quinta-feira, novembro 22, 2007

O Império dos Sonhos e o capitalismo de ficção

Rall


Quem não assistiu na mostra Inlad Empire (Império dos Sonhos) de David Lynch corra aos cinemas quando entrar em circuito comercial. Muitos vão ter vontade de sair no meio da sessão ou vão agüentar firme três horas de projeção como se estivesse olhando a vida através de um espelho com lentes de aumento. Fantasia e realidade fundem-se num todo de contornos indefinidos, sem dar direito ao espectador um fio condutor que lhe permita sair do labirinto em que se meteu ao espiar a imagem espelhada de um mundo esquizofrênico.

David Lynch talvez não saiba, mas parodia, entre tantas coisas, as agruras da vida econômica, onde a ficção vira de pernas pro ar a realidade e resolve ela mesma ser o real. Não é à toa que só se fala num mercado que compra papéis, gera novos papéis e vende papéis, num galopante movimento circular de criação de “riqueza fictícia”, uma abstração da abstração.

Quando a economia real é mencionada, parece uma tentativa de se restabelecer a convicção de que alguma coisa palpável ainda existe. Mas, mesmo quando o produto não é papel, ou um arremedo contábil que nada representa, o valor-de-uso, enquanto veículo do valor-de-troca, não tem nenhum valor enquanto objeto sensível se não for capaz de se transformar em riqueza abstrata no mundo das mercadorias.

Na atual sociedade capitalista a utilidade dos objetos já não conta mais ou conta muito pouco, inclusive o trabalho enquanto mercadoria especial capaz de produzir mais-valor. Resulta daí uma engrenagem movida por sujeitos “automáticos” que se por um lado avança destruindo rapidamente a natureza, por outro já não separa mais o lixo tóxico de produtos consumíveis. Tudo pode, não importa quantos morram e quanto de veneno será jogado no meio, desde que o produto final seja uma mercadoria que pintada pela propaganda e marketing com cores para todos os gostos, disfarça seu desejo mórbido ao abraçar o encantado consumidor, transformando-se em dinheiro.

As coisas tornam-se mais absurdas nos mercados de papéis. Uma transação que se iniciou com um ativo-objeto, por exemplo, o financiamento de uma casa que gerou uma hipoteca, pode “derivar” dessa transação uma série de “produtos” financeiros numa infindável cadeia de geração de dinheiro fictício sem nenhum controle, que só se sabe onde se iniciou, mas não onde termina. No pouco tempo em que a economia global opera com derivativos, o dinheiro fictício aí produzido já corresponde a oito vezes o valor do PIB mundial.

Se considerarmos as outras operações nas bolsas de valores, de mercadoria e futuro, no comércio internacional, na especulação imobiliária, nas mais variadas operações de crédito, nas dívidas públicas e privadas onde a cada instante geram-se milhões em dinheiro fictício, é impossível calcular o montante dessa “riqueza” sem substância. Uma aproximada avaliação só acontece, quando nas grandes crises, violentas contrações dessa aparente riqueza expõem a materialidade da economia real que ela esconde. Daí a dificuldade de se avaliar o tamanho da crise imobiliária americana, e seu impacto ao redor do mundo, enquanto todo processo não se completa.

Os problemas que se avolumam, a perplexidade das autoridades financeiras e dos analistas de plantão mostram que a crise só começou, e que os bilhões de dólares (fala-se em aproximadamente um trilhão) posto pelos bancos centrais dos países “desenvolvidos” no mercado para salvar grandes empresas financeiras do colapso, não mudam o curso, no máximo retarda do desfecho final. A tênue linha divisória entre a realidade sensível e a “abstração real” (Marx) do mundo das mercadorias, que se apaga no filme de David Lynch e nos processos sociais fetichisados, pode, nesses momentos, se vislumbrada, renovar a esperança de que a realidade esquizofrênica que nos domina e violenta possa ser superada.


22.11.2007

domingo, novembro 04, 2007

O leite mijo de vaca e a lógica do capital

Rall


Já não basta aumentar o volume de leite com água contaminada como se sabia. Para não azedar rápido, a fórmula do químico consultor de grupos multinacionais inclusive, exige soda cáustica e água oxigenada. Acrescenta-se ainda a branca natureza do precioso líquido soro cultura-de-bactéria, refugo da produção de queijos, e mijo de vaca para realçar o sabor. Eis o leite oferecido pelo mercado em fina sintonia com refinados paladares.

As ridículas declarações da ANVISA (agência reguladora da vigilância sanitária), de que soda cáustica e água oxigenada quando ingeridas no leite não prejudica a saúde, dirigidas para amainar o escândalo e acalmar os consumidores, satisfazem a devida mistura dos interesses econômicos. Mistura que é só a ponta do iceberg da lógica absurda da sociedade capitalista, que pouco importa o que se produz e como se produz, desde que produto final seja uma mercadoria.

