terça-feira, dezembro 31, 2013

Para além de 2014

Rall

O ano finda-se frustrando aqueles que acreditavam que a revolução estava às portas. As manifestações perderam seu ímpeto apesar do crescente mal estar, ajudado pelos defensores da “estética” da violência a troco de nada. Porém, contrasta com essa aparente calmaria a luta entre as nações e entre os capitais particulares pelo espólio do mercado após os tremores da crise 2007/2008. Os rearranjos são evidentes, e o País que tem a hegemonia da força, da moeda e tecnologia avançada, os EUA, dá sinais de que pode respirar sem os socorros do Fed.

A desvalorização do dólar frente às demais moedas, a intensificação do desenvolvimento tecnológico e a queda no custo dos equipamentos de automação que tem levado a instalação das chamadas “fábricas fantasmas” que podem produzir 24 horas ininterruptas, vem permitindo um certo repatriamento da indústria e aumentando as exportações.

Se considerarmos que dinheiro barato para investir e crédito a juros negativos para o consumo sobra neste País, há de se concluir que muito desse dinheiro escapa para os espaços de especulação. O desempenho positivo das bolsas nos Estados Unidos e, até mesmo, uma retomada dos negócios imobiliários, é um sinal disso. Porém, a crise continua seu curso, ela não se esgota com a retomada da economia americana.

A crise do capitalismo contemporâneo, da qual nada escapa, é crônica e assimétrica, com momentos de agudização em intervalos cada vez mais curtos e mais destrutivos. É possível, durante um longo período que não podemos predizer, que as terras de ninguém “desertificadas” pela fuga de capitais por não mais encontrar aí os lucros esperados, aumentem rapidamente e, na mesma proporção, os oásis do capital e do consumo, restrinja-se a alguns países.

E quem haverá de lembrar-se do Haiti(1)? Dos países africanos cujos estados degeneram em bandos armados para garantirem seu butim? E o Médio Oriente e Norte da África, o que resta de suas revoluções e das esperanças despertadas(2)? E assim vai... na medida em que o capitalismo encolhe e é devorado pelas suas próprias contradições, o que se manifesta é o aprofundamento da barbárie, a matança, o genocídio próprio da lógica intrínseca dessa forma social.

Nesse momento de crise crônica, insolúvel nos limites dessa forma de produção, o que se observa são os países mais bem posicionados transferindo para os mais frágeis suas dificuldades. Os países centrais da Europa sacrificando até o limite da sobrevivência os países periféricos e seus próprios cidadãos. A “retomada” da Americana do Norte corre em paralelo com o agravamento da crise na América Latina e, em particular, no Brasil(3). A exceção são os países que funcionam como extensão da economia americana.

A China enfrenta dificuldades que deve se agravar em médio prazo com o colapso do circuito de comércio deficitário que mantinha com os EUA e as questões internas relacionas com capacidade instalada, bolha imobiliária e um sistema financeiro vergado pelos créditos podres. As indústrias americanas aí instaladas para exportação fazem um movimento inverso. As condições agora oferecidas, considerando ainda distância, logística, e a mudança do patamar salarial, já não mais atraem os exportadores. Estes preferem no momento voltar ao solo pátrio onde lhes são ofertadas vantagens de toda ordem além da tecnologia disponível.

A crise, que se move em ondas gigantes, sem temer obstáculos que lhe queiram imprimir os gestores do capital e a falácia política, atinge agora perigosamente os BRICS e os países correlatos do chamado mundo subdesenvolvido. Portanto, as ondas do tsunami que teve início com os potentes tremores nos centros financeiros mundiais, após as destruições deixadas em solo americano, percorrem a Europa e satélites, e agora invadem sem dó os países periféricos do capitalismo global. Para os desavisados que acham que tudo está na iminência de ser resolvido, é bom lembrar que são sete anos de destruição e violência sem trégua.


31.01.2013

domingo, julho 28, 2013

O infantilismo faz nas ruas seu espetáculo

Rall

A insatisfação difusa e a violência institucional ao reprimir as manifestações pelo passe livre levaram as massas às ruas. As novas tecnologias de informação foram os meios que permitiram a comunicação entre as pessoas, garantindo a mobilização. Há, principalmente entre os jovens, uma gama de insatisfação acumulada impossível de ser respondida pelo o institucionalizado, mesmo porque, uma das principais é contra as instituições erigidas pela democracia burguesa para dar sustentação ao capitalismo. Sem esse pano de fundo que leva a inquietação, e que só deve crescer com a intensificação da crise global do capitalismo, não haveria mobilização.

Essa insatisfação, no entanto, permanece na superfície dos fenômenos gerados pela sociedade produtora de mercadorias. Há uma crença ingênua de que as instituições são passíveis de mudanças, corrigindo-se os rumos que tomaram ao serem apropriadas por indivíduos gananciosos. Aí está um grande equívoco que merece ser discutido. Pois, ao contrário do que se pensa, essas instituições que dão sustentação a sociedade que persegue a "valorização do valor" (Marx) como um fim em si, funcionam sobre a ação do "sujeito automático” (Marx), que foge ao controle das vontades. Isso, no entanto, não exime o indivíduo de responsabilidades, pois mesmo dentro dos limites do agir impostos pelo mundo fetichizado, opções que envolvem a consciência podem ser feitas.

O indivíduo ao vir ao mundo, mergulha num "substrato" que passa ser interiorizado nas  relações mais íntimas, familiares ou não, nas escolas, nas ruas, nas mídias e nos produtos da indústria cultural. Assim, sob violenta coerção, vem sendo há séculos socializados para o mercado e para o Estado. E o que compõe esse "substrato"? O núcleo duro da lógica do valor e da dissociação, que se busca amaciar com alguns floreios éticos de resultados duvidosos. Esse "substrato", impregnado de ideologias sustentadoras e justificadoras da ordem existente, que procura polir as iniquidades mais gritantes com discursos vazios, tem no aparelho do Estado financiado pelo setor privado seu principal alimentador. Este se esforça para, pelo menos na aparência, se colocar como árbitro acima dos conflitos.

O Estado tem na mídia o seu mais forte aliado, tanto na transformação das contestações do sistema em seu contrário, como na justificativa da repressão. Nesse jogo de domar e reprimir, a história das lutas sociais mostra-se cheia de "a favor do contra". O que agora observamos nas ruas, são grupos que saem armados, não para enfrentar a repressão, mas para depredar sobre o olhar passivo da polícia que tem estratégias muito bem definidas. Com isso prestam dois grandes serviços: um a repressão, pois assim pode justificar perante a população a violência contra o movimento quando acharem necessário; outro, aos que querem esvaziar as manifestações pelo medo, incluindo-se aí os governos, políticos e a mídia.

Esses grupos, formados de mônadas isoladas, geralmente infestados de provocadores e de agentes do aparelho repressivo, carregam um antissemitismo estrutural que vê na expansão do capital financeiro não um subproduto da crise geral da acumulação real, mas o bode expiatório dos males da sociedade. Não é a totalidade capitalista que combatem e nem sequer seus efeitos mais perversos. Desarmados teoricamente, onde a verdade restringe-se aos seus microcosmos empobrecidos, utilizando-se de um raciocínio simplificado e redutor, agem  desviando o foco das lutas incipientes por reivindicações imediatas, sem, no entanto, contribuir em nada para uma crítica radical e a formação de uma consciência crítica.

