sexta-feira, dezembro 26, 2008

A economia nos tempos de crise do valor

Rall


Os fatos sucedem-se. Dessa vez acerta no coração da Wall Street. Seu algoz, o mais respeitado de todos: Bernard Madoff. Cinqüenta bilhões de dólares evaporam-se num passe de mágica e mesmo assim não deixa tão rico seu fraudador. Envolvidos nessas perdas não estão investidores desinformados, mas grandes financistas, investidores institucionais, profundos conhecedores do mercado de papéis e entusiastas de obscuras aplicações. São eles que captam dinheiro de desavisados ou não, ávidos por ganhos fáceis, e repassam aos Madoff para multiplicação. Os rituais milagrosos nos terreiros dos Maldoff, das Eron e tantos outros que haverão de se sucederem, é a história do capitalismo dos anos 80 para cá, do capital fictício simulando a acumulação.

Foi à forma que o capitalismo e seus agentes encontraram para acobertar a crise da chamada “economia real”, que com a crise do valor há muito já não é mais rentável. A expansão da atividade econômica e o lucro presumível das empresas só foram possíveis nos últimos 25 anos com o jogo financeiro. Nesse período, no decorrer dos anos, torna-se cada vez mais difícil a produção vantajosa de mercadorias descolada dos investimentos no mercado de papéis. Hoje, em todo mundo, é raro encontrar-se uma empresa não associada a um banco ou financeira, que lhe garantam o crédito fácil e o rateio do “lucro” das aplicações.

A fusão da atividade produtiva com a financeira, que no jargão dos tempos virou indústria, passa a ser total. A atividade empresarial transforma-se em apêndice da “indústria financeira” e passa a depender desesperadamente dos movimentos especulativos dessa para ser “rentável”. Os chamados ativos reais, geralmente associados a bens materiais ou imateriais, são lastros virtuais do capital fictício, e só existem enquanto valor na ficção contábil como mostra o estouro da bolha imobiliária. O tempo de trabalho socialmente necessário torna-se obsoleto como medida do valor, apesar de nas mercadorias ainda encontrar-se vestígios do trabalho abstrato.

Como crêem sair da crise?

O que se delineia não resolve o problema da não coincidência entre produção e consumo. As medidas articuladas para se contrapor a depressão podem alimentar novas bolhas. Nessa empreitada os governos assumiram a dianteira: baixam juros e jogam dinheiro à rodo no mercado, impressos nas casas da moeda, para compensar o capital que queima e as cinzas se espalham sem deixar rastros. Não obstante os tão em voga discursos demagógicos contra os especuladores, era esse capital evaporado, antes cobiçado e agora criticado, que sustentava o crédito fácil, alimentava o consumo desmedido e financiava governos. Sem ele, a atividade econômica é deprimida, o consumo e os investimentos param, e a deflação bate à porta assustando a todos.

O dinheiro fartamente distribuído pelos tesouros e bancos centrais, não passa de papel impresso sem nenhuma substância de valor, é capital fictício que se num primeiro momento estancar a deflação, pode mais na frente fazer explodir a inflação, mesmo considerando-se os mecanismos de contenção da expansão monetária que dispõe os bancos centrais. Portanto, as intervenções estatais estão longe de mudar a trajetória da crise. Podem até aliviar os sintomas, mas não cura o paciente moribundo.

Por outro lado, a esquerda tradicional, solapada pelas iniciativas da direita, se conforma em pintar com corres menos vivas os pacotes de interesse do capital. Aplaudem as medidas como o fim do neoliberalismo e clamam por um retorno ao bom capitalismo produtivo, livre da especulação financeira e regulado pelo Estado. Não é capaz de enxergar que é na produção de mercadorias que está o problema, que todo esse imbróglio financeiro surgiu como forma de empurrar para frente o trem capitalista emperrado pela baixa rentabilidade como resultado da desvalorização do valor. Avivada pela crise, a concorrência global busca novos mercados e uma maior produtividade, aprofundando a revolução tecnológica em todos os níveis da sociedade. Aumentam-se os investimentos na concentração dos meios de produção, intensificam-se as dispensas da força de trabalho, que motiva a queda da taxa de lucro realimentando a crise.


26.12.2008

domingo, novembro 16, 2008

As ações dos Estados são capazes de conter a crise após a explosão das bolhas?

Rall

A crise se alastra muito rapidamente para todos os setores da economia mundial. Não se fala mais em socorro só dos estabelecimentos financeiros, mas também de gigantes da indústria e comércio como a General Motors, Ford, importantes redes de varejo para não irem à falência. As informações são da redução da atividade industrial ou do fechamento de milhares de empresas pelo mundo a fora, principalmente na China e nos EUA. As estatísticas sempre prontas para esconder o pior, já não conseguem mais negar a velocidade do desemprego galopante. Numa crise estrutural, a passagem da deflação para inflação e vice-versa, dar-se-á em grande velocidade, como também é possível a convivência de ambas em setores diversos num mesmo país ou em países diferentes.

O volume de papéis circulante que faz às vezes do dinheiro é inflacionário. Se acrescido de dinheiro impresso que nada expressa pode ser catastrófico. Num primeiro momento, esse dinheiro que não representa valor pode parecer a salvação quando se raciocina em termos contábeis. Uma empresa que necessita de bilhões em capital para cobrir rombos financeiros vai ficar satisfeita ao recebê-lo. Mas, ao entra em circulação, rapidamente se desvaloriza pelo aumento dos preços das mercadorias que no processo de troca se ajustam ao excesso de dinheiro circulante. Os mecanismos monetários utilizados pelos bancos centrais para enxugar o mercado podem não ser acionados, pois, aparentemente, o mercado insolvente sofre por falta de liquidez. Surge então o risco da estaginflação.

De certa forma é o que estamos observando na economia global: os governos, na tentativa estimular as atividades econômicas em recessão, reduz os juros e põem dinheiro no mercado apesar dos sinais latentes ou explícitos de inflação. Como os agentes econômicos e o Estado burguês entendem que a inflação seria a forma menos grave de a economia purgar seus "excessos", mesmo sendo esta devastadora para as vastas camadas da população que não tem condições de se proteger contra a alta dos preços e corrosão dos salários, tendem optar por medidas inflacionárias que se contraponham a deflação, acreditando inclusive na possibilidade de aí exercer um melhor controle. Essa é também forma de pensar dos economistas chamados desenvolvimentistas ao defenderem a modernização dos países atrasados.