Que diferença faz se um país vende armas que alimenta a criminalidade e as guerras fratricidas ou vende produtos orgânicos com selos verdes acenando para o consumidor? Ambos são mercadorias que nas transações permutam-se e no final garantem um acréscimo, um lucro, ou seja, a “valorização do valor” como afirmava Marx. Por isso as empresas de um mesmo país que vendem produtos orgânicos porque tem um mercado à espera, vendem também armas para os extermínios e disseminação da violência com a certeza de que estão fazendo um grande negócio.

A fórmula simples de Marx, D-M-D’ (dinheiro-mercadoria-mais dinheiro), expressa a essência da sociedade capitalista: fazer dinheiro, não importa se os meios para atingir esse fim possam levar a morte de pessoas e a destruição do planeta. É claro que a pressão social faz com que o impulso de fazer dinheiro seja mais liberado ou mais contido nas sociedades produtoras de mercadorias. Mas está aí, presente nas relações sociais. O “espírito animal” (coitado dos bichos), como assim define um certo ministro a louca corrida pelo dinheiro imanente ao capitalismo, invade e domina a todos.

O impulso destrutivo, que se aloja nos mais recônditos do inconsciente na socialização dos sujeitos e move o ser rentável em sua missão terrena, é fruto de relações sociais reais fetichizadas que dominam os homens e só permitem que estes se movam automaticamente dentro das fronteiras pré-estabelecidas pela lógica do capital. Manifesta toda sua potência nos momentos de crise, quando se acentua a concorrência e o sistema torna-se mais irracional, produzindo alimentos que matam, brinquedos que envenenam crianças, remédios que não curam e todo tipo de violência de grupos e institucional.

Os gritos de guerra do nazismo, “pátria ou morte”, ou do capitalismo de Estado que pode ser tão brutal quanto o laissez-faire, “socialismo ou morte”, são ecos de ruídos produzidos por aqueles que com gosto de sangue na boca e sede de poder, movimentam-se nos limites que lhes impõem o capital. É preciso pensar para além da sociedade produtora de mercadorias para sair da crise.


04.11.2007

sexta-feira, setembro 28, 2007

A falência da política e o mito do homem público

Rall


Num certo dia, nas minhas poucas relações com a televisão, entrei num desses canais pagos e me deparei com uma entrevista do ex-Ministro da Cultura de Jacques Chirac (se não me falha a memória Jean-Jacques Aillagon), que sinceramente dizia que noventa e nove por cento de sua atividade à frente do Ministério da Cultura da França era dedicada a relações públicas e um por cento a algum tipo de realização. Afirmara ainda que isso não era diferente nos outros Ministérios, e que a grande preocupação de seus assessores era com a entrevista marcada para tal jornal ou revista, com a visita programada a alguma instituição e a abertura de um determinado evento. Acreditava ser mais útil aos franceses escrevendo livros. Talvez não soubesse, mas estava ele revelando, de forma espontânea, a falta de respostas da política para questões atuais. E se olhado com uma lupa, esse um por cento da “capacidade empreendedora” de seu ministério não passa de adaptações às exigências do capital.

A fala do referido ministro lembrou-me as funções das agências reguladoras e para quem “regulam” o mercado. As exigências das empresas de criação dessas agências, autônomas em relação ao Estado, para que possam investir com segurança, mostra a serviço de quem são constituídas. O recente acidente da TAM e os escândalos que se seguiram denunciando a estreita colaboração entre os diretores dessa agência e os interesses das empresas de aviação, pondo em risco a vida dos passageiros pelo que se deduz do vasto noticiário, é só a ponta do iceberg dessa intricada relação. Quando analisamos a conduta de outras agências veremos que essa é a norma. Não é necessário ir muito longe, basta analisar aquela que é responsável por um dos custos que mais severamente atinge o bolso de vastas camadas da população e que quando mais precisa é expulsa do sistema pelos preços das mensalidades: a agência que regula os planos de saúde. Veremos que elas estão aí para arbitrar a favor do capital nas incertezas do mercado, sem ouvido para consumidores angustiados que não tem com quem reclamar.

A atuação dos órgãos reguladores criados pelo Estado e a defesa que deles fazem os representantes do capital, com ameaças de não investir na ausência de “marcos regulatórios” que garantam bons retornos e pouco riscos, mostra a impossibilidade de se separar as políticas públicas do interesses privados, apesar dos discursos contrários e da gradação encontrada nos países de diferentes culturas. É daí, da incapacidade de se definir fronteiras entre o público e o privado, que aflora a corrupção crônica atingindo todos segmentos e que se intensifica na medida em que separação formal entre o capital e o Estado tende a se dissipar, mostrando-se, capital e Estado, como faces de uma mesma moeda. O homem público burguês é cada vez mais privado nas suas ações, evidenciado-se seus interesses particulares. Se a nível material essa separação nunca existiu na sociedade burguesa, também no nível formal já não é mais possível manter as aparências, jogando por terra o mito do homem público e a impossibilidade de uma ética na política. Torna-se, portanto, vazio o discurso aparentemente moralista da grande imprensa e de políticos da oposição contra os seus pares, já que todos se movem impulsionados por uma mesma lógica.

