instituições, em particular os partidos políticos, como a economia de bolhas financeiras, vivem da simulação. Quando governo, nada podem fazer, a não ser administrar a crise. E aí equivocam-se à esquerda do PT e outros grupos aliados que com um discurso aparentemente diferente, propõem mudanças nas políticas econômicas e sociais. No momento em que o trabalho em crise não conta mais na acumulação de capital, insistem na idéia de uma política desenvolvimentista, criadora de trabalho produtivo, cujos primeiros estertores já eram ouvidos na segunda metade dos anos 70.
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Para "vencer" essas dificuldades, os partidos no poder, como autodefesa, tendem a se burocratizar, a se fechar e a centralizar mais ainda as decisões, relegando a militância, muitas vezes calada com cargos no aparato estatal. A alucinação dos tempos em que se acreditava religiosamente na emancipação por essas vias, cede lugar à mentira que passa ser uma necessidade à sobrevivência política. Na encenação, a realização da mentira, não importa quem suba ao palco.

31.03.2004

UMA BREVE HISTÓRIA DA EXPULSÃO DO HOMEM DO CAMPO PELO CAPITAL

Rall


A monocultura dirigida para a exportação é um fenômeno antigo em nossa história. Mas a modernização da produção, com o estabelecimento de novas relações no campo e a introdução de tecnologias dispensadoras do trabalho, intensifica-se a partir dos anos sessenta. A estrutura paternalista da antiga propriedade rural, onde residia um grande número de famílias, morando ali há décadas, começa a desagregar-se neste período. No Nordeste, onde vivenciei esta realidade, o impulso das modernas usinas de açúcar vai gradativamente transformando os velhos engenhos produtores de rapadura, açúcar mascavo e pinga em fornecedores de cana-de-açúcar. Esses engenhos, geralmente seculares, antes das usinas e das modernas máquinas agrícolas, dependiam para o seu funcionamento de um grande número de moradores, que ali formavam verdadeiras comunidades. Dispunham de um pedaço de terra para o seu roçado e pagavam por isso, com dois ou três dias de serviço ao dono da terra. Trabalhavam como "parceiros".

As usinas que surgiram no início do século passado, a partir dos poucos engenhos modernizados, como ainda não possuíam grandes extensões de terras, negociavam em condições vantajosas o fornecimento de cana-de-açúcar com os proprietários desses antigos estabelecimentos. Fechar o engenho pouco produtivo, para ser fornecedor das usinas, era considerado "um bom negócio". E de fato, foi o que aconteceu: pouco a pouco foram ficando de "fogo morto". As parcerias começaram a se desfazer e o trabalho assalariado, antes limitado a algumas funções específicas, surge com força total. Com as roças invadidas pela cana, aos moradores só restavam duas alternativas para não morrerem de fome: ou vão embora puxando a cachorrinha, como assim gostavam de dizer seus detratores, ou se vendiam como assalariados mal remunerados. Esse processo, que se intensifica nos anos cinqüenta, envolvendo outras propriedades e não só os velhos bangüês, tem grande impulso nas décadas de sessenta e setenta. Acompanhando essas mudanças, consolidam-se os chamados barracões, comércio de produtos básicos, gerenciado por alguém da família dos engenhos ou de outras fazendas produtoras de cana-de-açúcar.

Com a crise do petróleo dos anos setenta e o surgimento do proálcool com grandes incentivos governamentais, plantar cana era rentável mesmo em terras pouco produtivas. Nos anos sessenta é introduzido uma variedade de cana para o plantio em tabuleiros, regiões planas e altas, situadas nos limites da mata atlântica, com pouca água mas apropriada à mecanização. Terras antes pouco valorizadas, eram ocupadas por pequenos agricultores que praticavam a agricultura familiar de subsistência. Produziam para o consumo e o que sobrava era vendido em feiras livres ou trocado por outros produtos. No final dos anos sessenta e na década de setenta, com a possibilidade de essas terras serem utilizadas para o cultivo de cana, começam a ser compradas pelas usinas e grandes proprietários a preço de quase nada. Muito ajudou, nesse processo, a propaganda enganosa que o governo fazia das cadernetas de poupança e os financiamentos a juros negativos bancados para beneficiar os grandes proprietários. Os pequenos agricultores, onde muito pouco circulava dinheiro, achavam estar vendendo suas propriedades por uma fortuna. Depois de realizada a transação, geralmente compravam uma casa na cidade; o dinheiro que restava punham na poupança acreditando na multiplicação dos pães. No entanto, a inflação e as necessidades pessoais em poucos anos acabavam com o sonho de uma vida na sombra e água fresca, como queriam crer. Agora, só restando para aquisição dos produtos vitais à sua sobrevivência a força-de-trabalho, iam ao mercado oferecê-la àqueles que lhes usurparam as terras. Viravam assalariados ou eram obrigados a venderem as casas, pôr os bagulhos que restavam nas costas e seguir em frente para uma cidade maior onde já se encontrava um parente ou um conhecido.