Provocam com a violência tolerada, o refluxo do movimento que a repressão institucionalizada com todo aparato disponível não consegue. Como nas lutas sociais não se permite inocência, isso terá um preço: logo veremos se serão agraciados pelo sistema pelo trabalho consciente ou inconscientemente prestado, ou se serão isolados a tempo pelo movimento. Para enfrentar as dificuldades internas e avançar, movimentos como o que vivenciamos, carecem de elaborações teóricas sobre os rumos a serem seguidos(1) e se organizarem conforme as questões são postas no momento da história.


28.07.2013

domingo, julho 14, 2013

As manifestações no Brasil e a crise do capitalismo

Rall

As manifestações de rua têm sido explicadas comumente como sendo protestos por mais democracia, ou seja, participação direta do povo nas decisões de governo. Aqui no Brasil, fala-se também na não polarização da política, pela tendência do partido que está no poder fazer amplas alianças em nome da governabilidade, que termina mascarando os interesses divergentes da vida real. Com isso os partidos estariam renunciando representar os segmentos sociais em troca da proximidade e benefícios do poder. Numa aliança sem oposição, blindam o sistema contra o movimento social, visto como intruso e desestabilizador dos interesses partidários. Os indivíduos, inseridos na diversidade social, não se sentindo representados levam as ruas suas demandas e contestam os partidos, os sindicatos e outras instituições. É assim que o movimento vem sendo de um modo geral olhado. Sem pretensão de querer esgotar a matéria, algumas questões merecem ser consideradas além da aparência imediata.

A primeira, por que esse apagar das diferenças na política partidária? Estará relacionada com a forma de como a política é desenvolvida aqui? Ora, a redução da distância entre os partidos não é um fenômeno brasileiro, vem sendo observado em todo mundo. É só ver as alianças na Itália, aonde o maior partido de esquerda, outrora o maior partido comunista do Ocidente, se junta a triste figura de Berlusconi para governar. Antes eram considerados inconciliáveis. Nos outros países, Alemanha, Inglaterra, França, Japão e EUA, só para citar alguns mais conhecidos, prevalecem um bipartidarismo de fachada. Apesar dos discursos, as diferenças não são impactantes quando olhamos a longo prazo as políticas dos governos de distintos partidos. A não polaridade observada aqui prevalece também lá, mesmo com os partidos não se aliando formalmente ao se revezarem no poder. Se polaridade na política é entendida como a possibilidade de mudanças reais, as diferenças, mesmo nas margens partidárias, são imperceptíveis para esmagadora maioria da população.

A segunda, como os partidos se comportam frente ao Estado ao assumir a função de governo? Antes de qualquer ação efetiva, os partidos se deixam encantar pelo poder do grande Leviatã. Dependendo da cor da bandeira digerida, o monstro disforme estende os seus tentáculos à esquerda ou à direita, não importa. Continua, porém em marcha batida sem se preocupar como é alimentado. Não existe outro Estado que não o Estado Moderno capitalista que se constrói e se metamorfoseia na sua relação contraditória com o todo social. Quando no poder o discurso ideológico dos partidos de esquerda é estraçalhado ao se confrontar com essa brutal realidade. E ao insistirem nele, o que aparentava coerência quando oposição soa dissonante e degenerado. A tendência é uma rápida perda da credibilidade. No atual estágio de dissolução do capitalismo, transformam-se em zelosos administradores dos interesses do capital. Não podia ser diferente, pois um não sobrevive sem o outro.

Quando o capitalismo atinge o limite absoluto, as instituições criadas para garantir o funcionamento dessa forma social passam a não responder, seja na condução da economia, seja para mitigar os efeitos desastrosos sob as condições de vida. Daí a percepção, ainda que difusa e não de todo consciente, de que os partidos políticos, os sindicatos, a justiça, a infraestrutura, o transporte, a educação, saúde e outros setores que desempenham as chamadas funções de Estado, não mais funcionem ou funcionam precariamente. O discurso ideológico que quer separar o Estado do mercado não enxerga que ambos são partes da mesma totalidade, a sociedade produtora de mercadorias. Foram construindo-se e redefinindo-se nos momentos de bonança e crise, numa relação íntima, mesmo nos momentos em que o primeiro parece soberano e ganha certa autonomia. A separação formal que se faz é uma abstração, pode levar partidos e movimentos ao auto-engano, acreditando no Estado enquanto um ente que pode se descolar das relações capitalistas e fazer a revolução. 

Indicadores de que o capitalismo enquanto modo de produção de "valorização do valor” (Marx) como fim em si mesmo, falha em seu objetivo em função da revolução tecnológica que racionaliza trabalho, levando a uma progressiva redução da substância social do valor, é a necessidade crescente de endividamento das empresas, pessoas, estados e a geração em grande volume de capital fictício pelo mercado e pelas políticas de estímulo a economia. Com o espasmo da crise em 2007/2008(1), os estados que teoricamente deveriam zelar pelas finanças, ultrapassam todos os limites e passam a imprimir dinheiro sem nenhuma relação com a produção de riqueza. Conclui-se então, que os juros artificialmente baixos, o endividamento, as bolhas e os outros produtos da especulação financeira como fontes de geração de dinheiro sem substância, já não eram suficientes para manter a economia artificialmente em movimento e financiar as contas públicas. 

A crise estrutural do capitalismo é sentida pelos sujeitos de diversas formas, independente da inserção social. Os melhores informados e bens posicionados nas instituições  e empresas passam então a administrá-las em função de interesses próprio, fazendo com que estas passem a girar em torno destes. As formas de pagamentos por bônus aos executivos que não se consegue regular, como prêmio por desempenho, é um exemplo de como se tende a desconsiderar os riscos quando se trata de defender esses interesses. Os negócios privados incrustados no aparelho de Estado, quando convertidos em escândalos pela grande imprensa, manifestam bem a dimensão da crise. A  indignação dos punidos, quando muito raramente tem que pagar por envolvimentos, mostra o quanto está naturalizada essa ralação. Reagem como se lhes tivessem usurpado algum direito e como se perguntassem por que eles se todos fazem a mesma coisa. Quanto a isso não deixam de ter razão. A morte do aparente “homem público burguês”, sem deixar memórias da sua efêmera passagem, é mais uma prova de que as instituições criadas para dar sustentação ao capitalismo e mediar a feroz competição, entraram em colapso com a crise global e estimula todo tipo de comportamento.

Nos momentos mais agudos das lutas por reivindicações específica das classes ou grupos sociais, o Estado coloca-se na condição de guardião da ordem, mas simultaneamente, através de setores especializados, procura criar condições para que a energia liberada reforce a forma social. A indústria cultural, principalmente a mídia televisiva, agindo em sintonia com outros aparelhos no controle social, busca transformar protestos em espetáculos, onde desfilam para o consumo de passivos espectadores bandidos (os cognominados de vândalos) e mocinhos, como visto nas manifestações mais recentes. Para ficar mais emocionante, liberaram seus atores para compor linha de frente dos que eles queriam transformar em mocinhos. É preciso separar o espetáculo midiático ideologizado a serviço do sistema do que de fato se quer nas ruas, para melhor entender o que se passa.