Nas bolhas, o dinheiro fictício, encontra-se de certa forma contido enquanto os mecanismos de remuneração funcionam. Numa situação de “normalidade financeira” vai se reciclando sob controle quando utilizado no consumo ou em investimentos. No entanto, nas intervenções dos tesouros e bancos centrais, utilizando fartamente dinheiro público para irrigar o crédito deprimido e resgatar empresas, quando os Estados já ultrapassaram sua capacidade de endividamento presente e futura, os governos são tentados imprimir papel-moeda sem limites, tornando grande o risco de uma explosão inflacionária, pois esse dinheiro é jogado diretamente no mercado, sem as mediações encontradas nas bolhas que retardam sua entrada em circulação. Portanto, as máquinas de “falsificar” dinheiro dos governos não são capazes de substituir com eficácia as bolhas na simulação da acumulação, sem o risco de hiperinflação.

Como no horizonte não se enxerga nenhuma bolha capaz de ancorar a economia em crise e como a tendência atual dos Estados é buscar substituir os mecanismos de formação de capital fictício das bolhas por dinheiro “falso”, o suspiro momentâneo do paciente terminal reanimado pela injeção de placebos, pode se transformar logo em seguida em desastre econômico de proporções inimaginável. Dependendo da velocidade em que se dá a queima e a reposição do capital sem substância, a deflação e a inflação, como formas fenomênicas da crise, em diferentes momentos transmutam-se por se encontrarem em equilíbrio precário. E como não se vislumbra nenhuma revolução tecnológica capaz de reaquecer a máquina capitalista de “valorização do valor” (Marx), é possível uma convivência diária com esses fenômenos que manifestam a cronificação da crise, até que a sociedade tome novos rumos ou resolva se afundar na barbárie.

16.11.2008

quarta-feira, outubro 22, 2008

A crise que não se deixa administrar

Rall


Os sinais de recessão que assolam o mundo ainda são por conta do peso do setor financeiro no PIB. Apesar das demissões nesse setor, o impacto maior será sentido quando o consumo e os investimentos sentirem toda força da escassez do crédito. Os investimentos serão atingidos duplamente: pela escassez do crédito e pela redução do consumo. É nesse momento que o desemprego atingirá com força a economia real com a redução da produção e o fechamento de fábricas. Parte dos assalariados que continuarão empregados terão seus salários achatados e reduzirão o consumo inibindo mais ainda a produção. Os estados endividados terão dificuldade de executar programas keynesianos sem o risco de uma explosão de preços. Configura-se uma situação perigosa que num primeiro momento tende acirrar ferozmente a competição, destruindo os poucos e frágeis laços de solidariedade que possam existir. Com o esgotamento dos instrumentos anti-crise do mercado e do Estado burguês, setores belicistas estarão mais ativos do que nunca.

A expansão monetária ao infinito, através da formação de bolhas, levando o dinheiro a se multiplicar sem a mediação da mercadoria, eterno desejo dos “sujeitos automáticos”, entrou em violento conflito com o dinheiro equivalente-geral, expressão do trabalho abstrato. Obrigada a se contrair de forma drástica, leva consigo a economia real que verga com a crise do valor e usa o artifício das bolhas para se manter em movimento. A crise estrutural, diferentemente das crises de crescimento, está longe do fim e mostra que o capitalismo mundial que há muito já ultrapassou as últimas fronteiras da acumulação, corre o risco de desabar sobre si. O discurso do descolamento dos países em desenvolvimento, totalmente desqualificado pelos fatos, mostra que as análises locais, apesar de necessárias, não dão conta da totalidade.

A compreensão do momento exige um esforço teórico maior do que discursos ideológicos vazios de conteúdo, muitas vezes perigosamente mobilizadores pelas simplificações e pelos apelos a soluções mágicas. Exige uma ampla e cuidadosa discussão, dentro da perspectiva de uma aliança capaz de pensar além da sociedade da mercadoria. Se a ilusão da luta de classe como “motor da história” já não convence, merece ser aprofundada a crítica considerando-se as diferenças sociais e a existência de grupos vulneráveis formados pelos expelidos da produção ou destituídos de rendimentos de qualquer espécie. A crise, ao sugar massas enormes de capital, ao destruir poderes, desestrutura sujeitos levando-os a loucura competitiva e autodestrutiva, carregada de desejos mórbidos que podem arrastar multidões sem rumo ao sofrimento. Não devemos esquecer que o espírito de Auschwitz, a “indústria da morte”, continua em ação por outros meios antes mesmo do agravamento da crise, como mostram as guerras de extermínio em algumas regiões do terceiro mundo e dos Bálcãs em pleno coração da Europa e a violência nos grandes centros urbanos.

A economia, enquanto esfera estruturante da sociedade capitalista, com a intensificação da crise, todas as atenções e recursos vão estar mobilizados para salvá-la da ruína. Resgatar um banco hoje não vai reduzir o risco de milhões passarem fome, mas pode manter o crédito que garante o funcionamento da máquina de “valorização do valor”. A população não rentável, que mais e mais se desacopla da produção, muito rapidamente será abandonada à própria sorte. Os programas sociais já restritos, nesse contexto tornam-se supérfluos. A crise pode ser ainda a justificativa para que a destruição do meio ambiente continue sem restrição. O acirramento da concorrência e a busca de novos mercados pelos países exportadores levarão a desertificação industrial de regiões inteiras. O capitalismo-cassino onde todos os jogadores ganhavam foi o atalho encontrado para o dinheiro farto e barato. Mas essa banca um dia haveria de quebrar e quebra num momento em que os indivíduos, as empresas e o Estado já não suportam mais o peso da dívida o que dificulta a saída da crise pelas vias tradicionais como querem os arautos da economia.