A sucessão de casos de corrupção, cada vez mais difícil de serem contidos por regras morais abstratas, se aumenta o niilismo na sociedade, deixa os meios de comunicação furiosos ao verem a imagem forjada dos políticos “honestos” e das instituições que representam se desfazer a cada escândalo como bolhas de sabão em um dia ensolarado. É preciso manter as aparências, da qual faz parte o espetáculo midiático, de que a política ainda funciona, como é preciso que a economia de bolhas mantenha-se inflada, com o dinheiro vazio de substância multiplicando-se sem controle, abençoado pelos setores regulatórios, aparentando que tudo vai muito bem com a acumulação do capital. Os níveis de corrupção que atingem o Estado e as corporações privadas em todo mundo caminham de mãos dadas nas sombrias vielas onde se forja o capital fictício. É impossível, a despeito do desejo de alguns, separar uma coisa da outra, pois ambas são facetas de um mesmo engodo real sobre o qual não se tem controle.

28.09.2007

domingo, setembro 09, 2007

O Brasil está imune à crise?

Rall

O Governo tem se esforçado na busca de convencer os mercados, que estamos imunes à crise que se iniciou no setor imobiliário americano e se alastra para economia mundial, através da fala de seus ministros e do próprio Presidente Lula. Seria verdade se vivêssemos numa redoma, com uma economia isolada e auto-suficiente, estruturada à Robinson Crusoé, sem tomar conhecimento do mundo exterior. Mas essa não é a realidade, estamos mais inseridos (e só assim podemos sobreviver como país capitalista) a economia mundial do que expressa a fala das autoridades. Hoje, o espirro americano, a diarréia asiática ou a cefaléia da zona do euro, atingem os mais recônditos países, por insignificante que sejam, pois as doenças são sistêmicas numa economia globalizada, já não se autolimitam, mesmo que sejam na ponta do pé de algumas dessas regiões.

O discurso de que uma recessão nos EEUU, epicentro dos atuais abalos, não atingiria o restante do mundo, muita vezes defendido também por analistas da grande mídia, ou é hipócrita na busca de acalmar o mercado financeiro dando tempo para o reposicionamento de grupos, ou não se estar entendendo a seriedade do momento. Fala-se da China e de outros países em desenvolvimento, inclusive do Brasil, como contraponto à recessão mundial. Ora, talvez seja a China o país que mais sinta com a redução da atividade econômica americana. Vale lembrar que o grosso da produção chinesa para exportação destina-se a esse mercado. Os países asiáticos, com a China e o Japão à frente, formam o maior circuito deficitário de todos os tempos nas relações comerciais com os EEUU, tendo este como sorvedouro das mercadorias aí produzidas.

A contração das atividades econômicas provavelmente reduzirá as importações para USA e deve pressionar no sentido de reequilibrar a balança comercial deficitária, principalmente nos negócios com a China. Isso pode atingir em cheio a produção desse país, que não tem condições de ser absorvida pelo mercado interno ou pela ampliação do mercado com outras nações. A inibição das atividades econômicas na América e na China é o suficiente para impactar negativamente nos preços e nas exportações das commodities, com exceção talvez do petróleo pela escassez do produto e por se encontrar sua extração em zonas de conflitos. Mas não fica por aí: na crise sistêmica, Europa e demais países asiáticos serão atingidos, agravando mais ainda a situação dos exportadores de matéria prima ou de produtos semi-acabados como o Brasil.

Mesmo sem a crise mostrar toda sua força destrutiva, contornada provisoriamente pelas medidas tomadas pelos bancos centrais do mundo rico que injetam todos os dias bilhões de dólares para garantir liquidez, a volatilidade das bolsas com tendência de queda já dificulta os projetos de ampliação da produção de empresas que viam aí a forma adequada de captar recursos para novos investimentos no Brasil. Se considerarmos a probabilidade de numa economia globalizada os bancos nacionais ou os que aqui atuam, por mais que neguem, dificilmente deixarão de ter em suas carteiras derivativos lastreados em papeis da indústria imobiliária da América do Norte, a expansão do crédito que vem ajudando a sustentar o consumo interno pode sofrer um revés. Os sinais de uma possível freada na queda das taxas de juros e a pressão de alguns grandes bancos nacionais nesse sentido podem ser um indicativo das dificuldades que estão por vir.

Uma redução das transações comerciais no circuito deficitário asiático significa um aumento da competitividade internacional com queda nos preços das mercadorias. O Brasil, além do risco de redução das exportações de commodities que sustentam o saldo da balança comercial, vai ter quer lidar no mercado interno e externo com a invasão de mercadorias vindas da China e da Índia principalmente, que não encontrando destino nos tradicionais mercados importadores tomarão outros rumos. Com a produtividade em queda quando comparado com outros países, dificilmente setores da indústria tupiniquim suportarão mais esse embate. Pode-se estar pensando num rearranjo do câmbio, desvalorizando o real. Num primeiro momento, com a fuga de capitais de curto prazo isso é verdadeiro. Não esqueçamos, porém, que a trajetória de queda do dólar em relação às outras moedas que vem acontecendo em função dos desajustes na balança comercial americana, tende a acelerar se houver um aprofundamento da crise, restabelecendo a valorização do real.