O conflito entre o discurso que procura dar forma à falsa consciência e a realidade dos fatos é percebido e têm levado as pessoas espontaneamente as ruas que, muitas vezes, além das reivindicações concretas, se manifestam com desaprovações moral. Este nexo entre as instituições em crise e a crise de acumulação do capital com seus efeitos colaterais no social, é um fato real e não moral que precisa ser discutido e desvendado pelo movimento. Portanto, qualquer saída que busque  reforma do instituído, que não discuta a possibilidade de construção de um mundo diferente do totalitarismo do mercado e de opções totalitárias do Estado, é pura ilusão. Os políticos  para se manterem no poder, já tomaram a dianteira e discutem em seus partidos, no executivo e no parlamento mudanças para que tudo continue como está. No entanto, o retumbante fracasso da manifestação “chapa branca” organizada e paga pelas Centrais Sindicais e seus partidos, mostra o que já se sabia: há muito ficaram para traz e agora foram suplantadas pelo movimento espontâneo que tomou as ruas. A ponte que essas entidades e tantas outras achavam que faziam entre os movimentos sociais e o poder, amortizando com manobras as lutas quando lhes interessavam, foi definitivamente rompida, o que deverá dificultar a adesão a qualquer coisa que venha ser aprovada por se ter ouvido a “voz da rua”.

(1) A retração da economia e a destruição de empregos
14.06.2013

sábado, julho 06, 2013

Olhando para os eventos no Egito em busca de reflexões


Rall

‘Na unilateralidade de afeto e emoção reificadas
Por frias normas sem ouvido pra’ belas canções
A morte do humano em trombetas é anunciada
E logo só nos restam fragmentos de sensações ‘.



"É preciso ficar claro que a derrubada de Mubarak, mesmo que haja eleições livres e limpas, ainda uma dúvida, não significa nenhuma “ruptura com o contínuum da história” (Walter Benjamin). As formas de dominação e sofrimentos poderão perpetuar-se e dificilmente haverá solução para o desemprego, cuja tendência é acentuar-se com a crescente automação da produção. A rebelião, porém, consolidando-se como movimento de resistência ao que está aí, tem importante papel ao tirar debaixo do tapete, forçando uma pauta, questões que incomodam os gestores da crise do 
capitalismo*”.

Os riscos estavam presentes nas primeiras barricadas do movimento dos jovens egípcios. Era de se esperar, a não ser a partir das análises obtusas à direita e à esquerda, que a rebelião no Egito poderia abortar. Antes mesmo das eleições, não havia expectativas, e nem se quer discussões sobre a crise global da qual essas rebeliões são filhas, que não restringisse as opções a uma teocracia religiosa no comando do Estado ou a volta da ditadura com o apoio do exército, agora clamada nas ruas pelas massas decepcionadas.

É o que de fato observamos. Primeiro, a teocracia eleita fracassou miseravelmente na tentativa de resolver os graves problemas sociais e econômicos desse País, com filantropias e medidas repressivas, principalmente contra as mulheres, em nome do Islã, como forma de esconder a sua incapacidade de resolver os problemas. Segundo, as manifestações puxadas por uma classe média laica empobrecida, pede agora o exército de volta ao poder.

Como fracassou o regime teocrático, pois não tinha respostas de como atender as mais elementares demandas da população, deve fracassar o regime agora sustentado pelo exército, que mais tarde ou mais cedo deverá usar as forças das armas para reprimir o movimento. As lutas que hoje se travam nas ruas, mantendo-se limitadas as questões do cotidiano que de forma alguma pode deixar de ser desconsideradas, não romperão os limites impostos pela gestão autoritária do capitalismo em crise.

O exemplo do Egito deveria servir para uma profunda reflexão dos movimentos em todo mundo, em particular no Brasil. Não bastam as lutas pelas questões imediatas ligadas a sobrevivência das pessoas piorada com a crise. É importante que se discuta como sair da crise olhando além da sociedade produtora de mercadorias, mesmo sabendo-se das implicações e das enormes dificuldades de se transcender criticamente esses limites. Manter-se nos problemas imediatamente sentidos é pactuar com os que não desejam mudanças profundas e aceitam que o sofrimento das pessoas e a barbárie tendam aumentar com as saídas até agora propostas, que beneficiam uma minoria inexpressiva no comando da economia e do Estado, como mostram as análises mais responsáveis. 


06.06.2013

domingo, junho 30, 2013

A estratégia do poder é tomar a dianteira do movimento para melhor controlá-lo

Rall

Depois do susto das ruas, o governo e os partidos políticos buscam tomar a dianteira do movimento se articulando com as instituições-satélites. Apesar da posição defensiva frente ao movimento e algumas afirmações maldosas, as centras sindicais, levantam a bandeira de manifestações (não mais uma greve geral), e de uma marcha até Brasília. Não esperem queda da Bastilha, mas uma grande mesa de negociação, com direito a farta exposição à grande imprensa, quando será anunciado o atendimento a um grande número de reivindicações previamente acordada. De lá deverão sair o líder dos movimentos produzidos pelo poder instituído, com quem os governos poderão "negociar" sem medo, pois tem cara, nome e domicílio. Não é  a massa amorfa que a cada ocupação das ruas fica mais compacta e assusta, pois não se sabe de onde veio e para onde quer ir sem lideranças e com infinitas reivindicações.

É importante que se entenda em que contexto as centrais querem por o bloco na rua. Partidarizadas, acordam de um longo sono com o barulho das ruas e, meio que sem jeito, são empurradas pelos partidos irmãos para salva a situação. Mas hoje há uma diferença muito grande entre o que os dirigentes articulam em gabinetes e suas bases carentes de lutas. Neste ato, não estarão mobilizando os trabalhadores para um show-comício com distribuição de prêmios e falas ocas, em um espaço controlado. Nas ruas, as palavras de ordem pode ganhar um sentido que não se queria dar e a massa posta em movimento pode seguir um caminho diferente do previamente traçado. Não acho que essa carona deva ser hostilizada. Acredito que o movimento pode mobilizar para mesma data, como espontaneamente vinha fazendo, engrossando sem confronto o caldo dos que neste dia vão as ruas, mas sem abdicar das posições conquistadas.

As  centrais sindicais vão ter muito recurso para esse evento. Provavelmente água, seguranças prontos para agir contra os mais afoitos, carros com sons potentes  para inclusive abafar palavras de ordem hostis a ordem estabelecida. Tudo pago pelo imposto sindical, outrora tão criticado por garantir a continuidade de pelegos nas direções dos sindicatos. Essa relação tão estreita com o poder, inclusive a cobrança pelo Estado desse imposto dos trabalhadores e repassado as centrais e sindicatos, faz dessas organizações entidade quase-estatais. Aliás, uma boa ideia para este dia é o movimento recobrar a palavra de ordem pelo fim do imposto sindical, excrescência da ditadura de Vargas, antes tão em moda nas oposições sindicais e hoje situação, bandeira agora enterrada como se enterra um produto radioativo pelos seus próprios formuladores para o resto da vida.