22.10.2008

sexta-feira, outubro 03, 2008

A linguagem da crise

Rall

A procura de uma linguagem para explicar a crise e as fórmulas abstratas irreais que buscam justificar a formação de preços dos papeis apodrecidos do capital fictício, tem levado os analista a uma descrição cada vez mais obscura e ininteligível dos fatos econômicos. O que nos disparates da fúria descritiva não se consegue explicar é transformado em gíria logo aderida por todos e o fictício torna-se ficção de qualidade duvidosa. Isso é possível quando os pressupostos da descrição da crise estão carregados de justificativas de um mundo fora controle, movido por uma lógica que passa ao largo da vontade humana.
Em sua trajetória ascendente, a crise da acumulação do capital na economia real, encontrou na formação de capital fictício a partir dos anos 80, um jeito, mesmo que enganoso, de dribla a estagnação. Foi o tempo das grandes invenções financeiras como os derivativos e outros papéis, justificados com complexas fórmulas matemáticas descoladas da produção real e sustentadas por operações do tipo carry trade entre muitas. Hoje, postas em cheque pela crise, há uma tentativa de se recriar essas abstrações através de uma linguagem esotérica, na tentativa de elucidar a crise e dela sair negando a realidade da mesma.
Se nas ùltimas décadas a saída para crise da “valorização do valor” foram as bolhas de capital fictício, alimentadas com papeis sem lastro gerados no setor público e privado, com a queima desses ativos financeiros pela deflação e com a impossibilidades do surgimento de uma nova bolha capaz de dà continuidade ao processo de formação do capital sem substância, pelo menos em curto e médio prazo, buscam-se culpados e soluções mágicas que possam preservar o mundo das mercadorias. E aí, além da obtusa linguagem, se estabelece uma arenga para ver com quem fica a pecha de bode expiatório.
Sob o açoite da crise, o discurso neoliberal se transmuta em seu contrário e os agentes do soberano mercado suplicam pela intervenção do antes ineficaz Estado. Estatizações de monta jamais vistas são realizadas para salvar setores privados inteiros, como sempre aconteceu no capitalismo em crise. O discurso estatizante tão arraigado no imaginário das esquerdas em todo mundo é solapado pela direita para salvar o capitalismo, mostrando a verdadeira face do Estado.
As dimensões da crise ainda não se delinearam. A montanha de dinheiro postos pelos governos nos mercados vem mostrando-se incapaz de garantir estabilidade do setor financeiro e o aumento da liquidez. Mesmo que isso venha acontecer por um curto período, quando o impacto da falta de crédito atingir o ápice na economia mundial, com sérias implicações para o consumo e investimentos, é provável um novo tombo das bolsas e bancos retroalimentado pelo agravamento na crise da economia real. Isso pode levar a necessidade de novos aportes de capital para o setor financeiro, que se suprido por dinheiro impresso pelos Tesouros, aumentará enormemente o risco de uma inflação descontrolada.
Paris, 03.10.2008

quinta-feira, julho 17, 2008

Inflação ou deflação, para onde caminha a crise?

Rall


As surpresas da crise têm deixado tontos analistas econômicos de várias tendências. Alguns convivem angustiados com a inflação, outros vaticinam uma deflação mundial como o verdadeiro Nosferatu da crise. Esquecem, ou não enxergam, que inflação e deflação são formas de manifestação da crise(1), e que o deslocamento para um lado ou para o outro, vai depender das circunstâncias. Se olharmos como a crise vem se desenrolando nos EUA, veremos isso com mais clareza.

No estouro da bolha imobiliária, um setor inteiro, talvez o mais importante da economia americana, entra em deflação com desabamento dos preços dos imóveis em geral. Segue-se a queda dos preços de ativos financeiros a eles relacionados, negociados nos mercados em todo mundo. Parte do capital que consegue se safar de virar pó, foge para ativos reais, já que os papéis de toda espécie apresentam-se altamente inflamável ao menor atrito na economia.

E um desses ativos mais seguro é o ouro, que como outros metais preciosos não derretem fácil às altas temperaturas da crise. O ouro que volta a cena com todo esplendor, ameaça a assumir o papel de equivalente geral no mundo das mercadorias com a fraqueza do dólar. Capitaneia commoditieis metálicas em seu salto para o além, que já vinham com preços acelerados pela demanda aquecida.

Mas, como forma mais acabada da mercadoria-dinheiro, o ouro, e também seus pares metálicos, não brilham em quantidade suficiente para o capital que corre solto em busca de garantias. Brota então o ouro negro para reforçar a bolha das commoditieis. Como ainda sobra dinheiro inseguro de sua função, e dessa vez não é possível guardar dólar em baixo dos colchões pela rápida desvalorização do mesmo, aposta-se nas commodities agrícolas. Daí a inflação que se espalha por outros setores da economia.

Mas se parte da população mundial deixar de se alimentar, os abastados não encherem os tanques de seus carros bebedores de gasolina e álcool na velocidade em que faziam, os impulsivos consumistas não comprarem objetos de pouca utilidade que só poluem e evenenam o planeta, vai sobrar mercadoria e os preços podem desabar. E então, a outra face da crise, a deflação, pode se manifestar com força.

Esses espasmos que fazem o capitalismo em crise e seus agentes contorcerem-se de dor, parecem querer mostrar os limites a que está sujeito a acumulação real na terceira revolução industrial. O fogaréu que consome o capital fictício, ora com a intensificação da inflação, ora com a deflação em países diferentes, ou em setores diferentes de um mesmo país, pode chamuscar os bolsos fartos de alguns e jogar na miséria e na fome multidões de Continentes inteiros.

Se no horizonte não surgir à possibilidade de uma bolha de longa duração, pois a bolha das commodities pode rapidamente se esvair, e pouco restar do capital fictício das que estouraram, deve predominar mundialmente a deflação. Neste cenário, Estados endividados entrarão em colapso e não haverá outra saída se não aumentar a impressão de moedas sem lastro, que pode levar a hiperinflação, sem, no entanto, impedir a queda relativa dos preços.

