domingo, novembro 15, 2009

A bolha estatal na longa jornada da crise

Rall


“Como a economia mundial caiu num buraco tão profundo? Está se recuperando agora, mas dolorosamente, apesar do inédito afrouxo fiscal e monetário. Além disso, qual a possibilidade de que uma economia mundial equilibrada surja dessa alimentação forçada? O próprio fato de que tais ações drásticas foram necessárias é aterrador. O fato de haver pouco espaço para repetição da política é ainda mais aterrorizante. E o pior de tudo é que esta não é a primeira vez nas últimas décadas em que a economia mundial teve de ser conduzida em meio a desmoronamento pós-bolhas.” Do artigo “Como a economia caiu tanto assim”? Martin Wolf, editor principal e comentarista econômico do Financial Times, publicado no valor econômico de 28/10/2009.

No citado artigo, o comentarista econômico do FT Martin Wolf, expressa sua perplexidade, que não é só dele, sobre as difíceis escolhas para o enfrentamento da crise econômica. Perplexidade que se estende ao que virá depois da intervenção maciça dos estados com a emissão sem precedente de dinheiro, afrouxamento fiscal e juros perto de zero na busca de salvar bancos, grandes empresas e famílias endividadas. Fala-se em US$ 14 trilhões só de ajuda aos bancos no mundo.

Se for possível pensar no que virá depois das mais recentes manifestações da crise, como querem alguns, podemos fazer algumas indagações: como o déficit público, resultante de política fiscal, creditícia e de gastos generosos tem um limite, como seria possível a crise não se agravar quando esse limite for ultrapassado? Por outro lado, se a economia não se sustenta sem esse afluxo de recursos, como mantê-los sem os efeitos colaterais de uma liquidez infinita? Ou seja, como resolver a crise sistêmica do capitalismo que hoje vivenciamos numa situação de se correr o bicho pega, se ficar o bicho come?

Os últimos dados da economia têm mostrado, que o crescimento ou queda do PIB nos países desenvolvidos e em desenvolvimento, está profundamente atrelado aos recursos estatais fartamente disponibilizados. Essa liquidez forçada e os truques contábeis, tem aparentemente reequilibrado os balanços dos grandes bancos, que captam dinheiro a custo zero para emprestar aos governos à longo prazo, cobrando juros variados conforme os países, rendendo nos EUA em torno de 3,5% ao ano. Parte desse dinheiro que deveria ser utilizado para fazer fluir o crédito, são emissões dos bancos centrais que voltam aos governos na forma de empréstimos.

Como o crédito para o consumo e produção continua sendo uma operação de risco pela indefinição dos rumos da economia, parte dessa liquidez vem sendo destinada a especulação nas bolsas, em commodities e em outros ativos. Com isso, a imensa bolha estatal vem estendendo velozmente seus tentáculos ao mercado mundial, principalmente dos países em desenvolvimento. Fala-se em US$ 10 trilhões disponíveis correndo o mundo em busca de rentabilidade mesmo que seja fictícia. São valores que tendem aumentar na medida em que os governos, principalmente dos EUA, com uma política monetária frouxa, continuam inundando os mercados com dinheiro novo e juros perto de zero ou negativos, que permite a utilização de empréstimos em dólar nas operações bilionárias de carry-trade e ataques especulativos disfarçados ou a céu aberto, impactando nos preços dos ativos mundiais.

Esse fluxo de dinheiro tem levado a desequilíbrios cambiais graves, com a valorização das demais moedas em relação ao dólar, excetuando o yuan que com grandes intervenções de compra executadas pelo governo chinês, acompanha artificialmente os movimentos da moeda americana e faz crescer, num impulso incontido, as reservas em dólar. No entanto, a questão fundamental da fraqueza do dólar sinalizada desde o final da segunda guerra mundial, logo após as glórias em Bretton Woods, deve-se ao incessante aumento da produtividade que acarreta a queda do valor das mercadorias com as quais este se relaciona enquanto equivalente universal, e a expansão desmedida da circulação dessa moeda que há muito se deslocara da riqueza real que pretende expressar enquanto dinheiro mundial sustentado no poder político-militar dos EUA.

É um quadro que só tende a se agravar na medida em que os espasmos da crise terminal do capitalismo, ao aprofundar a competição entre empresas, alavancam a produtividade do trabalho incorporando novas tecnologias que levam ao desemprego estrutural e a não valorização real do capital. Há ainda a propensão do capitalismo pela extração da mais valia absoluta, que se manifesta quando trabalhadores são obrigados nas crises, para manterem seus empregos, aumentar a produtividade executando tarefas que seriam de responsabilidade de dois ou mais, numa racionalizalção empresarial selvagem para reduzir custos.

É claro que a inflação do dólar, e a conseqüente desvalorização, tende exacerbar-se se as emissões e os incentivos forem mantidos. Há, no entanto, e não sem razão, toda uma gritaria para que tudo continue como está, apesar dos indicadores apontarem que a bolha estatal, mãe de todas, não ter se mostrado como a melhor ignição para por em movimento a produção e o consumo de mercadorias por exigir custos adicionais futuros muito grandes. Essa gritaria está relacionada com a percepção de que só com mais dinheiro e os incentivos estatais é possível manter a ilusão de que o pior ficou para traz, como dizem. E ainda: que a economia real em crise profunda, não consegue manter-se em pé sem bolhas(1) altamente destrutivas, que tendem expandir-se ràpidamente em tempos de vida cada vez mais curtos.


15.11.2009

(1) Procura-se uma nova bolha