E os nossos moradores das grandes propriedades? Bom, esses escravizados pelo trabalho e pelo barracão tinham dificuldade em se movimentar. Nos pagamentos aos trabalhadores nas usinas e fazendas produtoras de cana-de-açúcar, sempre presente estava o dono do barracão, que de prontidão arrancava uma boa parte ou o salário inteiro do infeliz. Deixá-los devedores e sem salários era uma fórmula eficaz que garantia novas compras no barracão e sua permanência escrava na fazenda de cana. Porém, um elemento novo perturbou a ordem das coisas. Depois de 64 os direitos trabalhistas e previdenciários foram estendidos ao campo. Querendo a simpatia dessa massa desprovida, os militares golpistas até exigiam o cumprimento desses direitos. A justiça do trabalho passou a ser um instrumento de pressão para a aplicação da legislação. Apesar da extrema violência no campo, algumas ações trabalhistas ganhas por antigos moradores assombram usineiros e fazendeiros. Histórias sobre venda de parte das terras para pagar essas ações se disseminam mais rápido do que o pó dos canaviais em chamas. "Tudo menos perder patrimônio tão arduamente acumulado para essa gente! Já invadimos suas roças agora vamos destruir suas casas!", decidem. E assim fizeram. Começaram a expulsar os moradores e derrubar as casas. Braços para lavoura?, foram buscar nas cidades e pequenos povoados. Surge daí os agenciadores de mão-de-obra, que compram e vendem trabalho, os famosos gatos.

Esses fatos, a expropriação pelo capital da pequena propriedade e sua concentração nas mãos de poucos, e a expulsão de antigos moradores das grandes propriedades, empurraram mais gente do campo para a cidade no Nordeste do que qualquer fenômeno natural como a seca ou mesmo a atração exercida pelos pólos dinâmicos da economia. Processo agravado com a intensificação do uso de novas tecnologias no campo dispensadoras do trabalho. A contribuição da inflação em alta, ao ser a terra utilizada como ativos pelos detentores do capital, uns na tentativa de preservar a riqueza acumulada, outros para especular e ganhar fortunas, não pode ser desprezada. A fome de álcool dos automóveis ampliou o desastre humano e ecológico, ao aumentar o número de destilarias. A monocultura da cana, que se estende das terras baixas e férteis aos tabuleiros secos e arenosos corrigidos com toneladas de adubo, avança e destrói rapidamente o que restava de mata atlântica. Com suas máquinas modernas e sem a inconveniência do trabalhador fixado à terra, estavam livres para pilhar o planeta. Mas, mais recentemente, o fracasso do proálcool, as oscilações do mercado externo do açúcar e o fim de alguns subsídios aos usineiros que não conseguiam competir com a produtividade das usinas paulistas levaram à falência dezenas de usinas e destilarias nordestinas, num novo capítulo dessa história de concentração de riquezas e movimentação de pessoas. Hoje, nas paisagens áridas da natureza inexoravelmente destruída ecoa o lamento dos perdedores.

05.03.2003

segunda-feira, junho 12, 2006

A louca corrida do morto insepulto Nosferatu

Rall


Era previsível. Bastou uma pequena mudança no último comunicado do Fed - foi retirada a informação de que a taxa de juro deve permanecer estável por um período considerável - para deixar os mercados dos chamados países emergentes em pânico. A bolsa caiu no mundo todo. No Brasil, quinta-feira dia 29, caiu mais de 6%, o risco Brasil subiu 9% e o dólar fechou em alta. Parece que Nosferatu prepara-se para alçar vôo. A piscadela da maior economia do mundo já o deixou assanhado, apesar do esforço dos enganadores de plantão de que tudo está muito bem.