Essa forma de inflação, velha conhecida dos países do terceiro mundo, em particular dos brasileiros, funciona como um tributo perverso que transfere renda dos mais pobres para financiar os gastos do Estado e das camadas mais ricas da população, muitas das quais só sobrevivem na sombra estatal.

(1)O beco sem saída da economia americana

17.07.2007

terça-feira, julho 08, 2008

Bolhas, buracos negros e inflação

Rall


As bolhas financeiras quando em crescimento, funcionam como diques de contenção do capital excedentário. Quando se rompem, o capital contido e multiplicado sai atrás de tudo que aparentemente reluz. As bolhas são como buracos negros, sugam toda matéria que possa ser alcançada por sua força de atração, mas a mantém contida pela energia aí gerada. Se explodem, joga tudo para fora - nesse caso as bolhas, pois não se tem conhecimento de explosões de buracos negros apesar de ser um evento possível. A matéria, o dinheiro expelido, busca acomodar-se em outros buracos que lhes sejam rentáveis, não sem antes causar distúrbios por vezes violentos.

A diferença da crise atual para as anteriores, causadas também por estouro de bolhas financeiras, é que agora todos os papéis parecem suspeitos, o que tem levado o capital a se dirigir e aportar em ativos reais, principalmente aqueles, que por motivos diversos, podem ou vem sofrendo alguma pressão de demanda. O exemplo mais evidente é o do petróleo, aonde os preços já vinham subindo em função da escassez na natureza e das incertezas políticas nos países produtores. Mas só o desequilíbrio entre a oferta e a procura, não é, de forma nenhuma, suficiente para explicar o salto absurdo dos preços logo após o estouro da bolha imobiliária nos EUA, como pregam alguns arautos do sistema.

O petróleo, como outras commodities, sobe num momento em que a expectativa é a redução do crescimento mundial, ou seja, de redução da demanda, o que aponta para a existência de uma bolha. O problema é que a bolha das commodities, em particular do petróleo, é altamente inflacionária, pois sendo este a matriz energética do mundo e matéria-prima de um grande número de produtos industrializados, a inflação tende a disseminar-se por todos os setores da economia. Para tomarmos consciência da importância do petróleo na produção de mercadorias é só olhar além dos tanques de combustíveis de nossos carros, para os objetos que nos cercam, os alimentos que ingerimos e veremos o que significa o aumento de preços desse produto.

A bolha das commodities difere das demais pelo fato de o aumento dos preços se espalharem por todo planeta, não se restringindo a alguns países por ter a economia capitalista no petróleo a sua principal base sustentação. Quanto ao aumento dos preços dos alimentos, pode ter alguma relação com o consumo, mas é preciso levar em consideração os preços dos transportes, da armazenagem, dos insumos, principalmente dos fertilizantes, que direta ou indiretamente tem alguma relação com o petróleo. Mas não pode ser deixado de lado, de forma alguma, o impacto da utilização das commodities como refúgio do capital que foge dos estragos causados nas bolsas, no setor financeiro e em seus exóticos “produtos”, pela crise imobiliária americana. É só analisar a velocidade de negociação das commodities alimentares nas bolsas de mercadoria (1), e a voraz compra de terras produtivas e meios de produção pelos fundos em todo mundo e no Brasil.

É possível assistirmos aqui situação semelhante a dos anos setenta(2), quando no lançamento do Pró-álcool, terras destinadas ao cultivo de alimentos pelos pequenos agricultores e suas famílias, foram “expropriadas” pelo capital, que via na monocultura da cana-de-açúcar e na produção de álcool uma alternativa para aumentar a rentabilidade. Com o entusiasmo do governo pelos biocombustíveis e o capital global à solta, ávido por novas oportunidades, tudo fica mais fácil. Só estamos no início de um processo e a compra de terras por empresas, fundos nacionais e estrangeiros, que vão de vastas extensões a pequenos sítios, já fez subir significativamente o preço do hectare, o que deve complicar mais ainda a produção de alimentos e a inflação. As condições são propícias para uma nova onda de concentração da propriedade fundiária.

O discurso de um desajuste causado na economia pelo “choque de oferta” e pressão de demanda, como único responsável pelo aumento dos preços das commodities, não entende, ou intencionalmente tenta deixa de lado, a importância do violento movimento do capital, fictício ou não, em busca de rentabilidade na crise atual. A fragilidade do dólar frente às outras moedas, que busca compensar a queda das vendas internas americanas com as exportações, e, ao mesmo tempo, reverter o déficit na balança comercial, tende a agravar mais ainda a situação, pois a depreciação do dólar, que funciona como dinheiro universal, é causa e efeito dessa nova realidade.

29.06.2008

(1) Nem que todos morram de fome...
(2) Uma breve história da expulsão do homem do campo pelo capital

terça-feira, junho 24, 2008

O fantasma de 29 e a crise atual

Rall


A inflação antes restrita a alguns países, torna-se um fenômeno mundial e volta a assustar. A sombra da crise de 29, que arrastou o mundo à carnificina da segunda guerra mundial e parecia esquecida, assume contornos bizarros no horizonte e já é avistada com assombro por alguns. E é ela bem mais real do que os desejos de muitos analistas e governantes. Na velocidade em que vem se formando o capital fictício a partir dos anos 80, apesar dos mecanismos de contenção, chegaria o momento que este transbordaria e mostraria sua outra face: a inflação. Tão pouco esperada para um momento em que a economia americana e mundial dá sinais de desaceleração, a inflação tem vários determinantes, mas vamos nos ater ao que achamos no momento importante.

O dinheiro excedente, gerado de diversas formas, principalmente nas bolhas e nas máquinas dos governos para ser generosamente distribuído, deve ser levado em consideração quando se fala em retomada da inflação. Vale uma ressalva antes de prosseguirmos: com a terceira revolução industrial, a produção atual de mercadoria depende da formação de capital fictício. Na fórmula clássica D-M-D’, mais dinheiro (D’) só é possível por ser a força de trabalho uma mercadoria capaz de produzir mais valor. Com a automação da produção que tende a aumentar o capital fixo e a dispensar cada vez mais trabalho do processo produtivo, a formação de mais dinheiro (D’) como expressão da “valorização do valor” entra em crise. Daí o surgimento das “máquinas” de produção de capital fictício na economia mundial que não se restringem à impressão de papel-moeda pelos governos. Foram se constituindo mecanismos sofisticados de geração dessa forma de capital, que aparentam uma relação mais direta com a produção de mercadorias do que as impressoras das casas de moedas.