Esse momento deve abrir espaço para atuação mais agressiva dos fundos "soberanos", com aquisições hostis ou não de ações de empresas em dificuldades financeiras. Os fundos private equity e os hedge funds como estão intimamente ligados ao sistema bancário e ao crédito farto e barato, podem ter problemas a curto prazo. Não é à toa que o mercado de fusões e aquisições de firmas, bancado pelos private equitys, que vinha motivando as altas nas bolsas em todo mundo, encontra-se praticamente parado. Quanto aos fundos “soberanos”, na verdade fundos estatais de países superavitários, carregados com trilhões de dólares, encontram-se prontos para aportar onde for possível qualquer rentabilidade ou em áreas estratégicas da economia mundial.

A resistência dos governos dos países capitalistas avançados aos fundos “soberanos”, com medo que por trás existam estratégias de dominação das riquezas do globo, só vai até o primeiro ato. Se as empresas ocidentais pedirem água, as portas abrem-se para os intrusos regata-las, mesmo sabendo-se dos riscos futuros. Talvez esteja aí germinando a nova bolha da salvação tão procurada para animar a ficção econômica, já que “não há muito a fazer contra a propensão humana a criar bolhas”, como diz Greenspan ex-presidente do FED. Para homens do mercado seria mais correto dizer que não há muito a fazer senão rezar para que novas bolhas ventilem o corpo insepulto de uma economia que não mais valoriza o valor.


09.09.2007

quinta-feira, agosto 16, 2007

PROCURA-SE UMA NOVA BOLHA

Rall


A crise do mercado imobiliário americano tem sido a notícia da vez na grande imprensa. Há um ar de surpresa nos analistas e ao mesmo tempo tentam transmitir a confiança de que tudo não passa de um rearranjo do setor financeiro sem grandes conseqüências para a economia real. Alguns chegam a defender como salutar tal freada, ‘uma forma de pôr a casa em ordem’ dizem, como se nada existisse no ‘ar além dos aviões de carreira’.

Para falar da crise atual temos que voltar um pouco no tempo, nos finais dos anos noventa e início do século XXI, quando estourou a bolha ponto.com, após a economia mundial ter amargado dois grandes tombos com a queda nas bolsas do Japão (1980) e do leste asiático (meados dos anos 90). As ações das empresas de informática e similares aumentavam de preço a cada pregão e arrastavam consigo a economia americana que crescia com parte do mundo. Falava-se em novo paradigma, artigos eram escritos e opiniões emitidas pelas mais respeitadas agencias de risco mostrando que esse impulso da economia tinha fundamentos sólidos e poucos eram os riscos. Sufocadas pelo otimismo geral, vozes isoladas alertavam que mais uma bolha financeiro estava preste a estourar. E estourou.

A economia americana entrou em recessão levando junto as demais. O FED e o Governo agiram rápido, inundando o mercado de dinheiro com cortes de impostos e juros quase negativos e foram ajudados pela intensificação na compra de papeis do tesouro dos EEUU pelos países superavitários do circuito deficitário asiático, principalmente China e Japão, que precisavam desse mercado para seus produtos. Em 2000, com dinheiro farto e barato, ganhou grande impulso a bolha do mercado imobiliário, que vinha se desenvolvendo desde o início dos anos noventa. Novamente a economia real pega uma carona na expansão jamais vista do capital fictício e ganha fôlego. A cada ano os indicadores econômicos mostram que novos países se acoplam ao bonde do crescimento fazendo a alegria geral. A China, e um pouco menos a Índia, são festejadas como os grandes baluartes da história, como os novos grandes consumidores das riquezas naturais do globo e agravantes da crise ecológica. O Brasil entra mais tardiamente, quando os obstáculos capazes de levar a uma freada brusca já eram visíveis.

Timidamente, instituições internacionais começam chamar atenção para algumas situações incômodas. Calcula-se que os derivativos, “operações financeiras cujo valor de negociação deriva de outros ativos, denominados de ativos-objeto”(P. Sandroni), beira a casa dos 400 trilhões enquanto o PIB mundial está em torno de 50 trilhões de dólares. E um desses ativos-objeto mais negociados no mundo são as hipotecas das casas dos cidadãos americanos, que são jogadas em fundos milagrosos, cujas cotas são oferecidas a outros cidadãos ávidos por lucro, em uma cadeia sem fim que socializa perdas e ganhos. Atentem que nesse tipo de operações (com derivativos) tem papéis diversos para comprar oito vezes as mercadorias do mundo, é o dinheiro reproduzindo-se sem contato com a produção.