Os sindicatos e suas entidades maiores, já nasceram no Brasil amarrados à lógica das políticas autoritária do Estado, que pretendia arbitrar e "harmonizar" os conflitos trabalhistas. A subsunção do trabalho ao capital é completada com um arcabouço jurídico que regula as relações de compra e venda da força de trabalho. A chamada justiça do trabalho foi criada com essa finalidade. É impossível admitir a existência de "liberdade sindical", mesmo nos limites do campo de opção dado pela sociedade capitalista, considerando  todo emaranhado de leis tecidas em nome da "paz social" para administrar a ação, e a cooptação forçada das entidades que, para sobreviverem, dependem de um imposto cobrado arbitrariamente dos trabalhadores, sindicalizados ou não, além de outras benesses estatais. Tudo leva a uma acomodação burocrática.

A perda de autonomia dos sindicatos aumentou na medida em que de "correia de transmissão" como antes já funcionavam, atrelaram-se em definitivo aos partidos políticos, aprofundando sua dependência ao poder estatal e as políticas por este traçado após o fim da ditadura militar. Isso faz uma grande diferença entre a autonomia do movimento que tomou as ruas, que busca independência do Estado, dos partidos políticos, das direções verticalizadas das entidades atreladas e que tem o apoio 81% dos brasileiros (Folha de São Paulo - 29.06.2013), do que querem as centrais sindicais com sua mobilização retardatária. No entanto, pode o movimento responder nas ruas a esse chamado, mobilizando com intensidade e alegria, com autonomia e sem violência, organizando-se horizontalmente a partir dos vários pontos das cidades, mas não permitindo que sua energia criadora seja usurpada por organizações burocratizadas, cujo desejo em consonância com os partidos e governos é de "que tudo deve mudar para que tudo fique como está” *.

*Il Gattopardo, de Giuseppi Tomasi Di Lampedusa


30.06.2013

domingo, junho 23, 2013

Rastro de fogo que não se apaga*

Rall

As ruas continuam sendo ocupadas agora por jovens e adultos. Num sentimento difuso de insatisfação nunca visto nesse País, os jovens pressionam os pais para que sigam o mesmo caminho. Muitos terminam aderindo por convicção ou medo de deixa-los sozinhos na multidão. E o que ouvimos das pessoas próximas, mesmo aquelas mais pacatas e, como diríamos, poucas chegadas a qualquer outra discussão que não seja relacionada a seu mundo familiar, é que é preciso fazer alguma coisa para mudar o rumo da história. O que ouvimos empiricamente é confirmado nas pesquisas de opinião que mostram um poio de até 72% as manifestações.  Apesar dos vários motivos que tem levado o apoio e a adesão tão maciça as ruas, há um eixo comum que é o repudio as formas políticas e a sensação da incapacidade do institucionalizado resolver os problemas deixados no rastro da crise global.  

O movimento pelo passe livre e a repressão policial nas primeiras manifestações, foi só a fagulha que incendiou este País dos grandes centros urbanos a mais pacífica vila do interior. Há muito que esse combustível foi consumido. A maioria esmagadora que hoje sai às ruas nem se quer sabe da existência desses ou daqueles grupos. Sai às ruas por que querem manifestar sua indignação, por não mais aceitarem a mediação dos políticos, dos grupos, dos que se acham donos dos movimentos e da opinião alheia e tentam canalizar a explosão de energia para acumular poder. Por outro lado, vê-se que a imprensa e o Governo forçam o estabelecimento de “porta-vozes” como forma de domar o movimento. O que diferencia esse movimento dos outros e garante uma energia crescente que a todos contamina é a espontaneidade e a horizontalidade.

Por outro lado, para que ele resista ao embate com as forças repressivas, que sentem ameaçada suas supostas lideranças, inclusive os grupos que gostam de se apropriar e aparelhar os movimentos segundo seus interesses, é necessário aprofundar a organização horizontal, com discussões nas escolas, nos bairros, nas empresas, buscando aonde for possível às formas mais direta de participação, e que se aprofunde o entendimento do que têm levado as pessoas às ruas. Encontros já vêm acontecendo em vários lugares, mas parece ainda restrito aos momentos de elaboração de cartazes e outros materiais de difusão das manifestações. O meio disponibilizado pela tecnologia de informação, permitindo a comunicação entre as pessoas em tempo real, tem funcionado como um tremendo facilitador na implementação das organizações horizontalizadas.  

O movimento vem apresentando uma grande resistência ao mandonismo dos que se acham no direito de conduzi-lo, ou seja, a todo tipo de autoritarismo tão arraigado à sociedade brasileira e as práticas políticas. As reações negativas aos partidos políticos começam a ser taxada por certos grupos com interesse especifico como “reacionária,” numa tentativa de reprimir e por na defensiva a grande massa portadora desse sentimento. Toda e qualquer manifestação de violência deve ser contida e condenada. No entanto, o que se observa é uma repulsa a esse tipo de organização, própria da sociedade burguesa, que já não consegue dar resposta às demandas sociais e vem perdendo rapidamente sua legitimidade enquanto representante dos interesses da sociedade e dos anseios por mudanças. É isso que os partidos de esquerda e seus grupos satélites querem negar.  Sem nenhum auto-questionamento das suas práticas políticas, resmungam contra a direção tomada pelo movimento e se isolam sem nada entender.  Mas, o impacto do real é muito mais transformador nas cabeças das pessoas do que o engodo contido nos discursos vazios.

Porém, não podemos deixa de reconhecer que os impulsos espontâneos das massas não se sustentam por muito tempo e o movimento ou parte deste, pode ser acoplado a elementos regressivos, sob pressão do “sujeito automático” (Marx), se se mantém à superfície do cotidiano das pessoas. O aprofundamento das discussões, a apropriação dos conhecimentos necessários ao entendimento da realidade em crise, o rompimento das dicotomias entre os que pensam e os que fazem na prática política e a organização interna ascendente é importante para que o movimento prossiga e alcance novos patamares. É possível ensaiar a construção coletiva do conhecimento e da ação, da práxis que transcenda as reivindicações mais imediatas e questione a socialização capitalista. Essas questões não estão postas no momento atual do movimento, cuja consciência obnubilada da crise do valor manifesta-se em um indefinido mal-estar social.

* Tomei emprestado o título de uma citação em um dos romances de Don DeLillo, se a memória não me falha, ou de outro autor.  

23.06.2013

quinta-feira, junho 20, 2013

Quando as ruas são ocupadas

Rall

As manifestações nas ruas de São Paulo apontam para um distanciamento da forma tradicional de se fazer política. A retumbante vaia, na última segunda-feira, dirigida a um pequeno grupo que portava bandeira de um determinado partido de esquerda, é a expressão de um sentimento de descrédito em relação aos partidos e repúdio a política, sentimento que vai além dos que estavam na manifestação. A percepção de que os partidos, não importa a cor, quando no poder abandonam suas bandeiras transformadoras ou não, e passam a síndicos da burguesia e administradores da crise socioeconômica, girando e manipulando em torno de seus interesses excludentes em relação ao conjunto da sociedade, difunde-se rapidamente principalmente entre os jovens. O movimento que se articula em claro confronto com as formas ardilosas das políticas partidárias, deve estar pondo a velha esquerda em pavorosa ao sentir o mar, que antes navegava e manipulava a vontade, revolto e sem controle.

A credibilidade dos políticos e seus partidos, em baixa há muito tempo, não mais se sustenta com a crise que escancara a impossibilidade desta forma de organização enfrentar novos desafios que exijam respostas  fora das fronteiras da sociedade produtora de mercadorias. O jogo jogado no espectro direita/esquerda sempre se deu nos limites da sociedade capitalista, mesmo considerando as diferenças de atuação. Quando a margem de manobra se estreitou, por ter a lógica interna do capitalismo atingido o limite absoluto, os partidos, que nasceram umbilicalmente ligados a essa forma de produção, com ela entraram em crise. O que observamos nos movimentos sociais que ressurgem, é uma salutar desconfiança em relação a esse tipo de organização e a contestação da sua legitimidade enquanto meio de expressão dos desejos de transformação que assolam o mundo.

É muito comum ouvir-se que esses movimentos não apresentam um projeto claro de mudança. Não poderia ser diferente. Qualquer tentativa de direcionar o movimento para este ou aquele caminho deve ser visto no mínimo com cuidado, pois, sem um amadurecimento, pode desembocar no mesmo beco sem saída dos partidos políticos. A resistência ao desmantelamento dos serviços de saúde, educação, previdência social, transporte etc, que se apresenta como reivindicações pontuais do movimento, pela melhoria da qualidade e mais serviços gratuitos, apesar de insuficiente enquanto crítica social mostra-se mobilizador. No entanto, a crítica radical as categorias do capitalismo deve sim vir acompanhada das lutas, se o que se deseja são mudanças reais, ou ela se esgotará em si mesma, frustrando as expectativas.

Esse é um bom momento para rever-se o equívoco da esquerda tradicional que confunde estatismo com socialismo. Clarear a função do Estado Moderno na sociedade capitalista e a relação deste com o mercado como partes de um todo indissoluvelmente articulado. O Estado teve um papel fundamental na consolidação do capitalismo. Na acumulação primitiva era o Estado que mandava seus exércitos e armadas expropriarem e saquearem. As sangrentas guerras coloniais, tão importantes na expansão global do capitalismo, foram promovidas pelos estados nacionais colonialistas. A  concorrência entre estados/nações pela riqueza disponível que normalmente desembocava e ainda desemboca em guerras, a competição entre empresas, da mesma forma que as lutas do movimento operário, foram os principais motores que impulsionaram os avanços das ciências e a revolução tecnológica, aumentando a produtividade e criando condições para se superar o modo de produção capitalista. Pode se dizer que o Estado foi moldado pelas lutas sociais e até chegou ao Estado de Bem Estar Social em muitos países. Porém, é nos interregnos da bonança que o Estado mostra sua verdadeira face. Na crise atual, nunca houve tanto dinheiro, mesmo que seja fictício disponibilizado pelos estados e seus bancos centrais para os setores privados, enquanto os gastos sociais minguam. E aí não se faz diferença entre países ricos e pobres.

A mobilização, ajudada pela tecnologia de informação e pela repressão policial, mostrou que existe uma energia no ar com potencial transformador e poder de expansão. Porém, movimento para se sustentar vai depender de seus erros e acertos. É difícil traçar caminhos. Os movimentos sociais geralmente ganham dinâmica própria. Isto não quer dizer que não se faça sentir as ações de indivíduos ou, principalmente, de grupos organizados que muitas vezes tentam canalizar a energia mobilizada para seus objetivos. Se não podemos predizer o comportamento dos movimentos sociais, é possível, porém, refletir sobre o que pode levar um movimento refluir. A paciência que as pessoas tiveram ao suportar o trânsito infernal, por exemplo, pode transformar-se em impaciência e resistência. Logo, as passeatas quando banalizadas podem perder apoio e força, desgastando e isolando o movimento da população, que deve ser vista em perspectiva como a grande aliada. Qual o limite? Difícil dizer. É importante buscar outras formas de mobilização e diversificar. Outro problema são as ações que destoam do movimento levadas a efeito por grupos organizados. Tendem ser espetaculares, geralmente com fins bem definidos,  buscando mobilizar a atenção da grande imprensa e de parcela do movimento. As provocações visando desestabilizar e isolar não pode deixar de ser consideradas em qualquer manifestação. O aparelho repressivo é mestre neste jogo.

As manifestações podem se esgotar com o atendimento de reivindicações mais imediatas. Tanto o Estado e seus órgãos repressivos, como o próprio movimento, podem passar a impressão que as questões se resolveram aí. Isso pode ter duas consequências: se as reivindicações foram atendidas e o movimento continua, fica mais fácil justificar a repressão junto à população. Por outro lado, o movimento pode esvaziar-se ao limitar as expectativas às questões mais pontuais, como por exemplo, a redução das tarifas dos transportes coletivos que podem ser atendidas. É preciso transformar as reivindicações das questões que mobilizam em "gancho" para aprofundar a discussão da crise do capitalismo, as sequelas sociais daí advindas, e como ultrapassar os limites do campo delimitado pela sociedade produtora de mercadorias e suas instituições para superar o momento atual. O caminho em direção as reais mudanças que ainda não está dado é longo, exige determinação, paciência e solidariedade.



20.06.2013

sábado, junho 01, 2013

Notas sobre a crise e emancipação

Rall


1. A finalidade do processo de produção capitalista é a produção de mais valia para o capital. Não a produção de valor de uso para atender necessidades. A utilidade da mercadoria é marginal e subordinada a “valorização do valor”. Não se produz o que não dar lucro, por mais útil que seja o produto. No processo de produção absorve-se mais trabalho do que foi comprado. A absorção do trabalho vivo não pago pelo trabalho morto, adicionando mais valor, é o objetivo da produção capitalista. No capitalismo, portanto, trabalho produtivo é aquele capaz de “adicionar valor ao valor antigo”, num processo contínuo de valorização do capital só interrompido pelas crises. A revolução tecnológica da microeletrônica, que tem levado a automação da atividade humana, dispensando o uso da força de trabalho na produção de mercadorias, reduz a geração global de mais valia e, consequentemente, o stock de capital "real", uma inversão da lógica interna do capital.

2. A onda de terceirização surge como forma das empresas se livrarem do trabalho improdutivo e dos setores meios, permitindo que estes setores em mãos de terceiros, constituídos em empresas, tornem-se produtivos no sentido de produzir mais valia. A possibilidade de trabalhadores transformarem-se em patrão de si mesmo foi enaltecida nos quatros cantos do globo por décadas como defesa da desregulamentação das relações de trabalho e da terceirização. No entanto, a relação de trabalho continua existindo entre o trabalhador considerado “autônomo” e a grande empresa; a compra da força de trabalho se realiza com a formalização de um contrato onde a responsabilidades sociais deixam de existir. A terceirização é uma forma experta de se intensificar a produção de mais valia, inclusive absoluta, sempre acompanhada de precarização do trabalho. O trabalhador desregulamentado nunca se libertou da relação com o capital, pois sua autonomia limita-se em vender sua força de trabalho na condição de “autônomo” ou ser contratado por empresas de serviços terceirizados onde os salários e condições de trabalho são degradantes. Na luta pela apropriação de parcela da mais valia social, as empresas detentoras de marcas ou que centralizam a produção, impõem às terceirizadas e suas condições e preços. Estas por sua vez, tentam manter a rentabilidade sempre negociando para baixo o valor da força de trabalho.    

3. A fórmula neoliberal da terceirização, não se revelou o Santo Graal da retomada da economia como se vaticinava. Deixa-se agora com o Estado e o mercado a função de estimular a economia, através geração crescente de capital fictício pelos mais variados mecanismo, onde se inclui o crédito ao infinito, as mais diversas formas de "inovações" e especulação financeira, e a pura e simples impressão de dinheiro sem substância de valor, que necessariamente desembocam em bolhas. As crises financeiras instalam-se em tempos cada vez mais curto e com dimensão cada vez maior, sem o controle dos governos e dos mercados apesar da aparente regulação, como forma destruidora do capital financeiro excedente. As crises financeiras tendem a se alastrar, atingindo a economia real, principalmente os setores aonde o capital fictício é mais fortemente reciclado. A tendência é, portanto, com o aumento da frequência dessas crises, a paralisia regressiva da totalidade da economia mundial, cuja manifestação assimétrica causa euforia e depressão expressadas nas análises bipolares dos analistas econômicos burgueses.

4. O excesso de capacidade instalada e superprodução de mercadorias, outra faceta da crise, acirra a concorrência global. Os países melhor posicionados quanto à capacidade de impor preços, rotulados como competitivos, mesmo à custa de salários miseráveis quando comparados aos demais, e que utilizam uma gama de incentivos para suas empresas exportarem, tendem a desbancar os demais do mercado internacional numa concorrência sem trégua, levando a desindustrialização de vastas regiões e Continentes, ao despejarem aí mercadorias baratas e sem concorrentes. É o caso da China em relação principalmente aos países em desenvolvimento, que são rebaixados a condição de fornecedores de matéria prima da "fábrica do mundo".

5. Pelo lado dos países ditos desenvolvidos, os EUA vêm adotando uma política de "reindustrialização", com incentivos e pesados investimentos em tecnologia, como forma de reverter os circuitos deficitários e sair da crise. O repatriamento da manufatura não traz de volta os empregos como muitos esperam, ao contrario, ao saírem de regiões onde se faz uso intensivo da força de trabalho, reinstalam-se com uso intensivo de capital fixo, dispensando a força de trabalho(1). Quando observado globalmente, no balanço geral há aumento da produtividade e redução do trabalho empregado. O País torna-se competitivo, mas tendem a reduzir ainda mais a massa total de mais valia, ou seja, a valorização global do capital pelo fechamento de postos de trabalho em outros países. O Brasil e semelhantes, que há pouco tempo atrás eram vistos como motores auxiliares da retomada do crescimento, derrapam feio com um PIBs medíocres. O que era esperança para os países em recessão, principalmente na Europa, agora vira problema, pois tendem agravar a conjuntura.

6. As formas de trabalho humano nos recantos do mundo já não escapam mais a subsunção ao capital. Por outro lado, o trabalho torna-se cada vez mais supérfluo com as novas formas de produção que utilizam máquinas e equipamentos com grande densidade tecnológica. Chama atenção como a administração familiar ao longo dos anos vem sendo rapidamente varrida das empresas em todo mundo, para dar lugar a uma administração 'profissional' que se ajuste a uma competição feroz e crescente do capitalismo em crise. Portanto, já não é mais supérflua só a força de trabalho dos trabalhadores desempregados, mas também dos capitalistas da administração familiar não adaptados aos novos tempos de fazer dinheiro com rapidez e a qualquer custo, ou os que administram empresas com recursos insuficientes para investimentos em tecnologia e gestão quando se tem que  lidar com a velocidade estonteante do capital financeiro metamorfoseando-se nos mercados.

7. No momento em que Marx dissecava a lógica interna do capital, ainda se preservava algumas formas de produção artesanal ou pré-capitalista. A medicina, o ensino, a arte e outras formas de produção autônoma que pareciam resistir ao tempo foram empresariadas. Mesmo o mais singelo consultório, ou o mais animado artista de rua, estão umbilicalmente ligados à geração de valor e, em última instância, na sua relação com o todo da sociedade capitalista, de fazer dinheiro, não importa o serviço que estão a oferecer ou a qualidade da arte que se propõe a expressar. Nada hoje escapa a lógica do valor, nem as mais santas cabeças. Já nascemos imersos nesse substrato que invade e domina nossas mentes, define nosso jeito de ser apressados atrás do dinheiro, transformando-nos em zumbis do valor. Emancipar é nos libertar, num esforço coletivo, dessa situação que nos aprisiona.

8. A emancipação passa pelo despertar desse sono letárgico em que os humanos foram lançados, embalados pelo desejo de acumulação de riqueza abstrata. Esse despertar pode ser os primeiros passos para saída da crise, que não podem ser dados sem buscar a emancipação. O impasse entre essa possível saída e o aprofundamento da crise, se duradouro, pode jogar homens e mulheres em décadas ou séculos de horrores, impossível predizer. Por outro lado, o tempo para conter a velocidade dos espasmos destrutivos da economia capitalista e as mudanças climáticas advindas da lógica dessa forma produção, vai se encurtando. Buscar sair da crise em direção à emancipação é lutar para deixar de ser zumbi da coisa-mercadoria, coisa-dinheiro, domar a produção desencantando o seu produto para que de fato possa atender as reais necessidades das pessoas em equilíbrio com a natureza.

01.06.2013

quinta-feira, janeiro 24, 2013

Além da sociedade produtora de mercadorias

Breve análise do artigo “Além da conjuntura” de André Lara Resende*

Rall

O artigo do economista André Lara Resende, com o título  "Além da conjuntura", publicado no Jornal Valor Econômico de 21/12/2012, merece considerações por tratar de uma questão que é tabu entre os articulistas  e os formuladores de política econômica: o fim do crescimento nos países do centro do capitalismo. Apesar da erudição do analista, que busca a fundamentação em velhas e novas teorias, restringe-se, principalmente, ao estudo de Robert J Gordon, "Is U.S. Growth Over? Faltering Innovation Confronts the Six Headwinds". Gordon, subdivide o período de rápido crescimento em três "revoluções tecnológicas", de 1750 a 1830, marcada pelo motor a vapor e as estradas de ferro; de 1870 a1900, pela introdução da eletricidade, da água encanada e do motor a combustão; de 1960 até hoje, marcada pelas tecnologias de informática.