Um desses mecanismos é a relação econômica dos EUA com os países asiáticos, principalmente China e Japão, onde o enorme déficit comercial americano é coberto com uma montanha de dinheiro barato vindo desses países. Outros são os juros negativos praticados pelo Fed (e outros bancos centrais), os subsídios e cortes de impostos, medidas sempre tomadas todas as vezes que a economia entra ou corre o risco de recessão. O volume de capital que passa a circular a partir daí, ofertado a longo prazo as famílias e as empresas, ultrapassa a capacidade de consumo e investimentos, permitindo liquidez para especulação de toda ordem e formação de bolhas em vários setores da economia. Essas bolhas, ao devolverem mais dinheiro mesmo que fictício ao mercado, realimentam o consumo e os investimentos, aumentando também o tamanho e a possibilidade de outras, numa crescente bola de neve que parece não ter fim. Mas, um bom observador verá que a ascensão das bolhas e o crescimento econômico a ela acoplada, são sempre acompanhados de estouros e da queda da economia.

Esse parece ter sido o meio encontrado, pela economia global, para superar as dificuldades geradas com a crise do trabalho na era da revolução tecnológica, que leva a paralisia na formação de capital, entendido como trabalho morto acumulado. Não é um processo linear. Na competição sem limites por mercados, o capital está sempre em movimento na busca de novos espaços que lhes sejam favoráveis na produção de mercadorias. Por outro lado, mesmo com o “efeito bolha”, empregos não são criados em quantidade suficiente capazes de compensar o fechamento de postos de trabalho produtivos pela introdução de novas tecnologias, que pode ser indiretamente medido pelo grande aumento da produtividade do trabalho observado nas últimas décadas em todo mundo. Esse fenômeno não impede que ondas de empregos emerjam em certos momentos do capitalismo mundial como observado até recentemente. São empregos, em grande parte, improdutivos no sentido de não gerarem mais valia, e empregos precarizados como indica a estabilidade ou mesmo a queda da massa salarial na maioria dos países.

Se por um lado essa enorme quantidade de dinheiro supérfluo empurra para frente a possibilidade de uma crise sem retorno da forma capitalista de produção, quando não devidamente contido pelos vários mecanismos financeiros pode levar a inflação, como agora observamos após o estouro da bolha imobiliária que obrigou os capitais se deslocarem para ativos reais, inflando aos céus os preços das commodities metálicas, químicas (petróleo e derivados) e de alimentos. Situação agravada com os juros negativos, principalmente nos EUA e Japão, e pela ação dos bancos mundiais dos países ditos desenvolvidos que despejaram no mercado mais de um trilhão de dólares sem, no entanto, conseguir reverter a crise do sistema financeiro nem aquecer, como se esperava, suas economias. Os velhos remédios keinesianos ou monetaristas já não funcionam mais. Juros baixos e mais dinheiro para o consumo na situação atual significa mais inflação; arrocho monetário e juros altos mais recessão sem a garantia da queda dos preços. É a crise autonomizada dando sinais de sua verdadeira dimensão, mostrando que não se deixa facilmente controlar pelas vontades das elites e dos governos.


24.06.2008

quarta-feira, junho 11, 2008

NEM QUE TODOS MORRAM DE FOME...

Rall


O estouro da bolha imobiliária e a fuga dos capitais das bolsas de valores têm direcionado o dinheiro para as commodities com repercussão nos preços do petróleo, metais e alimentos. É claro que o redirecionamento da produção mundial de mercadorias para países como a China, Índia e mesmo o Brasil entre outros, tem aumentado o consumo de commodities. Mas, vale ressalvar, que pelo menos China e Índia, vem apresentando crescimento econômico próximos dos percentuais atuais há vários anos sem que as commodities subam tanto como se tem observado após o estouro da bolha imobiliária, mesmo sabendo-se que seus preços sempre estiveram sujeitos à variações especulativas. Num capitalismo que não mais consegue respirar sem bolhas, era previsível após o estouro de uma surgisse a necessidade de geração de outras (1), mesmo porque o capital sobre ameaça de ser consumido pelo fogo da crise tende a escapar para lugares aparentemente mais seguros à medida que as labaredas aumentam. E o que, mas imediatamente se apresenta pronto a acolhe-lo no mercado, são as commodities de toda natureza.

A situação mundial de abastecimento dessas commodities ajuda também na formação da bolha. O preço do petróleo, por exemplo, tem variado a partir de situações reais como os limites de fornecimento desse produto pela natureza e a instabilidade no Oriente Médio. A fraqueza do dólar e a inflação mundial são outros elementos de instabilidade dos preços. Mas não são suficientes para explicar altas tão significativas como na sexta-feira de 06/06/2008, quando o barril subiu mais de dez dólares frente a indicadores de que a economia americana fazia água. Se olharmos com cuidado os momentos recentes de aceleração do preço do barril, veremos que está colado ao agravamento da crise imobiliária e as dificuldades dessa economia se manter em pé. Ou seja, parte do capital que antes se multiplicava do nada em outras plagas, frente às ameaças de ser tragado pela crise, hoje se desloca com toda força para as commodities.

O estranho comportamento das bolsas de valores em todo mundo, que sofrem fortes quedas pela desvalorização das ações dos bancos e das financeiras, e em outros momentos se recuperam com o aumento dos preços das ações das empresas petrolíferas e das que lidam com extração e processamento de metais, desconsiderando o agravamento da crise e a possibilidade real de uma recessão global, apontam para formação de uma bolha nas commodities. Quanto às bolsas de mercadorias, as safras dos produtos agrícolas são aí negociadas várias vezes ao ano, o giro vem aumentando absurdamente. Em 2007 a safra de soja foi negociada 22 vezes e a de milho 10 vezes mais do que a produção física desses produtos. Só os fundos negociaram em média 8 vezes as safras agrícolas no ano de 2007, segundo matéria publicada recentemente na Folha de São Paulo, contra 3,5 em média em anos recentes. Na verdade o que se compra e vende nessas bolsas são derivativos financeiros, papeis derivados de ativos reais, que dependendo dos rumos da cotação terminam contaminando os preços dos produtos e vice-versa.

Mas os grandes fundos, não satisfeitos com os lucros resultante desse jogo de compra e venda de papeis, resolveram investir pesado na produção e comercialização dos produtos agrícolas, adquirindo enorme extensão de terras produtivas aráveis no mundo, inclusive indústrias de fertilizantes, silos de armazenagem de grãos, equipamentos de transporte e vias de escoamento, dando-lhes grandes vantagens na especulação dos preços desses produtos e dos papéis correspondentes negociados nos mercados futuros, já que podem influenciar na cadeia produtiva, no transporte e na comercialização dos produtos agrícolas. Fala-se em mais de 40 trilhões de dólares disponíveis em busca de aplicações rentáveis. Nesse jogo pesado de muito dinheiro sem substância, que deverá concentrar e elevar os preços das terras ao infinito, o médio e pequeno agricultor, principais responsáveis pela produção de alimentos consumidos pela população, poderão sumir do mapa muito rapidamente. É provável que os fundos, associados a outros grupos que já atuam especulando no mercado, determinem em curto prazo os preços dos produtos agrícolas na produção e na comercialização segundo seus interesses financeiros. Preços altos dos alimentos para o consumidor não significam necessariamente preços "justos" para o agricultor.

Como a queima de dinheiro pela crise não é suficiente para destruir todo capital fictício circulante, mesmo porque esse capital continua sendo gerado em velocidade estonteante pelos mais diversos mecanismos como meio de evitar o colapso do capitalismo, novas bolhas como a das commodities podem ser geradas, absorvendo e aumentando o capital sem rumo, trazendo uma estabilidade provisória e um precário equilíbrio à economia mundial, até que um novo espasmo se manifeste e lembre a existência e a gravidade da crise. O que difere a bolha das commodities de outras é que ela traz consigo o desabastecimento e o agravamento da carestia que levará milhões a morrer de fome, aumentando a violência e a barbárie em todos Continentes para manter ativa a máquina de "valorização do valor".

(1) Procura-se uma nova bolha

11/06/2008

terça-feira, abril 22, 2008

O fim da onda neoliberal e a tirania da economia

Rall


A política é cada vez mais percebida como imanente à sociedade capitalista. Incapaz de produzir mudanças que não sejam dentro do exigido pelas regras que regem o funcionamento dessa sociedade, nos períodos de crises, aonde os limites da acumulação capitalista vem à tona e a economia exige atenção absoluta, os órgãos diretamente ligados ao capital, responsáveis pela administração da crise, como os bancos centrais, ganham vulto e a política mostra-se mais ainda desprezível. Se olharmos o noticiário econômico corrente, principalmente as notícias vindas dos EUA, veremos que de longe predominam as questões relacionadas com a crise econômica, estando em primeiro lugar as notícias sobre as oscilações dos indicadores econômicos, o comportamento das bolsas e as próximas medidas mágicas do Fed na busca de uma solução capaz de empurrar para frente o que hoje afeta a economia. Quando os políticos se manifestam, seja no Brasil ou nos EUA, geralmente é para apoiar as medidas dos bancos centrais como aumentar ou reduzir os juros e alguns para espernear sem nenhuma conseqüência.

A sensação de que os partidos políticos só se diferenciam no discurso quando se xingam é universal e real. Nas ações, partidos como os italianos PL de Berlusconi e o Partido Democrata (PD) ex-comunistas, Partido Democrático e Partido Republicano nos EUA, PT e PSDB no Brasil, só para citar alguns, em nada se distinguem. Mesmo partidos mais radicais, ao trilharem o caminho do poder caem na vala comum. Aqui, a política do PT é a continuidade da do PSDB, inclusive nas amplas alianças. Algumas nuanças existem como a capacidade de domesticação dos movimentos sociais pelo Governo atual, nada mal para os intentos do capital. Sobre a Itália vale ver o documentário da humorista italiana Sabina Guzzanti. Apesar do esforço da produtora para apontar o contrário, a política aí pouco diverge do resto da Europa, a não ser pelos obstáculos as “liberdades” individuais e de imprensa impostos por Berlusconi e companhia. O documentário mostra a tomada do poder pelo grupo de Berlusconi, facilitada pelos partidos de oposição, e as repercussões que isso veio a ter na imprensa com a demissão de jornalistas da RAI e de jornais privados, e fechamento de programas como o humorista RaiOT de sua autoria, que ousavam caricaturar Berlusconi e membros de seu Governo.

A chegada desse mega-empresário da mídia a primeiro-ministro da Itália, nada escrupuloso quando trata de defender seus negócios, e que, não sem razão, não vê nenhuma diferença entre os interesses privados e do Estado (apesar das tensões que daí podem resultar), Berlusconi utiliza o poder econômico e de chefe de Governo para chantagear adversários e subordinar a imprensa à sua versão chula do espetáculo. Para tanto a violência física não precisa ser empregada, como acontece em muitos países, pois se dispõe de instrumentos intimidatórios suficientes, como processos bilionários contra jornalista e a mídia, além das demissões pura e simples dos considerados adversários. No Brasil isso não se faz necessário, pois o comprometimento da imprensa com os financiamentos generosos do Governo e a compra de espaços para farta propaganda, como também ser parte dessas, a televisiva, concessão do Estado conforme acertos políticos, a mordaça é desnecessária pela convergência de interesses. Mas quando preciso as advertências, as pressões econômicas como as que vitimaram anos atrás o jornalista Paulo Francis que criticava duramente os burocratas do poder, são exercidas. Pode-se dizer que só resta a internet como o espaço mais livre, apesar dos constantes ataques e tentativas de controle em nome da moralidade.