É interessante como esse imenso volume de capital financeiro, que não consegue mais se reproduzir com trabalho vivo, circula no mundo sem rumo. Ontem nos países centrais, hoje nos emergentes, depois em qualquer outro lugar que lhe possa oferecer alguma vantagem mesmo que ilusória. Formam-se e explodem bolhas financeiras como se fosse balão de festa. Parece que o tempo das bolhas encurta-se perigosamente. Mal saímos de uma nos países desenvolvidos, formou-se outra nos emergentes com o que restou desse capital, e já se anuncia o fim da farra. Cada estouro, deixa um rastro de destruição e miséria que só tende aumentar. O ímpeto destrutivo do capital nunca se mostrou tão exacerbado.

Nessa louca corrida do morto Nosferatu em busca de sangue fresco para se reconstituir, quem primeiro paga a conta são os mais fracos: no mundo, os países emergentes são sempre a bola da vez. A fixação obsessiva dos governantes em criar emprego para alimentar o monstro revela seus resultados no expressivo número de carrocinhas de tração humana, circulando nas cidades, em busca de lixo cujo preço do quilo nas usinas de reciclagem despencou em 50%; é a concorrência saudável, dirão os guardiões do mercado. Mas isso não satisfaz o apetite refinado de Nosferatu. Assim, prefere continuar errante. Estourando aqui, crescendo acolá com milhões de operações fictícias entre elas os juros das dívidas dos Estados que crescem exponencialmente, gerando no seu imaginário doentio, riqueza sem substância. Um dia, a explosão final desse corpo inflado, há de exalar pelos corredores do poder o cheiro putrefato das suas indigestões.


01.02.2004

Breves reflexões sobre teoria e práxis

Rall


As dificuldades teóricas estão por toda parte.Uma delas é sobre a relação dolorida entre teoria e práxis. Entendo que na sociedade em que vivemos é muito difícil a “articulação” desses campos. Sempre vamos ter os teóricos puros e aqueles que, em sua prática social, irão aceitar ou descartar essa ou aquela teoria. Acho, porém, que o teórico puro, apesar do distanciamento necessário, devem estar munidos dos melhores instrumentos capazes ampliar a visão que se tem da realidade, podendo detectar o ainda invisível para os movimentos sociais, muitas vezes movidos só pelo senso comum. É muito difícil para quem estar diretamente envolvido nos movimentos, mesmo detendo alguma clareza teórica, destrinchar suas possibilidades: quando “massa” perdemos a nossa individualidade. É como se constituíssemos um superego coletivo que não sendo a somas dos eus presentes, arrasta o movimento social em determinadas direções. Não estou falando de uma simples assembléia ou coisa semelhantes, mas em movimentos que são capazes de mudar a realidade.

O problema é o sentido dessa mudança, e aí entra os teóricos. A história coloca para os movimentos sociais, acredito, um leque de opções diferente em cada momento. Podem ser empurrados para caminhos diversos, inclusive contrário as suas palavras de ordem e objetivos iniciais. Estes possíveis caminhos produzem o debate teórico. Já se dizia que não existe revolução sem teoria revolucionária. Em outras palavras, o movimento social deve ser municiado de alguma forma por teorias que não se geram espontaneamente em seu seio, mas são por ele alimentadas. Se acatarmos a relevância do teórico puro, temos que concordar com essa premissa. Isso pode nos causar um certo arrepio, porém, é bom lembrar, que elaborações teóricas que se prezem como teoria crítica é fruto do desbravamento do seu objeto de estudo e da ação deste sobre seu observador. O teórico puro, portanto, apesar do distanciamento necessário ao focar suas lentes de aumento no movimento social e de estar atento ao significado das teorias que deseja criticar ao observar fatos novos, não é um observador isento.