A partir da subdivisão de Gordon do período de rápido crescimento dos últimos 250 anos, Lara Resende escreve sobre as diferenças do impacto transformador das "revoluções tecnológicas" na produtividade e crescimento, quando comparado às duas primeiras com a última: "O ponto central do argumento de Gordon é que, a partir dos anos 70, quando os efeitos transformadores das duas primeiras revoluções tecnológicas finalmente se esgotaram, houve uma significativa redução do ritmo de crescimento da produtividade. A terceira revolução, a da informática e da internet, que tem início nos anos 60 e atinge o seu auge na última década do, século passado, não teve o mesmo impacto sobre a produtividade. Grandes partes de seus benefícios, a substituição do trabalho burocrático rotineiro pelo computador, esteve concentrada nas décadas de 70 e 80. Desde então deixaram de ter efeito transformador sobre economia." e mais na frente  ... "A dificuldade de crescer das economias centrais não é circunstancial, mas resulta de uma desaceleração tecnológica estrutural"... "As economias avançadas vão crescer muito menos daqui para frente". "A boa notícia é que, com a desaceleração das economias centrais, o processo de convergência das demais será mais rápido. As economias em desenvolvimento, que forem capazes de manter altas taxas de poupança e investimento, deverão alcançar em breve as economias avançadas. A má notícia é que, uma vez alcançada a fronteira tecnológicas das economias avançadas, o crescimento vai desacelerar significativamente." E ainda: "A resposta mais plausível à pergunta de porque se busca sempre mais riqueza, mesmo quando muito além do necessário para satisfazer os desejos mais estapafúrdios, é que não é a riqueza absoluta, mas a riqueza relativa que importa. Não nos basta ser apenas ricos, mas, sim, mas ricos que os nossos pares." Ficamos por aqui pois é o que nos interessa.

É preciso ver algumas destas afirmações com cuidado. Claro, as duas primeiras "revoluções tecnológicas", marcadas pela introdução das estradas de ferro, do motor a vapor, da eletricidade, da água encanada e do motor combustão, segundo Gordon, e por outras tecnologias de produção e gestão do trabalho, estavam levando o básico  às populações, necessário a um conforto mínimo, como água e esgoto para as residências, transportes mais rápidos e mais potentes, meios de comunicação, cultivo do campo dirigido para abastecer as cidades. Gradativamente, chegava a era do consumo em massa de produtos e serviços, antes restritos a muitos poucos, barateados com as novas formas de produção e aumento de produtividade, mas que ainda incorporavam contingentes significativos de trabalhadores à produção capitalista, quando comparado ao capital constante utilizado.

A terceira revolução na divisão de Gordon, relacionada com a informática, teve um caráter mais racionalizador da força de trabalho. A criação de riqueza e ampliação do consumo não ocorreu na mesma velocidade das duas primeiras. As empresas competindo entre si, tendem investir em tecnologia para aumentar a produtividade. Num primeiro momento vantagens competitivas se estabelecem, favorecendo a empresa que fez os investimentos por ter conseguido aumentar a produtividade e vender a preços mais baixos, ampliando o mercado para seus produtos. Mas a tendência são as demais investirem também, restabelecendo o equilíbrio. Esses momentos: concorrência, investimento em tecnologia, produtividade, tende a se repetir e as empresas que não o acompanham cai fora do mercado. Por outro lado, a automação dos processos tende a fechar postos de trabalho, interferindo na formação do valor, fazendo cair a rentabilidade total. A escassez de trabalhadores, que em determinados setores e situações pode pressionar pela adoção de novas tecnologias, não está desacoplada da concorrência global. Em fim, os capitais individuais, confrontando-se no mercado, estão sempre prontos a reduzir os custos da mercadoria força de trabalho através de investimento em capital fixo, máquinas e equipamentos, e redução das despesas com salários. Se considerarmos a produtividade do trabalho como a quantidade de produtos produzidos na fração de tempo, é difícil negar o grande salto na indústria e no campo com a intensificação da cientifização da produção neste período.

A tendência para estagnação dos investimentos na economia real, relacionado com o fraco retorno como afirmado, está diretamente ligado ao recuo do trabalho produtivo, gerador de mais-valia, pelo efeito da revolução científica, principalmente da informática incorporada à produção. Observa-se ainda, a ampliação relativa do trabalho improdutivo que consome e não produz mais-valia. A queda da taxa de lucro e dos investimentos produtivos na economia como um todo, resultado desses dois movimentos, são manifestações da crise de "valorização do valor” (Marx), aprofundada pela rápida automação em decorrência da terceira revolução industrial da microeletrônica e a consequente expulsão da produção da força de trabalho geradora de mais-valia. Não se pode por na conta da queda da natalidade e do envelhecimento da população, como sugerem alguns, a tendência à estagnação dos países do centro, quando se observa um desemprego extremamente alto e crescente entre os jovens e a intolerância à imigração. 

A paralisia no crescimento e a ladeira abaixo dos retornos, não conhecide com as possibilidades abertas pela revolução tecnológica na produção de bens e serviços. Com o crescimento do capital fixo e o aumento da produtividade, o impasse entre os investimentos em novas unidades e a baixa rentabilidade, não pode ser resolvido pela “vontade política dos governantes”. Um sintoma disso é que, em significativos setores industriais americanos, as empresas guardam dinheiro em caixa, mas não investem, apesar do apoio fiscal e financeiro. Mantendo o estado atual, o baixo retorno tende agravar a concorrência global e aumentar a centralização do capital, obrigando as empresa que queiram sobreviver, investir pesado em capital fixo visando à produtividade, aprofundando mais ainda a crise do trabalho, do valor e do dinheiro. Por outro lado, há sinais de que empresas de alguns setores industriais dos países desenvolvidos, principalmente nos EUA, estão investindo, com o apoio dos governos, grandes somas em tecnologia na tentativa de repatriar a produção, o emprego não tanto, perdida para países como a China. Porém, prevalecendo a dinâmica cega, a tendência global é a ampliação do desemprego e o recuo da produção apesar do aumento da produtividade. O efeito transformador da tecnologia sobre economias não rentáveis é assimétrico e poderá ser inclusive negativo.

Há grandes evidências de que a dinâmica capitalista chegou ao seu "limite interno lógico" (Kurz). A crise desencadeada em 2007/2008 não foi "um acidente de percurso", mas um desdobramento lógico-histórico da “autocontradição interna” do capitalismo e de sua incapacidade de crescer infinitamente. Ao atingir este limite, estabeleceu-se uma crise crônica, com momentos agudos que se manifestam em espasmos destrutivos (crises financeiras e de crédito e seus desdobramentos), pois a condição para acumulação do capital é o crescimento econômico agora travado. Ou melhor: a condição para o crescimento econômico é a valorização do capital, só possível pela expansão da força de trabalho. Como sem a valorização não há crescimento, então não se pode falar em “normalidade” nem em crises cíclicas do capitalismo se a tendência estabelecida é da não acumulação.