Em alguns momentos, até o início dos anos 70, a política parecia imperativa e transformadora. De fato, nos movimentos de libertação e de auto-afirmação da soberania, nas lutas contra as ditaduras o componente político tinha um papel importante na consolidação do capitalismo. No Brasil, a luta pelo controle dos recursos naturais, principalmente o petróleo, era a vanguarda da “modernização recuperadora”. Na busca de um crescimento acelerado, limpava-se o caminho das formações pré-capitalistas e rompiam-se os elos internos e externos que aparentemente reforçavam essas formações, para que o bonde capitalista se movimentasse sem empecilhos. Pela carência do capital privado nacional e pelo pouco interesse dos investidores estrangeiros, o Estado teve um enorme papel na destruição dessas formações e na liberação dos trabalhadores que agora poderiam vender livremente no mercado sua força de trabalho às empresas capitalistas, privadas ou estatais, que se formavam nos centros urbanos ávidas para gerarerem mais valia. Com ajuda da mão visível do Estado, tirava-se recurso da sociedade transferindo-os para o setor empresarial, procurando assim suprir as deficiências da “mão invisível” do mercado.

No capitalismo maduro a subordinação dos partidos políticos, do Estado, da mídia, da arte e por que não da vida às leis da economia é absoluta. Tudo fundiu-se sob a mesma lógica da "valorização do valor". É impensável qualquer movimento fora dos limites cada vez mais estreitos delineados pelo capital. O poder concentrado no Estado é mobilizado considerando-se os momentos do mercado. Algum tempo atrás o discurso neoliberal era de um Estado distante dos negócios. Hoje, com a crise do sistema financeiro mundial, os bancos centrais, atrelados aos interesses dos bancos privados, são convocados a intervir distribuindo dinheiro a rodo para o sistema financeiro não ir à lona e salvando bancos como o Northern Rock na Inglaterra e o banco de investimento Bear Stearns nos EUA. O fim da onda neoliberal com presença dos órgãos financeiros do Estado socorrendo os bancos e distribuindo os prejuízos com sociedade, não merece regozijo, pois só expõe de quem o Estado moderno é vassalo. Um pouco de conhecimento da história da sociedade burguesa, mostra que a presença maior ou menor do Estado e suas formas dependem das situações pelas quais passa a economia. Mas, mudanças reais não passam pela ingênua alegria do possível fim do período neoliberal.


22.04.2008

terça-feira, março 25, 2008

O beco sem saída da economia americana tende agravar a crise global

Rall


Do Norte só chegam notícias do agravamento da crise e da paralisia da economia. Instituições financeiras que antes pareciam “sólidas desmancham-se no ar”. O Federal Reserve põe suas máquinas de imprimir papel de cor verde funcionando com a máxima capacidade e autoriza que “dinheiro seja jogado de avião” para salvar bancos e financeiras bambas das pernas. A expansão da base monetária americana, sem lastro na economia real, igual a qualquer república das bananas, não produz o milagre esperado, mas aumenta a inflação e ajuda o dólar no seu desembesto ladeira a baixo. As instituições financeiras dão como garantia ao Fed, ao receber o papel pintado de verde, as hipotecas podres ou outros papéis sem nenhum valor no mercado. Assim, o Estado busca resgatar o mercado assumindo os prejuízos num jogo contábil nem sempre bem sucedido.

Tanto papel, é claro, termina por entupir alguns buracos pretéritos, mas a insolvência que se manifesta em tempos diferentes, continua abrindo outros à medida que a crise avança. Por isso já se pensa seriamente nos EEUU perdoar parte da dívida imobiliária dos cidadãos americanos, cujo montante é bem superior ao valor de seus imóveis e de sua capacidade de administrá-la, como forma de aliviar as pressões sobre o sistema financeiro. Mas a crise do crédito não se restringe as sacrossantas residências, que tinham na crescente valorização e no constante refinanciamento a juros baixos, a salvação de todos penduras das famílias: das hipotecas ao cartão de crédito, sem deixar de lado o carro do ano e outros produtos de consumo perecíveis e não-perecíveis, com prazos a perder de vista . Mesmo que nada acontecesse, que a massa salarial não se alterasse e o desemprego continuasse o mesmo, o americano endividado não teria condição de honrar seus compromissos sem uma boa ajuda do dinheiro fictício das bolhas geradas em vários setores da economia, mas, principalmente, nos imóveis e bolsas de valores.

Com a implosão das bolhas o consumo e a atividade industrial tende a cair, o desemprego aumenta e emperra mais ainda o crédito, que já restrito, volta a agir negativamente sobre consumo, num efeito bola de neve. Apesar da derrama de dinheiro pelos Bancos Centrais dos países ditos desenvolvidos e dos juros negativos nos EEUU, o capital disponível não flui, mantém-se entocado pela desconfiança generalizada entre empresas financeiras, que por sua vez castigam os consumidores endividados. Essa desconfiança é um importante indicador da gravidade da crise. Num segundo momento, clientes desconfiados, transferem dinheiro dos bancos para o Tesouro, comprando papéis dos governos que necessitam avidamente desses recursos, principalmente o Governo americano no afã de fechar suas contas. Essa modalidade de saque tende a crescer e a agravar seriamente a situação dos bancos, dos fundos de investimentos e das bolsas. A corrida silenciosa a formas aparentemente segura de entesouramento pode ser a última rodada da crise que poderá levar o sistema financeiro ao chão. Parte do dinheiro, tão generosamente doado pelos bancos centrais ao sistema financeiro, pode estar sendo utilizado para cobrir essas saídas, reduzindo mais ainda a circulação do capital.

A competição do Governo americano por recursos externos e internos para cobrir anualmente os déficits em conta e fiscal de US$ 1 trilhão, oriundos principalmente do desequilíbrio comercial externo e dos gastos de guerra, é mais um elemento agravante da falta de liquidez. O dinheiro que sai pela porta da frente do Banco Central, quando não consumido nos buracos negros da inadimplência, volta pela porta dos fundos do Tesouro, num círculo difícil de ser quebrado quando a falta de confiança dos agentes econômicos é generalizada. Na situação em que se encontra a economia global, e, particularmente, a americana, dificilmente a máquina de fazer dinheiro do Fed e os juros negativos suprirão às necessidades causadas pelo estouro da bolha imobiliária sem o risco de uma inflação de muitos dígitos (em aparente conflito com a deflação dos imóveis e outros ativos), cujos primeiros sinais é a mega desvalorização do dólar frente as demais moedas.


