Rall
A partir da subdivisão de Gordon do período de
rápido crescimento dos últimos 250 anos, Lara Resende escreve sobre as
diferenças do impacto transformador das "revoluções tecnológicas" na
produtividade e crescimento, quando comparado às duas primeiras com a última:
"O ponto central do argumento de Gordon é que, a partir dos anos 70,
quando os efeitos transformadores das duas primeiras revoluções tecnológicas
finalmente se esgotaram, houve uma significativa redução do ritmo de
crescimento da produtividade. A terceira revolução, a da informática e da
internet, que tem início nos anos 60 e atinge o seu auge na última década do,
século passado, não teve o mesmo impacto sobre a produtividade. Grandes partes
de seus benefícios, a substituição do trabalho burocrático rotineiro pelo
computador, esteve concentrada nas décadas de 70 e 80. