sexta-feira, março 13, 2009

Os zumbis da economia em crise

Rall


"Hoje o mundo é totalmente dependente do capital internacionalizado para qualquer investimento. O chamado capital nacional é uma ficção. O problema é que o capital não tem mais como se reproduzir na economia “real”. Seu destino é girar em falso, sem rumo como um zumbi, produzindo bolhas financeiras aqui e acolá, simulando acumulação. É a forma que encontrou de se manter morto-vivo na sociedade do trabalho em crise."
Rumores da Crise - Rall: Um Zumbi assombra o mundo – 08/05/2004

"Vamos ser diretos aqui. Há uma chance razoável, não uma certeza, de que Citi e BofA, juntos, percam centenas de bilhões de dólares nos próximos poucos anos. E seu capital não é nem remotamente suficiente para cobrir as possíveis perdas. De fato, a única razão pela qual ainda não quebraram é a de que o governo está agindo como um esteio, implicitamente garantindo suas obrigações. Mas são bancos zumbis, incapazes de fornecer o crédito de que a economia precisa."
Folha de S.Paulo – Paul Krugman: Os bancos diante do precipício - 24/02/2009

Essa polêmica sobre zumbis lembra-me de um filme, se não me engano de Paul Morrissey, sobre o Conde Drácula que doente, acredita recuperar-se bebendo sangue de virgem. Com a escassez de mulheres castas na Romênia, resolve viajar da Transilvânia até uma remota fazenda italiana, depois de receber uma carta informando-o que um pai ambicioso, zelava pela castidade das filhas, cobiçando casá-las com nobres que oferecessem uma merecida recompensa pela preciosa raridade. Numa viagem cheia de percalços e confusões, o moribundo Conde a duras penas consegue chegar ao destino. Num estado de excitação que fazia todo corpo tremer, é apresentado às garotas e de pronto se apaixona pela mais velha que num gesto provocante, sacode o cabelo e deixa nu todo um lado do belo pescoço. O Conde, na mesma noite, crava os dentes ferinos no sensual pescoço, e solta um grito agoniado quando o sangue esguicha em sua boca. Ao passar dos dias, vai ficando cada vez mais angustiado à medida em outros pescoços são mordidos e o sangue que jorra é rejeitado por seu refinado paladar. Sabe como morto-vivo, que se não encontrar o precioso alimento logo só restará um espectro de vampiro a vagar sem rumo por um estranho mundo, um verdadeiro zumbi.

O capital, nos seus estertores, apresenta comportamento semelhante. Não tendo aonde aporte para sugar trabalho vivo que conserve e faça crescer o morto, sofre como o Drácula de nossa história em busca de sangue virgem. O trabalho vivo, alimento essencial a reprodução do morto-vivo capital, vem rareando com a corrida pelo aumento da produtividade imposto pela concorrência global na terceira revolução industrial. O Conde Drácula, na desesperada busca de sangue virgem, compete com o mundo dos homens e se dá mal. Os capitais, em busca de competitividade, guerreiam entre si expulsando seu alimento da produção, portanto parte de seu ser. O requintado Vampiro, ao rejeitar o sangue de não virgens apesar da abundância, sabe que não sobreviverá. O capital, ao não suportar sequer o cheiro do suor dos “não-rentáveis” (Kurz), que no desespero famélico oferecem-se aos montões para serem consumidos como mercadoria barata, terá o mesmo destino. No encanto pelas máquinas esquece que o trabalho humano abstrato é seu alimento e que na sociedade burguesa o homem para consumir os meios necessários a sua reprodução tem que vender seu trabalho ou morrem de fome, homem e capital.

Na concorrência empresarial, a tendência é refazer-se a composição orgânica do capital, reduzindo-se o capital variável e aumentando o fixo. Ao tornar mais oneroso os custos dos investimentos com o aumento do capital fixo (máquinas, equipamentos etc.), reforçar-se então a importância do crédito. O “valor valorizado” (Marx) definha, seu espectro se liberta e como um zumbi assombra o mundo simulando acumulação na forma de capital fictício. Zumbi não são só bancos insolventes, mas todo capital financeiro que não aportando na produção aonde a rentabilidade é insuficiente, simula em suas entranhas a acumulação, reproduzindo papéis destituídos de substância de valor. O Sr. Krugman em seu artigo, parece acreditar que a ganância e as más decisões são responsáveis pelo castigo que nos impõe a crise. Apesar de reconhecer as incertezas que o mundo nos submete, não ultrapassa em suas análises os limites nos quais os homens são obrigados a se mover na sociedade burguesa.

A ilusão de que a estatização é a solução para crise do crédito, ao qual se atribui os motivos da crise sistêmica, reside no fato de os teóricos da economia rejeitar o trabalho abstrato como substância do valor, de renegar inclusive as descobertas de seus economistas mais lúcidos como Ricardo e Adam Smith. O que se observa com o movimento dos neoliberais em direção ao Estado “empreendedor”, que deixa amuada a esquerda estatizante, é a busca de uma nova bolha, já que no mercado todas explodiram e não se vislumbra outras. Bolha que vem se formando com a ajuda das instâncias financeiras dos Estados e por elas geridas, consensuada pelos governos e agentes econômico, deverá servir de base para as reformas articuladas pelos países do Centro. Pelo enorme volume de dinheiro sem lastro colocado a disposição e impressos nas casas da moeda, no momento certo essa bolha estatal também explodirá, talvez na forma de hiperinflação, sem, contudo, estancar a crise que é dos limites da acumulação do capital cuja expansão do crédito ao infinito foi um dos seus sintomas.

13.03.2009

Um comentário:

Anônimo disse...

No Brasil este filme recebeu o nome de "Drácula de Andy Warhol" (dirigido por Andy Warhol em 1964).

Abçs, Rodrigo