Mediando a relação entre a teoria na sua forma mais acabada e o movimento social, estão os militantes que ao se apropriarem dessa teoria vão estar numa relação tensa com as pulsões do movimento. Em certos momentos a teoria facilita sua ação, em outros é descartada pela dinâmica do movimento como um casaco puído que já não esquenta mais. É nesse processo contraditório, não linear e rico, mas lento para nossa existência, que o movimento social, em um certo ponto, toma consciência, concentra todas as suas possibilidades e faz a história acontecer. O movimento social, suas lideranças bem como os indivíduos que nele envolvidos buscam nas ações a “veracidade” dos conceitos teóricos, estão sempre colocando novas questões nem sempre respondidas pelas teorias: a realidade estará a exigir sua negação. A teoria quando congelada é ideologia, representação grotesca do real. Assim era marxismo oficial dos países antes chamados socialistas e os dogmas que orientam a ação de alguns grupos atuais. O movimento social, cuja pureza é uma abstração ingênua, não está imune a tais riscos.

28.01.2004

sábado, junho 10, 2006

O VENERADO DEUS-TRABALHO

Rall


Folha de São Paulo de 18 de janeiro passado traz uma matéria interessante sobre a modernização tecnológica da economia Brasileira entre 1990 e 2001. Foram eliminados 10,76 milhões de emprego segundo pesquisa realizada pela UFRJ. O coordenador do estudo, David Kupfer diz que o "desafio do país é continuar com o seu processo de modernização, necessário para competir aqui e lá fora, e criar vagas".

Uma outra matéria, em edição anterior, mostra a decepção dos analistas econômico pela pífia criação de novos empregos, 1.500 vagas, nos EEUU nos mês de dezembro, apesar da taxa de crescimento anualizado no último trimestre de 2003 está acima de 8%. Esperava-se a criação de 150 a 200 mil novas vagas com o crescimento econômico. E o pior: apesar do crescimento, a indústria nesse mês fechou 60 mil vagas. Voltou-se a falar na imprensa americana em crescimento econômico sem criação de empregos.

Apesar da distância, as duas matérias se completam. A matéria sobre a economia americana mostra que a cada crise, acirra-se a concorrência e investe-se pesado em tecnologias dispensadoras de trabalho. Num primeiro momento, o impacto é tamanho na produtividade que surpreende políticos e especialistas no que diz respeito à criação de novos empregos. As outras economias, obedecendo à força cega da concorrência, mais tarde ou mais cedo reagem de forma semelhante se não quiser sucumbir.

E qual é o resultado dessas mudanças, na maior economia do mundo, junto aos países emergentes, inclusive o Brasil? Provavelmente uma onda de produtos mais barato vai inundar o planeta e, muitas das indústrias, pelo atraso tecnológico, não suportarão a concorrência e vergarão. São as importações que eliminam empregos. Outras, mais bem posicionadas no mercado, investirão pesado em tecnologia fechando postos de trabalho.

Contrariando a demagogia nacionalista, os dados da Folha mostram que a grande destruidora de vagas para o trabalho vivo são as mudanças tecnológicas e não a abertura às importações: 10.763.212 empregos eliminados pela primeira contra 1.548.532 empregos pela segunda. Em países como o nosso, por ter "fechado" sua economia durante algum tempo, o impacto da modernização tem sido bem mais dramático. Os 20% de desempregados na Grande São Paulo mostra isso com muita clareza. A indústria automobilística é quem mais evidenciou este fenômeno, quando sobre a pressão do mercado, foi obrigada a deixar de lado as carroças para fabricar carros mundiais.

O grande paradoxo do capitalismo em sua fase atual é que esse enorme e crescente potencial produtivo tanto gera riqueza em proporções jamais visto, quanto uma onda gigantesca de um mar de miséria de destituídos que se esparrama por todo planeta. Apesar da exclusão ser intrínseca a lógica da sociedade produtora de mercadoria, inclusive nas instituições que dizem lutar pela eqüidade, criou-se na esquerda a ilusão redistributiva. É comum ouvir da boca dos mais esquerdistas o discurso da "democratização do capital" (o que é isso?), redistribuição de renda e outras lorotas impossíveis nos dias atuais.

