quinta-feira, agosto 16, 2007

PROCURA-SE UMA NOVA BOLHA

Rall


A crise do mercado imobiliário americano tem sido a notícia da vez na grande imprensa. Há um ar de surpresa nos analistas e ao mesmo tempo tentam transmitir a confiança de que tudo não passa de um rearranjo do setor financeiro sem grandes conseqüências para a economia real. Alguns chegam a defender como salutar tal freada, ‘uma forma de pôr a casa em ordem’ dizem, como se nada existisse no ‘ar além dos aviões de carreira’.

Para falar da crise atual temos que voltar um pouco no tempo, nos finais dos anos noventa e início do século XXI, quando estourou a bolha ponto.com, após a economia mundial ter amargado dois grandes tombos com a queda nas bolsas do Japão (1980) e do leste asiático (meados dos anos 90). As ações das empresas de informática e similares aumentavam de preço a cada pregão e arrastavam consigo a economia americana que crescia com parte do mundo. Falava-se em novo paradigma, artigos eram escritos e opiniões emitidas pelas mais respeitadas agencias de risco mostrando que esse impulso da economia tinha fundamentos sólidos e poucos eram os riscos. Sufocadas pelo otimismo geral, vozes isoladas alertavam que mais uma bolha financeiro estava preste a estourar. E estourou.

A economia americana entrou em recessão levando junto as demais. O FED e o Governo agiram rápido, inundando o mercado de dinheiro com cortes de impostos e juros quase negativos e foram ajudados pela intensificação na compra de papeis do tesouro dos EEUU pelos países superavitários do circuito deficitário asiático, principalmente China e Japão, que precisavam desse mercado para seus produtos. Em 2000, com dinheiro farto e barato, ganhou grande impulso a bolha do mercado imobiliário, que vinha se desenvolvendo desde o início dos anos noventa. Novamente a economia real pega uma carona na expansão jamais vista do capital fictício e ganha fôlego. A cada ano os indicadores econômicos mostram que novos países se acoplam ao bonde do crescimento fazendo a alegria geral. A China, e um pouco menos a Índia, são festejadas como os grandes baluartes da história, como os novos grandes consumidores das riquezas naturais do globo e agravantes da crise ecológica. O Brasil entra mais tardiamente, quando os obstáculos capazes de levar a uma freada brusca já eram visíveis.

Timidamente, instituições internacionais começam chamar atenção para algumas situações incômodas. Calcula-se que os derivativos, “operações financeiras cujo valor de negociação deriva de outros ativos, denominados de ativos-objeto”(P. Sandroni), beira a casa dos 400 trilhões enquanto o PIB mundial está em torno de 50 trilhões de dólares. E um desses ativos-objeto mais negociados no mundo são as hipotecas das casas dos cidadãos americanos, que são jogadas em fundos milagrosos, cujas cotas são oferecidas a outros cidadãos ávidos por lucro, em uma cadeia sem fim que socializa perdas e ganhos. Atentem que nesse tipo de operações (com derivativos) tem papéis diversos para comprar oito vezes as mercadorias do mundo, é o dinheiro reproduzindo-se sem contato com a produção.

Mas, como se faz tanto dinheiro desacoplado da acumulação real? Vale lembrar histórias recentes para um melhor entendimento. A bandeira do neoliberalismo, levantada nos anos oitenta, tinha como objetivo maior atacar os setores ‘improdutivos’, limpando ao máximo o trabalho não gerador de mais-valia nas empresas e no Estado, ou transformando o trabalho improdutivo necessário à acumulação do capital, em trabalho produtivo gerador de mais-valia através da terceirização. Iniciou-se aí um grande movimento de passar a terceiros setores inteiros que antes eram de responsabilidade do Estado, as famigeradas privatizações que ocorreram e ainda ocorrem no mundo inteiro. As empresas, seguindo a mesma política, passaram a entregar os serviços-meios, e logo em seguida outros setores a terceiros, que reduziram salários e aumentaram a carga horária dos funcionários terceirizados, restabelecendo a mais-valia absoluta como forma de se tornarem rentáveis.

O ataque neoliberal ao trabalho improdutivo, segundo a lógica do capital, não foi suficiente para reverter a queda da rentabilidade na economia real que tem como fundamento a crise do valor, situação que se agravava com a revolução da informática. Não só a expansão do trabalho improdutivo necessário ao desenvolvimento do capital punha em xeque a acumulação, mas as novas formas de produção e gestão, movidas pela concorrência global, que incorporam tecnologia e ciência, aumentam vertiginosamente o capital fixo e a produtividade, expulsando homens de antigos empregos. É a crise do trabalho agravando a crise do valor.

As exportações de capitais dos países desenvolvidos para países em desenvolvimento como a China, Índia e outros, em busca de uma maior rentabilidade, aumentaram a disponibilidade de mercadorias no mundo que precisam de um mercado para se realizarem. É quando o crédito se expande de forma jamais vista e o pagamento dos produtos adquiridos no mercado é transferido para um trabalho futuro que nunca acontecerá, pois a tendência do capitalismo é racionalizar e dispensar trabalho de forma crescente. Aí está a base das bolhas, que injetam dinheiro fictício no mercado e na produção (fictício por ser vazio de substância, não representar valor, trabalho abstrato), e aprisiona a economia real aos seus movimentos já que esta não consegue por ‘meios normais’, ‘valorizar o valor’(Marx).

Portanto, quanto mais se agrava a crise do valor mais necessita a economia real de capital fictício para manter a ilusão de que ainda funciona. As bolhas inflam, todavia logo desabam sob a pesada realidade, deixando expostos os frágeis fundamentos de uma economia que só respira nesse invólucro. Diferentemente da crise do mercado de ações das empresas ponto.com, parece que o estouro da bolha imobiliária tende atingir todos os setores da economia, inclusive as bolsas, numa reação em cadeia de explosão de bolhas e contração do capital fictício que pode levar o mundo a uma recessão sem precedente.

Mesmo com a injeção no mercado de bilhões de dólares pelos bancos centrais do Japão, Europa, Canadá e Estados Unidos, em uma ação coordenada para evitar a falência em massas de bancos, o que por si só já é uma prova da gravidade do problema, a instabilidade continua. A tentativa dos bancos centrais de substituir capital fictício que se evapora no mercado por capital fictício represados em seus cofres-fortes, buscando empurrar para frente o problema, mostra que não se vislumbra uma nova bolha em curto prazo para substituir as que estouram. Pode faltar o ar que aparenta oxigenar os tecidos mortos da economia real.


16.08.2007