Para se manter as aparências de funcionamento normal das coisas, estabeleceu-se a partir de mecanismos inventados pelo mercado e Estado, a geração sem precedente de capital fictício, transformando a economia real estagnada na formação de valor em um apêndice deste. O capital fictício, antes fortuito e restrito, purgado nas crises cíclicas, transformou-se em "determinante" da economia real, pondo-a em aparente movimento. A crise financeira e de crédito de 2007/2008 mostrou, apesar de não ter sido a primeira com característica diferente das crises cíclicas, que se persistem nesse caminho como saída, outras crises virão em tempo mais curto e em proporções superiores, sem, no entanto, resolver o problema da acumulação real que só tende a se agravar. Se esses mecanismos de geração de capital fictício entrar em colapso como tudo indica, a economia real mostrará a sua real condição de moribunda. Hoje, um número enorme de empresas ao redor do mundo só não operam em vermelho pelos aportes financeiros dos governos e pela utilização de artifícios contábeis, incorporando em seus balanços os chamados ganhos financeiros, mas  já deixaram de ser rentáveis há muito tempo quando considerado o que de fato produzem.

O crescimento das economias periféricas não está dissociado do comportamento das economias centrais, como desejam alguns otimistas. Na verdade, estas, como parte de uma cadeia global de produção de mercadorias, são fornecedoras de produtos e serviços baratos para os países do centro, a partir, muitas vezes, de empresas destes últimos aí instaladas, atraídas pelos baixos salários e incentivos fiscais. O mercado interno nos países periféricos, geralmente dependentes dos recursos das exportações, tem um peso relativo como mostra a perda de dinamismo dessas economias com o declínio dos "circuitos deficitários" que as beneficiavam com superávits. Portanto, "o espaço para o crescimento das economias periféricas que não alcançaram a produtividade das economias avançadas", de tal forma que se aproximem em tecnologia e produtividade destas, como afirmado no artigo, é duvidoso se não impossível a longo prazo, num contexto de crise global e crônica do capitalismo, e porque a dinâmica das economias que detém o conhecimento científico aplicável à produção não permitiria.

Tem razão o articulista quando afirma Keynes errou ao prever um mundo capitalista onde se pudesse trabalhar menos. O “trabalho abstrato” foi de tal forma introjetado nos corações e mentes, que mesmo aqueles que tenham o suficiente para não precisar trabalhar para poder sobreviver, o não-trabalho aparece como algo inaceitável do ponto de vista social, e insuportável do ponto de vista pessoal. A “socialização econômica negativa da modernidade” (Kurz) impõe-se com força, mesmo estando o trabalho em crise. Com a redução da rentabilidade, as empresas pressionam os indivíduos que conseguem manter-se no emprego, a estender a jornada sem reclamos. O alongamento do tempo  de trabalho é também uma forma das empresas aumentarem a produtividade do trabalho sem investir em tecnologia, em situação de excesso de capacidade instalada, como mostrou o comportamento da produtividade nos EUA imediatamente após ter se iniciado a crise. Aí pesa, principalmente, o espectro do desemprego estrutural vigente, a resistência do movimento social e sindical, e as políticas de governo.

Essa obsessão pela riqueza, mesmo que supérflua, e o movimento estonteante do dinheiro para fazer mais dinheiro, é imanente ao capitalismo. Ou seja, o capital não existe sem a "valorização do valor", sem a extração de mais-valia, o lucro ou meios que simulem esses mecanismos. Os indivíduos, ao lançarem-se ao mercado, carregam consigo essa lógica introjetada pela socialização negativa, a partir de todos os espaços da sociedade e ciclos de vida. Agem automaticamente sem reflexões ou contestação, pois o valor, naturalizado, torna-se parte de seu ser. "Obsessão por um consumo conspícuo", "ser mais ricos do que nossos pares", são decorrências do agir do "sujeito automático" (Marx). O sujeito, burguês ou proletário, como parte da engrenagem da acumulação, não tem plena consciência do absurdo do processo repetitivo e vazio de conteúdo a que estão subordinados. Portanto, não são capazes de fazer outra opção que não seja ir em frente "cumprindo" as determinações do capital. Se ele assim não o fizer, geralmente por motivos que lhes fogem ao controle como desemprego, falência etc., são expulsos do sistema como "não-rentáveis" (Kurz). E aí cai a cortina que esconde o sentido da liberdade na sociedade burguesa, que restringe os movimentos dos indivíduos aos ditames do mercado, previamente determinados, independentes das vontades. 

Realmente, tudo leva a crer que estamos no fim de uma era de crescimento impulsionado pelo progresso tecnológico e a tendência é o agravamento desse quadro se todos os movimentos realizados para superar a crise, forem feitos nos limites das fronteiras da sociedade baseada na produção de mercadorias. O que se observa não é o surgimento de uma nova tecnologia capaz de alavancar o desenvolvimento econômico, incorporando em ondas crescentes o trabalho humano à produção, sem o qual não há acumulação, mas ao contrário, movida pela concorrência, observa-se a intensificação da utilização das inovações da microeletrônica na produção e o encerramento de postos de trabalho pela automação, impactando negativamente na rentabilidade global. No capitalismo crescer ou não crescer não é uma questão de consciência, mas um problema lógico-histórico. Vivemos um momento do capitalismo em que a estagnação, em movimento para regressão e aprofundamento da barbárie, já não pode mais ser escondida. A saída pela via do capital fictício, imprimindo-se moeda, expandindo-se o crédito ao infinito facilitando o endividamento e gerando bolhas especulativas no mercado, tem mostrado frágeis pés de barro, produzindo estragos cada vez maiores, em tempos cada vez mais curtos, frustrando expectativas quando desabam.

Mas, sabendo disso, por que os agentes do mercado e os estados insistem nesse caminho que parece suicida? Porque, conscientes dos limites da economia real, a forma de mantê-la morta/viva (economia zumbi), é injetar altas doses de dinheiro sem substância com as chamadas rodadas de "expansão quantitativa", juros negativos e bolhas, deixando o dinheiro circulante descolado da produção de bens e serviços (no padrão-ouro, dizia-se dinheiro sem lastro, quando o valor circulante ultrapassava os estoques em ouro), mesmo sabendo-se que mais na frente outros desastres virão, catalisados agora por essa política aparentemente salvadora no curto prazo, inclusive o excessivo endividamento dos estados. Do ponto de vista da lógica do capital não se podia esperar outras medidas sem um risco de um colapso mais rápido. A moribunda economia já não consegue resistir sem as doses letais de capital fictício potencialmente inflacionário.

Enquanto os movimentos por mudanças não acordarem do torpor fetichista e não tomarem consciência de que a sociedade capitalista com sua lógica destrutiva tem uma história, que estamos chegando ao fim de uma era fundamentada no patriarcalismo, no "trabalho abstrato", no valor, na forma-mercadoria, na forma-dinheiro e outras categorias do capital; enquanto não se buscar caminhos que não da produção de mercadoria, o que veremos é o agravamento desse estado de coisa, turbinado pela concorrência feroz e predatória, intensificada à medida que a crise econômica e social se agrava pela racionalização crescente da força de trabalho e pela crise ecológica que pode ganhar dimensões catastróficas.



24.01.2013