Quanto à fala do Sr. David Kupfer citada acima, gostaria de fazer uma breve observação: quando ele coloca como desafio das políticas de governo a geração de emprego, expressa a posição comum dos políticos: quanto mais se agrava a crise do trabalho mais aumentam aos milhões suas cotas ilusórias de novos empregos para depois das eleições. Nesse nosso abençoado Brasil todas as velas têm sido acesas ao venerado Deus-trabalho, esperando-se que se opere um milagre.

21.01.2004

sexta-feira, junho 09, 2006

Ainda sobre o Nosferatu

Rall



Parece que soou o alarme: o vice-presidente do Citigroup, William Rhodes, diz que a euforia atual dos investidores com os “emergentes” lembra os meses que antecederam a crise asiática, que começou em 1997 e se alastrou para países como a Rússia e o Brasil. “Há um risco hoje de que os mercados talvez estejam indo longe de mais em relação aos fundamentos econômicos (dos emergentes, claro)”, diz Rhodes (Folha de São Paulo, 16 de janeiro de 2004).

O apelo para que o Nosferatu volte ao ninho, veio mais sedo apesar do otimismo dos analistas de plantão. Não houve se quer a necessidade de um aumento dos juros ou uma pequena melhoria no rendimento dos papéis do governo americano. A campanha para o retorno de seu corpo virtual, desmembrado mais crescido, já começou e com peso. É como se dissessem: “volte agora enquanto a exuberância de seu ser não foi ainda vazada pela estaca do real. Deixe que eles, os filhos dos ‘emergentes’, paguem a conta de sua destruição. Mais tarde podem querer dividir conosco o prejuízo”.

Acho que a irracionalidade de seus desejos, mesmo correndo risco, ainda espera que se complete a tremenda transferência de capital da chamada poupança nacional para os fundos de ações (sair agora quando o capital nativo começa a chegar?). Aí se fecha o ciclo e um Nosferatu balofo, bate as asas e segue impávido com algumas escoriações para o estouro final. Quanto tempo? Anos? Talvez. Ou meses?... E aqueles que contavam com o capital fictício para dá um empurrãozinho no “espetáculo de crescimento” podem se decepcionar, apesar da inexistência de outras opções no mundo da pós-modernidade.

18.01.2004

sexta-feira, junho 02, 2006

Nosferatu dos novos tempos

Rall


É meus amigos, parece que estão acreditando no milagre da multiplicação dos pães! Num mundo em crise o capital financeiro faz milagres. Agora é a nossa vez, os periféricos, as bolsas em alta fazem a alegria dos investidores. Vejam só, o Brasil que há anos não consegue acumular nem pra pagar a cachaça da turma, a economia cresceu 0,10% em 2003 segundo os analistas, puxa a euforia das bolsas do mundo com alta de 97,3%! Donde vem tanta riqueza? Do nada. Pura ficção de um capital enlouquecido que não consegue mais acumular: dinheiro gerando dinheiro sem substância.

O ano de 2003 foi à vez dos grandes investidores estrangeiros marcarem presença nas bolsas dos paises em “desenvolvimento”. Juros baixos nos países de origem, papéis americanos e de outras grandes economias com baixa rentabilidade. Vamos para o terceiro mundo! O sinal foi à queda do risco-país. No Brasil, de 2.436 pontos em 27 de setembro de 2002 foi para 428 no dia 05 de janeiro de 2003. Que maravilha! Tornamo-nos confiáveis como diz a grande imprensa, porém é bom acrescentar: graças às manobras especulativas.

Pelo riso do poder esse é o nosso ano. Produção? Emprego? Não tem importância, ponha as suas economias na sacola e joguem na bolsa. Vai crescer e frutificar. Só tem um risco: o bicho pode comer por dentro o miolo, deixando a casca para enganar e um caroço sem valor duro de roer. Depois sai voando por aí atrás de novas seivas. É insaciável.

O Nosferatu dos novos tempos já não se alimenta do trabalho vivo, que vem escasseando desde as últimas décadas do século passado. No seu delírio famélico prefere o sangue virgem da sua imaginação insânia, ou seja, o nada. Um dia, seu corpo putrefato, sob o efeito da estaca do real, expele gases maus cheirosos e murcha. Seus adoradores se desesperam frente ao que restou de um ser tão perfeito que parecia garantir a felicidade eterna. Imperceptível, sua alma doentia desloca-se numa velocidade estonteante. Mirando novos horizontes em busca de recompor seu corpo destruído, deixa para trás as ruínas de sua passagem.