Mas, como se faz tanto dinheiro desacoplado da acumulação real? Vale lembrar histórias recentes para um melhor entendimento. A bandeira do neoliberalismo, levantada nos anos oitenta, tinha como objetivo maior atacar os setores ‘improdutivos’, limpando ao máximo o trabalho não gerador de mais-valia nas empresas e no Estado, ou transformando o trabalho improdutivo necessário à acumulação do capital, em trabalho produtivo gerador de mais-valia através da terceirização. Iniciou-se aí um grande movimento de passar a terceiros setores inteiros que antes eram de responsabilidade do Estado, as famigeradas privatizações que ocorreram e ainda ocorrem no mundo inteiro. As empresas, seguindo a mesma política, passaram a entregar os serviços-meios, e logo em seguida outros setores a terceiros, que reduziram salários e aumentaram a carga horária dos funcionários terceirizados, restabelecendo a mais-valia absoluta como forma de se tornarem rentáveis.

O ataque neoliberal ao trabalho improdutivo, segundo a lógica do capital, não foi suficiente para reverter a queda da rentabilidade na economia real que tem como fundamento a crise do valor, situação que se agravava com a revolução da informática. Não só a expansão do trabalho improdutivo necessário ao desenvolvimento do capital punha em xeque a acumulação, mas as novas formas de produção e gestão, movidas pela concorrência global, que incorporam tecnologia e ciência, aumentam vertiginosamente o capital fixo e a produtividade, expulsando homens de antigos empregos. É a crise do trabalho agravando a crise do valor.

As exportações de capitais dos países desenvolvidos para países em desenvolvimento como a China, Índia e outros, em busca de uma maior rentabilidade, aumentaram a disponibilidade de mercadorias no mundo que precisam de um mercado para se realizarem. É quando o crédito se expande de forma jamais vista e o pagamento dos produtos adquiridos no mercado é transferido para um trabalho futuro que nunca acontecerá, pois a tendência do capitalismo é racionalizar e dispensar trabalho de forma crescente. Aí está a base das bolhas, que injetam dinheiro fictício no mercado e na produção (fictício por ser vazio de substância, não representar valor, trabalho abstrato), e aprisiona a economia real aos seus movimentos já que esta não consegue por ‘meios normais’, ‘valorizar o valor’(Marx).

Portanto, quanto mais se agrava a crise do valor mais necessita a economia real de capital fictício para manter a ilusão de que ainda funciona. As bolhas inflam, todavia logo desabam sob a pesada realidade, deixando expostos os frágeis fundamentos de uma economia que só respira nesse invólucro. Diferentemente da crise do mercado de ações das empresas ponto.com, parece que o estouro da bolha imobiliária tende atingir todos os setores da economia, inclusive as bolsas, numa reação em cadeia de explosão de bolhas e contração do capital fictício que pode levar o mundo a uma recessão sem precedente.

Mesmo com a injeção no mercado de bilhões de dólares pelos bancos centrais do Japão, Europa, Canadá e Estados Unidos, em uma ação coordenada para evitar a falência em massas de bancos, o que por si só já é uma prova da gravidade do problema, a instabilidade continua. A tentativa dos bancos centrais de substituir capital fictício que se evapora no mercado por capital fictício represados em seus cofres-fortes, buscando empurrar para frente o problema, mostra que não se vislumbra uma nova bolha em curto prazo para substituir as que estouram. Pode faltar o ar que aparenta oxigenar os tecidos mortos da economia real.


16.08.2007

terça-feira, junho 19, 2007

A tendência da indústria brasileira

Rall



É esclarecedor os dados divulgados pelo IBGE sobre a tendência da industria brasileira que mostram que a “participação na produção total de setores mais sofisticados encolheu 16% nos últimos dez anos” (F. de S. Paulo 17.06.07). Enquanto setores industriais de média/baixa e baixa tecnologia cresceram neste período de +132,8% (fabricação de coque, refino de petróleo e combustíveis) a + 27,3% (produtos de madeira), a indústria de ponta encolheu de –11,5% (aparelhos e materiais elétricos) a – 43,0% (material e equipamentos eletrônicos), segundo o IBGE. Essa tendência, que deve se acentuar com o acirramento da concorrência a nível mundial é pior do que muitos analistas desejavam. Setores de baixa tecnologia, como calçados e têxteis, que sustentavam sua expansão com os aumentos das vendas no mercado externo as custas mais de um câmbio favorável do que da produtividade, vem sofrendo um encolhimento brutal sem perspectiva de reversão apesar das medidas do Governo ou outras que venham a ser tomadas para favorece-los.

Ora, se não se consegue competir com a indústria de ponta instalada lá fora, cuja velocidade dos avanços tecnológicos e das exigências de investimentos em capital fixo não estão ao alcance da indústria local, e se os setores de baixa e média tecnologia sofrem externa e internamente com as mercadorias baratas que inundam o mercado vindas da China e de outros países, é claro a tendência a desindustrialização a partir das empresas que não conseguem competir por incapacidade de acompanhar os investimentos necessários em capital fixo, tornando-se, portanto obsoletas, ou por não ter custos de produção similar a outros países em desenvolvimento que associam trabalho barato a extensas cargas horárias, utilizando-se do mais violento disciplinamento na produção de mais-valia absoluta sob a tutela de Estados ditatoriais. Como já vem acontecendo com a produção de calçados e têxteis, logo será a vez dos produtos metálicos, de borracha, de plástico e outros que utilizam intensivamente a força de trabalho.