25.03.2008

quinta-feira, fevereiro 07, 2008

A crise da economia e a dança do capital sem substância

Rall


Acompanhar a crise global através das análises econômicas da grande imprensa está cada vez mais difícil. Num dia a depressão, noutro a euforia, o fim da crise. Esse transtorno ciclotímico segue o “humor” das bolsas que é o indicador mais visível, mas nem sempre o mais importante para avaliar a crise. O que ainda não apareceu, não é contabilizado, mesmo suspeitando-se da existência de cadáveres fechados a sete chaves nos armários das empresas privadas e das instituições governamentais. A esses devem juntar-se muitos outros, pois a inadimplência no setor imobiliário, cozinhada em fogo brando, só deu os seus primeiros sinais. A crise, que se manifesta como uma crise do crédito, e que teve início nos EUA, alastra-se por toda economia mundial. O consumidor americano, responsável por 70% do PIB e com endividamento superior as suas condições financeira, já não consegue honrar outras dívidas. Por outro lado, os mecanismos utilizados para rolagem das dívidas acham-se travados pelo enorme prejuízo do setor financeiro Ocidental, calculado até agora em 600 bilhões de dólares. Se os cálculos de que para 1 dólar perdido os bancos deixam de emprestar 20 estiverem corretos a coisa está muito feia.

Pouco se vê pela imprensa menção aos circuitos deficitários, principalmente ao asiático(1), que tem levado os países superavitários dessa região, principalmente China e Japão, jogar, a custo zero, bilhões de dólares no financiamento do déficit americano, e que teve importante papel na expansão da bolha do setor imobiliário após o colapso das bolsas em 2001 e no aumento do consumo em geral. Ajustes nesses circuitos, que necessariamente devem acontecer com o agravamento da crise, reduzirão significativamente o retorno dos dólares a esse mercado, inibindo o consumo e as importações. O FED e os demais bancos centrais da Europa e de outros países capitalistas, que já disponibilizaram mais de um trilhão de dólares para segurar a falência do setor financeiro e manter em alta o ânimo do consumidor, além da redução dos juros e devolução de impostos ao contribuinte feito pelo Governo, hão de por suas máquinas de capital fictício cuspindo moeda dia e noite para melhorar a liquidez. Porém, não há nenhuma garantia de que tais medidas amorteçam a crise.

Numa situação em que a economia real não consegue mais acumular e para retardar a crise bolhas são geradas, onde ativos financeiros, numa dança louca, multiplicam-se milagrosamente sem nenhuma correspondência com a produção real, resta saber qual próxima bolha vai substituir a que murchou. Até agora nada de novo se vislumbra apesar da corrida dos bancos em dificuldade aos recursos dos fundos soberanos(2), antes vistos com desconfiança pelos Governos dos países do Ocidente, para concertar seus balanços afetados pela bolha em implosão e a existência de certa liquidez nos países em desenvolvimento. No entanto, a relutância de alguns fundos soberanos comprarem qualquer coisa que lhes seja oferecido, mesmo estrategicamente importante, mostra a preocupação dos Governos detentores desses fundos de como a crise vai bater em vossa porta. Podem estar também à espera de melhores oportunidades para adquirirem ativos reais. A volatilidade global das bolsas acompanhando o mercado americano mostra que a tola teoria do descolamento de uma parte do mundo da crise não passa de desejo de afogados.

Ora, se “jogar dinheiro de avião” como vem fazendo o Governo americano e de outros países não tem dado resultados, se os circuitos deficitários tende a se ajustar reduzindo o fluxo de capital para as grandes praças financeiras, se há relutância de quem tem dinheiro entesourado de superávits comerciais abrirem as burras, a tendência é de uma retração ainda maior do crédito com impacto negativo no consumo e no emprego. A fogueira que nessa crise queima o capital fictício, principalmente nos EUA, tem acarretado deflação de ativos reais e financeiros por um lado, e inflação dos produtos de consumo por outro, desvalorizando o dólar e esvaziando o bolso do consumidor numa velocidade maior do que os mecanismos monetários de contenção de crise podem repor. Esses mecanismos que se resumem na distribuição de dinheiro, mesmo sem substância, para que o ávido consumidor vá às compras, tende acentuar a inflação e pode não o levar a consumir. Desconfiado e endividado, pode utilizar esse dinheiro para saldar dívidas ou até mesmo entesourar em aplicações aparentemente seguras se sua percepção é de que vai necessitar desses recursos para atravessar os tempos difíceis que se anunciam.

Portanto, o capital financeiro, tão duramente surrado por setores da esquerda e grupos ditos nacionalistas alinhados muitas vezes a tendências anti-semitas, com a crise da economia real a partir dos anos 80, tornou-se instrumento de “alavancagem” na produção de mercadorias que inundam o mundo e aprofunda a crise ecológica, mesmo sendo sua origem suspeita e fictícia. A crise aparentemente conjuntural e financeira é um agravamento da crise estrutural do capitalismo que se não conseguir gerar novas bolhas para mais uma vez adiar um desfecho dramático, pode entrar num processo de regressão sem precedente. A emancipação e a superação da sociedade da mercadoria, uma possibilidade maior hoje pelos conhecimentos acumulados e pelos meios técnicos que dispõe a sociedade, não é garantida. Por enquanto o que se prenuncia é uma luta fratricida dos “sujeitos automáticos” pelo espólio do Estado burguês e por qualquer coisa que prometa ser transformada em dinheiro, como mostram as guerras de extermínio dos bandos armados em algumas regiões do mundo já colapsadas, acentuando a violência e a barbárie que devem ser denunciadas com determinação.

04.02.2008

(1) Rall, “O circuito asiático da economia mundial” (Rumores da crise, 2005).
(2) Rall, “O Brasil está imune a crise?” (Rumores da crise, 2007)