terça-feira, dezembro 26, 2006

A política redistributiva e os limites do Estado

Rall


Diz um velho ditado que alegria de pobre dura pouco. Pelas notícias é o que parece se delinear nesse segundo mandato do Presidente-operário. A política social de distribuição de benefícios para os sem renda, parece dar sinais de esgotamento. Por outro lado, os considerados “classe média”, aqueles que recebem mais de três salários mínimos, viram os rendimentos despencarem em 46% e houve um saldo negativo de dois milhões de empregos nessa classe, ou seja, dois milhões dispensados de suas atividades nos últimos seis anos. Por outro lado o emprego com até um salário mínimo aumentou em 2,2 milhões, segundo pesquisa baseada nos dados da Caged (Cadastro Geral de Empregados e Desempregados, do Ministério do Trabalho), publicados pela Folha de São Paulo de 10 de dezembro de 2006.

Outro estudo do Centro de Estudos Sindicais e de Economia do Trabalho da Unicamp mostra que apesar dos 2,8 milhões de empregos criados entre setembro de 2004 e outubro de 2006, houve uma redução da massa salarial de R$ 133 milhões, provavelmente relacionados com a precarização do emprego via terceirização, demissões e contratação de novos contingentes por salário mais baixos.

Tal quadro mostrado pelas duas pesquisas reflete como a economia no Brasil, e, provavelmente, em outros países do terceiro mundo, vem reagindo para se adaptar a violenta competição internacional. Não dispondo de industrias suficientemente modernas e infraestrutura, esses países, incapazes de competir com os países do centro em produtividade, se adaptam como sócios menores do capital internacional produzindo mercadorias baratas às custas da intensificação da mais-valia absoluta. Europa Ocidental, Japão e América do Norte que respondem por cerca de 75% da produção industrial do mundo, necessitam de recursos naturais, mas, também de produtos semi-acabados, geralmente produzidos em indústrias poluidoras, para suas empresas de ponta. É o caso do aço semiprocessado, que é produzido nos países em desenvolvimento a baixo custo e é enviado às usinas sofisticadas dos países do centro. Esse tipo de transação pode significar uma “redução entre 30% a 50% em relação a seu custo caso esses produtos fossem produzidos no país de origem da empresa compradora”, segundo Peter Marsh do Finacial Times.

O Estado em si não produz riqueza. Os recursos para financiar seus projetos são arrancados da produção real através dos impostos, e hoje, mais do que nunca, pela geração de capital fictício. Os recordes na arrecadação de impostos, tão saudados pelos burocratas do poder, tende asfixiar mais ainda a “classe média”, pois essa não escapa da fúria arrecadadora, inibindo o consumo e fazendo patinar o esperado crescimento do mercado interno. Mas, o limite desse nivelamento distributivo por baixo, tende a esbarrar na crise dessa classe, que nos últimos seis anos perdeu quase 50% de seu contingente como mostram as pesquisas e na impossibilidade das bolhas financeiras se expandirem indefinidamente.

Por outro lado o capital só aporta aonde pode acumular. Aqueles capitais acoplados a produção global, mantém-se em ação desde que as condições lhes sejam favoráveis, e isso, no terceiro mundo, traduz-se em salários cada vez mais baixos, daí a grita pela desregulamentação do mercado de trabalho, por condições de infraestrutura para o escoamento de seus produtos a custos acessíveis e possíveis renuncias fiscal. Não sendo assim, tende a levantar âncora e se dirigir para os que oferecem melhores remunerações.

As indústrias que produzem mais para o mercado interno, a maioria a margem do circuito mundial da produção capitalista, geralmente pequenas e médias empresas de utilização intensiva de força de trabalho, além do fraco desempenho do mercado local, são obrigadas a competir com similares que conseguem produzir na China e na Índia principalmente, a custos bem inferiores aos nossos, por utilizarem uma mão-de-obra semi-escrava com baixíssima remuneração. A desindustrialização de setores como os de roupas e de calçados é um exemplo flagrante dessa realidade. A produção limitada e a descapitalização desses setores, que dificulta investir em novos equipamentos para aumentar a produtividade, reforça o círculo de demissões acompanhadas de novas admissões com salários que podem chegar a metade dos antigos funcionários.

O Governo, ao buscar salvar os náufragos, é obrigado a abrir mão de parte de sua receita, agravando mais ainda a crise fiscal do Estado. Para cobrir os déficits dos programas sociais, os parcos investimentos e outros encargos, é levado a captar recursos no mercado, pagando juros exorbitantes que por sua vez geram compromissos financeiros que precisam ser amortizados com superávits primários. São os papeis do governo, que negociados na rede bancária, se multiplicam como do nada se multiplicaram os pães no milagre cristão, como fosse uma inesgotável fonte de riqueza, a usina de geração de capital fictício. E aí todos que tenham alguma sobra de dinheiro, se beneficiam da “ciranda financeira”: o Estado porque consegue financiar suas despesas, os bancos por comprar do Governo papéis rentáveis e vende-los no mercado, as empresas que inflam seus balanços com as aplicações e juros cobrados nas vendas à crédito e as classes abastadas que do nada vêem seu dinheiro crescer.

Frente a esse emaranhado de interesses, os juros que é como se lucra no mercado de papéis, nem sempre é fácil serem reduzidos. Talvez sejam os juros altos, com as aplicações especulativas na bolsa que nos primeiros quatro anos do governo Lula subiu 280% apesar do pífio desempenho da economia real, as maiores bolhas que ajudam alimentar a economia no Brasil. É como se diz: para a sociedade da valorização do valor em crise ruim com elas pior sem elas, é só ver o susto que tomaram recentemente os novos donos do poder na Tailândia, ao quererem controlar, mesmo que timidamente, o capital de curto prazo que ao girar o mundo velozmente, sopra desesperado as bolhas nos quatro cantos do globo para que não se apaguem. Na Tailândia, o apagão da economia em um dia, foi o suficiente para que o governo militar rapidamente voltasse atrás e se ajustasse novamente às exigências do capital global, mesmo dispondo do poder das armas.

Se o capitalismo para existir ainda necessita de uma base real na produção, o louco desacoplamento do dinheiro dessa base, reproduzindo-se sem substância numa velocidade e volume jamais vistos, mesmo que em alguns momentos turbine o crescimento econômico pelo aumento artificial do consumo, mais tarde ou mais cedo a realidade vai exigir um acerto de contas. Os sinais da crise são cada vez mais evidentes, e, pelo intrincado da economia mundial, talvez seja essa a mais global e a mais severa das crises do capitalismo. Os Estados, todos já na corda bamba pelos desequilíbrios financeiros, irão rapidamente a nocaute e com eles as cambaleantes políticas sociais.


26.12.2006