A conjuntura externa aparentemente favorável e um certo espasmo de crescimento do mercado interno, que logo deve esbarrar nas condições infraestruturais responsáveis principalmente pelo fornecimento de energia e pelo escoamento dos produtos, não são suficientes, mesmo que a possibilidade de crise não estivesse nos horizontes, para reverter o quadro da desindustrialização, reflexo, em nosso caso, do capitalismo no estágio atual da terceira revolução industrial que é alimentada pelo combustível da feroz competição e pela velocidade com que ganham o mercado as inovações tecnológicas sob o domínio dos países ricos.

A situação fica mais dramática quando ao analisarmos a tendência da economia brasileira, observamos que os setores que podem permanecer vivos e com chances de crescer, são aqueles que mais trarão prejuízos às condições de vida da população rural e ao meio ambiente, como a agroindústria, cuja expansão vem exigindo a massiva destruição das matas e dos rios, e com isso da diversidade biológica, e a indústria extrativa e de derivados de petróleo com suas ramificações altamente poluentes. São também conhecidas pela alta concentração de riqueza, pelos baixos salários e pelas condições insalubre de trabalho que reduz em alguns anos a vida de quem nelas trabalham.

Quanto ao Governo, apesar de algumas tênues resistências como as observadas no Ministério do Meio Ambiente, as ações convergem para a pavimentação desse caminho, mesmo porque não existe outra opção de inserção do País nos níveis hierárquicos inferiores do capitalismo mundial. A prova disso é o cego entusiasmo pelos biocombustivéis, sem uma análise dos efeitos colaterais, que são vistos, de forma míope, como saída para crise do trabalho e geração de energia mais limpa.

19.06.2007

sexta-feira, maio 25, 2007

Os circuitos deficitários e a queda do dólar

Rall



Nos últimos dias temos assistido uma verdadeira Babel na fala dos economistas em função da desvalorização do dólar. As divergências sobre as causas e as decisões a serem adotadas vão da abertura total a fortes medidas de proteção do mercado nacional. Se por um lado isso é reflexo das contradições e dos interesses que permeiam a economia local, reflete também a análise de superfície do fenômeno. Na pressa em opinar, descolam a economia nacional do contexto global e surge daí arrogantes discursos apontando soluções fáceis para complexos problemas que fogem ao controle dos mais poderosos dos mortais.

A queda livre do dólar que atinge a maioria dos países e os blocos econômicos aponta para problemas estruturais graves na relação dos EUA com o resto do mundo, e, em particular com os países do leste asiático. O déficit na balança comercial dos EUA que não para de crescer é coberto pela montanha de dinheiro dos superávits desses países, que por sua vez alimenta as bolhas de todos matizes e sustenta com isso o consumo do cidadão médio americano profundamente endividado. A correção dos desequilíbrios na balança comercial americana, que vai se tornando a cada dia que passa insustentável, exige a desvalorização do dólar frente as demais moedas, o que é fato. A coisa é mais complexa quando se trata dos países asiáticos, onde estão fortemente fincadas as empresas americanas com a produção dirigida para exportação. Aí, além dos interesses mútuos, os gigantescos superávits permite que os Bancos Centrais desses países mantenham suas moedas artificialmente desvalorizadas comprando dólar e investindo em papéis do tesouro americano.

Portanto, a queda do dólar, agravada pelas dificuldades de algumas economias lidar com essa situação, dando margem a todo tipo de especulação e ganhos fáceis, está além dos limites das economias nacionais e tem como um dos fundamentos as relações comerciais deficitárias entre os EEUU e os demais países, principalmente os do circuito asiático. Algumas economias como a brasileira, mesmo o governo intervindo fortemente no câmbio enxugando o mercado, não consegue em “condições normais” segurar a queda do dólar. O que aparenta ser um sinal saudável como defendem alguns, é, na verdade, uma fragilidade, pois se persiste esse movimento de valorização do real, e tudo indica que sim, mesmo com a queda das taxas de juros, a tendência é uma inversão da situação favorável da balança comercial com graves repercussões na indústria local.

Esse quadro pode se deteriorar rapidamente se o dinheiro que circula sem rumo e vem se multiplicando nas bolsas e em outros investimentos se nenhuma relação com a riqueza real, e que alimenta artificialmente o consumo com repercussões na produção, num ajuste de contas impactar negativamente emperrando a engrenagem da sociedade produtora de mercadoria. Possibilidade não impossível quando lidamos com uma situação onde circula no globo muito mais dinheiro do que o produto interno bruto das nações e em que a máquina geradora de capital fictício ronca furiosamente, ampliando irracionalmente seu domínio sobre todos setores da economia. A nova onda que impulsiona essa louca corrida ao “ouro de tolo” são as aquisições e vendas de empresas pelos fundos private equity, com a utilização de empréstimos fáceis e baratos, que tem empurrado os preços das ações às nuvens.

