sexta-feira, maio 25, 2007

Os circuitos deficitários e a queda do dólar

Rall



Nos últimos dias temos assistido uma verdadeira Babel na fala dos economistas em função da desvalorização do dólar. As divergências sobre as causas e as decisões a serem adotadas vão da abertura total a fortes medidas de proteção do mercado nacional. Se por um lado isso é reflexo das contradições e dos interesses que permeiam a economia local, reflete também a análise de superfície do fenômeno. Na pressa em opinar, descolam a economia nacional do contexto global e surge daí arrogantes discursos apontando soluções fáceis para complexos problemas que fogem ao controle dos mais poderosos dos mortais.

A queda livre do dólar que atinge a maioria dos países e os blocos econômicos aponta para problemas estruturais graves na relação dos EUA com o resto do mundo, e, em particular com os países do leste asiático. O déficit na balança comercial dos EUA que não para de crescer é coberto pela montanha de dinheiro dos superávits desses países, que por sua vez alimenta as bolhas de todos matizes e sustenta com isso o consumo do cidadão médio americano profundamente endividado. A correção dos desequilíbrios na balança comercial americana, que vai se tornando a cada dia que passa insustentável, exige a desvalorização do dólar frente as demais moedas, o que é fato. A coisa é mais complexa quando se trata dos países asiáticos, onde estão fortemente fincadas as empresas americanas com a produção dirigida para exportação. Aí, além dos interesses mútuos, os gigantescos superávits permite que os Bancos Centrais desses países mantenham suas moedas artificialmente desvalorizadas comprando dólar e investindo em papéis do tesouro americano.

Portanto, a queda do dólar, agravada pelas dificuldades de algumas economias lidar com essa situação, dando margem a todo tipo de especulação e ganhos fáceis, está além dos limites das economias nacionais e tem como um dos fundamentos as relações comerciais deficitárias entre os EEUU e os demais países, principalmente os do circuito asiático. Algumas economias como a brasileira, mesmo o governo intervindo fortemente no câmbio enxugando o mercado, não consegue em “condições normais” segurar a queda do dólar. O que aparenta ser um sinal saudável como defendem alguns, é, na verdade, uma fragilidade, pois se persiste esse movimento de valorização do real, e tudo indica que sim, mesmo com a queda das taxas de juros, a tendência é uma inversão da situação favorável da balança comercial com graves repercussões na indústria local.

Esse quadro pode se deteriorar rapidamente se o dinheiro que circula sem rumo e vem se multiplicando nas bolsas e em outros investimentos se nenhuma relação com a riqueza real, e que alimenta artificialmente o consumo com repercussões na produção, num ajuste de contas impactar negativamente emperrando a engrenagem da sociedade produtora de mercadoria. Possibilidade não impossível quando lidamos com uma situação onde circula no globo muito mais dinheiro do que o produto interno bruto das nações e em que a máquina geradora de capital fictício ronca furiosamente, ampliando irracionalmente seu domínio sobre todos setores da economia. A nova onda que impulsiona essa louca corrida ao “ouro de tolo” são as aquisições e vendas de empresas pelos fundos private equity, com a utilização de empréstimos fáceis e baratos, que tem empurrado os preços das ações às nuvens.

Os Estados Unidos não pode, indefinidamente, financiar o consumo interno com dinheiro tomado no exterior. Há de chegar o momento de ajuste dos circuitos deficitários e a desvalorização do dólar pode ser os primeiros sinais desse momento que deve levar a um novo rearranjo do comércio mundial, sempre iniciando o aperto pelos países mais frágeis, muito deles governados por uma esquerda recém convertida aos encantos do mercado. Uma outra possibilidade é uma crise de proporções inédita que exponha com crueza os limites da acumulação do capital na terceira revolução industrial, estourando em cadeia as bolhas que sustentam o crescimento econômico global, num fogo que se alastra ao queimar a alegria da moçada e seus bilhões sem substância.


25.05.2007