07.01.2004

quinta-feira, junho 01, 2006

De um infeliz ano velho

Rall
Termina mais um ano. Como diz os analistas, foi o ano do governo arrumar a casa. E como diz o governo, com as reformas e as medidas econômicas, criamos as bases para o crescimento espetacular. De fato terminamos o ano com o desmanche do sistema previdenciário, com o desmonte das Universidades Públicas, ou o que ainda restava de público no ensino e com os Hospitais Públicos decidindo quem tem o direito de viver ou morrer. Mas todas essas medidas, que resultaram no encolhimento do estado, meus caros amigos, nada tem a ver com o que vocês costumam chamar de neoliberalismo. São medidas necessárias para acabar com o déficit público, pagar nossas dívidas interna e externa e liberar recursos para o mercado. Ah! É nele que está a nossa grande esperança! Será ele o grande responsável pelo espetáculo de crescimento, tão ansiosamente esperado...Vejam, estamos no fim do ano e a indústria já dá sinais de seu vigor, com o aumento das exportações criou 1.500 vagas, sim senhor, mil e quinhentas vagas para mais de dois milhões de desempregados nesta abençoada e Grande São Paulo. É a primeira cena do espetáculo, outras virão.
Reconhecemos que nossas exportações já bateram no topo nos mercados tradicionais. Não se incomode com isso, tem os emergentes, a China, a Índia, a grande Líbia do Coronel Kaddafi e a acolhedora Cuba do Comandante-em-Chefe Fidel Castro. Talvez para esses dois possamos aumentar as nossas exportações de sisal, ótimo para confecção de corda para enforcados. Com o aumento dos dissidentes abre-se um grande mercado para esse nobre produto em vários países amigos e já vai com cheiro de carne humana dos pedaços decepados dos membros superiores dos trabalhadores. Sai mais barato do que o uso de balas, com certeza. Na ponta de uma corda bem trançada pode passar vários pescoços. Só a China arranjou uma forma inteligente de resolver os custo das balas: manda a fatura para os familiares do morto. Mesmo assim, a forte e boa corda de sisal poderia ser mais barato se dividido os custos entre várias famílias. Quem sabe se os EEUU não vão querer algumas toneladas para o Iraque e Afeganistão? Tem muita gente por lá dando trabalho.
Gritam pela grande imprensa os analistas de plantão que o mercado interno puxa o nosso crescimento o ano que vem. Os juros estão caindo, a indústria pronta para investir, crédito barato, as reformas concluídas e o consumidor doido pra consumir. “Mas, espera! Os rendimentos dos trabalhadores não vêm caindo dramaticamente?” É, é o que diz o IBGE: a participação da renda dos trabalhadores no PIB vem caindo ao longo dos anos, despencou mais de 15% de maio de 2002 ao mesmo mês em 2003 e continua caindo, ainda por cima tem o persistente e teimoso desemprego... “A indústria em crescimento não absorve essa mão de obra?” Não tanto quanto querem, na verdade muito pouco apesar do alarido da imprensa. No pega pra capar da concorrência num mercado globalizado, nossos preços vão ser comparados com os de fora. Se nossa indústria for competitiva vai garantir os seus produtos no mercado, para isso deve aumentar a produtividade, com mais máquinas e menos trabalhadores, trabalhando muito e recebendo pouco. Já se fala até em crescimento sem emprego, pra quem vender não sabemos. “Mas e os milhões de empregos prometidos pelo Presidente no espetáculo de crescimento?” Bom, para os chamados excluídos se não tem emprego, tem a fome zero. “E se não tiver comida para todos?” Ah, meu caro! Tem a polícia, essa eficiente instituição! Vem se modernizado, ganhando força, veja as prisões como estão cheias! Já mata mais do que a polícia da ditadura, com uma vantagem: ninguém reclama, nem anistia, nem direitos humanos, nem igrejas, nada, tudo calado. Nessa história, de vez em quando vai um cidadão, mas é contabilizado como bandido e todos ficam satisfeitos.
MESMO ASSIM DESEJO A TODOS UM FELIZ ANO NOVO!...

21.12.2003