Os Estados Unidos não pode, indefinidamente, financiar o consumo interno com dinheiro tomado no exterior. Há de chegar o momento de ajuste dos circuitos deficitários e a desvalorização do dólar pode ser os primeiros sinais desse momento que deve levar a um novo rearranjo do comércio mundial, sempre iniciando o aperto pelos países mais frágeis, muito deles governados por uma esquerda recém convertida aos encantos do mercado. Uma outra possibilidade é uma crise de proporções inédita que exponha com crueza os limites da acumulação do capital na terceira revolução industrial, estourando em cadeia as bolhas que sustentam o crescimento econômico global, num fogo que se alastra ao queimar a alegria da moçada e seus bilhões sem substância.


25.05.2007

sábado, abril 21, 2007

A valorização do real, suas interpretações e caminhos propostos

Rall


O clamor por medidas administrativas capazes de inverter a tendência do câmbio como a taxação de produtos importados, o controle de capitais especulativo de curto prazo e a redução dos juros como forma, entre outras coisas, de inibir a entrada desses capitais, parece perder força à medida que os juros caem e o real continua em ascensão. Um outro grupo de economistas, contrariando os primeiros, defende uma maior abertura do mercado, zerando, se necessário, as barreiras alfandegárias impostas aos produtos importados como forma de inverter o fluxo de capitais e desvalorizar o real frente ao dólar. O que está por traz desse imbróglio, de posições conflitantes para solução de um mesmo problema? Os grupos que não se combinam partem de um único diagnóstico: o excesso de liquidez, ou seja, a entrada de dólares via superávit na balança comercial e via especulação financeira com as aplicações na bolsa e em papéis do Governo, leva a uma superoferta da moeda americana num momento de demanda franca, fazendo cair o “preço” dessa moeda em relação ao real. Para os nossos analistas em conflito, as questões são os caminhos a serem percorridos para enxugar esse excesso de liquidez sem prejudicar as necessidades de dólar do País.

Numa economia movida pelo capital fictício, um volume cada vez maior de dinheiro deixa de ser a expressão do valor na mediação das relações de trocas e passa à função de produto, que negociado no mercado firma sua autonomia em relação à produção real num movimento em que dinheiro gera mais dinheiro sem substância. Essa liquidez de moedas vazias de conteúdo, gerada das mais variadas formas, num processo em que a interminável cadeia creditícia sem lastro tem grande peso, se por um lado traz alguma inquietação em relação às exportações, por outro, quando usado na especulação na bolsa, na compra de papéis públicos e privados, na aquisição de empresas, financia o Governo e as empresas, e movimenta o mercado alavancando o consumo sem que investimentos fossem feitos na produção. E para que investir na produção se o capital já não rende aí o que rende no mercado de papéis? Indaga nosso aplicado investidor. O capital só aporta onde a rentabilidade lhe convier, é essa sua lógica, mesmo quando usa as pernas tortas de seu guardião num incansável balé.

Ora, se os dólares que entram já têm um destino, mesmo que seja o cassino de papéis que o acolhe com propostas escandalosas, se o considerado excedente é comprado pelo Banco Central, que por sua vez, junto com as sobras da balança comercial, os envia para fora e os transmuta em papéis do tesouro americano, o que explica, portanto, a queda dessa moeda em relação ao real se o mercado nesse jogo é enxugado? Os horizontes de crise nos EUA com sua população e o Estado profundamente endividados, o enorme volume do capital fictício em circulação, o déficit fiscal e na balança comercial são alguns dos motivos. Esse País, que por sua força econômica e militar ainda reina sozinho, tem poder suficiente para fazer o dólar, que funciona como moeda mundial, variar conforme seus interesses.

Um outro motivo encontra-se na relação da economia brasileira com as forças hegemônicas da economia mundial. Vejamos. Pesquisa recente do Ipea mostra que 2.434 empresas classificadas como fortemente exportadoras, tem índice de produtividade até cinco vezes superior às empresas voltadas para o mercado interno, e que, apesar do câmbio, vem aumentando suas exportações. São competitivas se comparadas com similares de outros países. Então, por que tanta grita em relação ao câmbio, juros altos e desindutrialização? Essa vem do outro lado da economia, das empresas com baixa produtividade que postas no roldão da competição global, não conseguem mais, na proporção necessária, absorver tecnologia e intensificar o capital fixo, pelos custos que isso pode significar.

