segunda-feira, setembro 12, 2011

O pacote de Obama e o milagre da multiplicação do dinheiro

Rall

“A redução do endividamento simultâneo do setor privado (financeiro, famílias e, em menor medida, de grandes corporações) continuará a ser o grande complicador para o crescimento econômico global nos próximos anos, avalia o Instituto Internacional de Finanças (IIF)” (1).
 “O que deve ser feito? Para uma resposta ouçamos os mercados. Eles estão dizendo: levantem empréstimos e gastem, por favor,” (2).

As políticas fiscais e monetárias, ao serem aplicadas na busca de se debelar a crise, mostraram os seus limites que se estreitam no tempo.  O estímulo à economia via política fiscal tende não se viabilizar em função dos grandes déficits nas contas dos governos. A política monetária já não surte efeito num momento em que as empresas, apesar de endividadas e da queda da produção, em geral estão superavitárias (3), e as famílias esforçam-se poupando para reduzir suas dívidas. A mobilização dos governos para investir em infraestrutura e gerar empregos, tipo pacote-Obama, esbarra no endividamento dos Estados e também, nos EUA, na feroz luta política pelo poder às vésperas das eleições.

Como não se vislumbra nenhuma revolução tecnológica como foi a revolução industrial nos primórdio do capitalismo e em seguida o fordismo, cuja produção industrial absorveu enormes contingentes de trabalhadores deslocados do campo para cidade, ampliando com isso o mercado mundial, no presente momento do capitalismo, a movimentação da economia depende do crédito crescente para que seja possível o aumento do consumo das famílias, das empresas, dos governos e a tão esperada criação de novos empregos. As bolhas financeiras costumam pegar carona nesse crédito fácil.

Mas o que se observa são dois movimentos distintos: a revolução tecnológica que teve início nos anos 80, ao contrário das demais, apesar de fazer baixar o valor dos bens e amplificar o consumo de massa, destrói mais do que constrói postos de trabalho, intensificando o chamado desemprego estrutural(4). Com a crise, o acirramento da concorrência tende aprofundar esse fenômeno ao exigir constantes aumentos da produtividade do trabalho, com repercussões negativas no emprego e na massa total de mais-valia real e, obviamente, no lucro médio das empresas e na arrecadação dos Estados na medida em que avança a crise de valorização do capital.

Todos os analistas econômicos e políticos, como também os agentes do mercado, reconhecem por motivos diversos, que o grande problema nesse momento é a fraca ou quase nenhuma geração de empregos nos países do centro do capitalismo e na vizinha periferia. Um anúncio do débil desempenho da economia na criação de novas vagas, incapazes de acomodar desempregados e os que ingressam no mercado de trabalho, é acompanhado por abalos nas bolsas, declarações pessimistas sobre o futuro e vexames políticos. Mas fica por aí mesmo, as análises se detém em lamentações e não ultrapassam a linha divisória que possa mostrar que o que está em crise é a forma de produção centrada no trabalho “abstrato” (Marx).

Por tudo isso, pacotes keynesianos de estímulo à economia, via investimentos governamentais em infraestrutura como o anunciado por Obama, pode não produzir o efeito esperado e não funcionar como motor de arranque para o setor privado retomar, de forma autônoma, o crescimento econômico e o emprego. As manifestações crescentes de que os Estados tem que continuar se endividando, que as famílias e as empresas levantem empréstimos para consumir; os apelos para que as medidas visando baixar mais ainda os juros e “jogar dinheiro de helicópteros” (afrouxamento quantitativo) sejam reeditadas, é o reconhecimento explícito de que a economia só consegue se manter em pé com o alargamento do crédito ao infinito e na companhia de bolhas financeiras.

Restar saber, contudo, se o infinito realmente existe para acumulação capitalista ou se o capital já atingiu o “limite interno da valorização na terceira revolução industrial” (Kurz), estando à economia a girar em falso por não encontrar mais saída para suas agruras, apesar do milagre de se transformar incessantemente papel em dinheiro sem ser certificado pela produção de mercadorias. Para os apóstolos do capital, se em algum tempo foi possível multiplicar os pães, é possível do nada se fazer dinheiro. Veremos até quando.   
Notas
(1)    “Endividamento menor compromete recuperação”- Jornal Valor Econômico, Assis Moreira - 06.09.2011.
(2)    “Porque devemos ouvir os mercados”- Jornal Valor Econômico, Martin Wolf - 08.09.20011.

12.09.2011