terça-feira, abril 20, 2010

Grécia, Brasil e outros rincões...

Rall


A crise do Estado grego trouxe à tona as diferenças na Zona do Euro e a questão da competitividade. Repetidas vezes foi noticiada que a baixa competitividade desse país estava associada a salários relativamente altos, quando considerado a produtividades de suas indústrias , que deixam seus produtos relativamente caros se comparados com similares produzidos na Alemanha e França e em alguns outros países que adotaram o euro. Como surtos de produtividade não se dão em passe de mágica, a exigência dos sócios ricos (Alemanha e França) para emprestar dinheiro e evitar a insolvência, foi de que o governo grego teria de compensar a baixa produtividade cortando despesas, mas, fundamentalmente, racionalizando trabalho e reduzindo salários, utilizando-se de meios sobre os quais o governo acredita ter controle, inclusive aqueles que possam desencadear processo deflacionário, com risco de grave contração econômica.

A forma como vem se manifestando a crise dos países menos ricos que adotaram o euro, vinha em gestação desde a criação da moeda única. Apesar dos fartos recursos liberados para investimentos, principalmente em infra-instrutora, quase nada foi feito para corrigir a distância tecnológica que separa os países do centro dos mais periféricos. Se considerarmos as relações comerciais da Alemanha superavitária com os países da Zona do Euro com déficits em conta-corrente, todos tiveram seus mercados invadidos por mercadorias mais baratas vindas desse País altamente industrializado e de outros concorrentes de fora da Europa menos produtivos, porém competitivos pelos baixos salários pagos. Parte desses produtos importados são “bens de capital”, mas o grosso são mercadorias triviais, de consumo imediato, que ao substituir produtos nacionais podem levar desindustrialização.

Tem sido prática no comércio mundial usar a desvalorização do câmbio como recurso para fazer frente aos déficits nas balanças comerciais, além das medidas internas de redução de custos de produção e despesas do estado. É sempre um recurso provisório, que se não acompanhado de aumento da produtividade perde-se no tempo. Mas, como nos países de moeda única não é possível a utilização desse artifício, e como o arrocho nos países em dificuldade não será suficiente para o reequilíbrio financeiro, resta saber se os mais competitivos vão querer inflacionar os preços de seus produtos com aumentos salariais como defende alguns analistas, reduzindo com isso o lucro de suas empresas e o superávit comercial, mesmo considerando-se um possível aumento do consumo com ampliação do mercado interno.

Países em atraso tecnológico tornar-se-ão competitivos em médio prazo, se, ao utilizarem a produtividade possível de suas empresas, associá-las a uma exploração brutal da força de trabalho. Foi assim na história recente do capitalismo dos “tigres asiáticos”, do Brasil dos militares, do Chile de Pinochet, só para citar alguns exemplos. O que existe em comum são as interferências repressivas nas relações de trabalho e o "subsídio" ao capital pelo Estado com recurso arrancado à força da sociedade em favor das empresas privadas ou estatais para compensar a baixa produtividade, fórmula que ainda hoje faz sucesso na tão contemplada China e em outras nações menores citadas como exemplo de capitalismo que dá lucro.

Mas mesmo aonde não é possível a ditadura política ou militar, o estado democrático, cego pela concorrência, entra com a função de faxineiro do capital, desregulamentando a legislação trabalhista e reduzindo os benefícios sociais, vistos como barreira a acumulação e a produção de mercadoria barata para o mercado mundial. Com o persistente desemprego e o movimento sindical a fazer concessões sem limites, o capital que reina absoluto, com o respaldo do poder estatal (sempre é bom frisar), faz o resto na busca incessante da autovalorização, não importa os meios a serem utilizados.

Portanto, não é só na China que se observa o retorno da mais-valia absoluta através da extensão da jornada de trabalho e contenção salarial com o apoio do estado autoritário. No Brasil, como em muitos outros países democráticos, o alargamento da jornada de trabalho, com ou sem uso de horas extras, e a prática de rotatividade no emprego são utilizadas sem nenhum limite pelas empresas para anular qualquer ganho salarial e compensar a queda da rentabilidade. Para aquelas profissões onde o impacto da racionalização é mais sentido e existe um forte excedente de força de trabalho no mercado, a redução salarial pra os trabalhadores mais antigos pode ser superior a 50% nos períodos de dissídios.

O pacote de resgate financeiro que vem sendo montado, tendo a Alemanha como principal fiador, pode evitar em curto prazo a insolvência da Grécia, mas não resolve o problema de base que vem aumentando as desigualdades e a dívida pública dos países europeus: a dificuldade de acumulação da economia real em todo mundo(1). A luta feroz dos países para manterem suas posições econômicas no cenário internacional esbarra nesse limite, e têm no reaparecimento da mais-valia absoluta e das bolhas financeiras os sintomas mais visíveis da crise sistêmica do capitalismo.

(1)O pior já passou? Um "sim" ecoa afoito no mundo dos negócios

20.04.2010