Já não existe meio termo na luta feroz das mercadorias pela conquista dos corações e mentes em sua volta ao mundo. Em economias como a do Brasil os juros baixos podem até ter um impacto inicial positivo, mas será impossível, a médio prazo, competir com mercadorias vindas da China e de outros países asiáticos, produzidas para exportação por empresas transnacionais, que combinam capital intensivo com trabalho semi-escravo e custos operacionais baixíssimos. Recentemente empresas de autopeças queixavam-se à imprensa que rolamentos chineses são vendidos no mercado negro por US$ 0,74 o quilo, que custa entre US$ 13 e US$ 17 no mercado internacional. Ou seja, os produtos chineses que entram por vias legais ou ilegais, começam a perturbar os mais variados ramos de produção e não só de eletrônicos, roupas e calçados. Se considerarmos os produtos de alta tecnologia importados dos centros desenvolvidos que nunca vão ser produzidos aqui, o cenário não é nada animador para os entusiastas do mercado.

Quanto às medidas administrativas de “proteção da indústria nacional”, tão largamente defendidas por partidos de esquerda, setores da FIESP e meios acadêmicos, já não surtem mais efeito. Tarifar os produtos que chegam ao mercado nacional mais barato resultaria, provavelmente, em retaliações não convenientes para os setores exportadores e para o superávit comercial tão duramente perseguido. Ampliaria-se também o mercado negro com fortes prejuízos para a indústria aqui estabelecida e para a arrecadação do Governo. Restariam os subsídios governamentais que dificilmente se concretizariam pela enorme expansão das despesas do Estado com o trabalho improdutivo e pagamentos de outras obrigações como os juros, amortizações, e pelos altos custos financeiros e políticos de operações como essas, mesmo quando sustentadas por período de tempo muito curto.

Portanto, restaria a essas empresas que pararam no tempo quanto às inovações tecnológicas e aumento de produtividade, tornando-se pouco competitivas para os padrões internacionais, vender suas mercadorias abaixo do valor de produção, o que parece inviável. Empresas fictícias sempre existiram em grande monta, mas era mais fácil a sobrevivência quando os mercados dos países se relacionavam de formas mais ou menos independentes e era possível certa reserva financiada pelo Estado para produtos nacionais. As especificidades das economias ainda eram preservadas e a ação política matinha um certo poder regulador, o que já não acontece.

A valorização do real reflete também essa realidade contraditória da economia nacional, onde poucas empresas focadas na exportação e em parte do mercado interno, conseguiram reduzir seus custos de produção e também os preços relativos de suas mercadorias e se tornaram competitivas. Numa economia global movida pelo capital fictício as empresas que conseguem aumentar a produtividade se impõem, mesmo que careçam desse capital como os pulmões do ar. Por outro lado, a maioria das empresas nacionais com a produção direcionada para o mercado interno, que sobreviviam às custas de grossas transferências de recursos do Estado perigosamente endividado, apesar de terem conseguido navegar nas águas turbulentas do neoliberalismo na década de noventa, agora já não conseguem baixar seus custos e competir com quem vem de fora. A geração de valor por essas empresas, que se encontram abaixo dos padrões internacionais de produtividade socialmente estabelecidos, ou seja, criam muito menos valor quando comparada com empresas que tem sua produção racionalizada pelo uso da técnica e da ciência, pressionam também o real para cima em relação ao dólar, independente dos desejos dos agentes econômicos. Daí a defesa da intervenção do Estado no bloqueio dos impulsos do mercado, antes tão elogiado pela ação milagrosa da “mão invisível” que quase tudo resolvia e agora dificulta a sobrevivência de setores inteiros da economia.

Os que não acreditam nos resultados das medidas administrativas e propõem tarifas zero para as importações, mesmo que seja por um curto período, partem do pressuposto que a valorização do real deve-se só a entrada de dólar, as outras variáveis internas e externas são descartadas. Uma abertura com essa dimensão, mesmo que fosse possível um prazo para o seu fim (o que é duvidoso, pois processos como esses quando em movimento não se tem mais controle), o impacto na desindustrialização seria sem precedente, poderíamos comparar com a explosão de uma bomba H de grande potência: curta na ação e eficiente na destruição. A abreviação da morte anunciada do lado obsoleto da economia poderia trazer custos muito altos e benefícios duvidosos para as empresas de capital intensivo, que se veriam também encurralada pela violenta competição vinda de todos os lados e perderiam, no mercado interno, o diferencial produtivo fazendo suas taxas de lucro cairem. Mesmo que tais medidas resultassem de imediato na desvalorização do real em benefício das empresas exportadoras, os custos sociais seriam enormes.

Esses são impasses da própria crise do capitalismo que parece atingir seu limite absoluto. Apesar de alegres conjunturas de crescimento forjados, a cada espasmo da crise grandes regiões tendem a desacoplar-se da produção de mercadoria. Como a saída é cada vez mais ilusória no leque de opções oferecido pela sociedade capitalista, e como os movimentos sociais ainda não se dispõem buscar novos caminhos, procura-se empurrar o desastre para as gerações futuras, inflando-se bolhas financeiras e amainando-se a crise social que já não se deixa administrar com medidas pouco convincentes, represando cada vez mais a energia destrutiva do capital.


21.04.2007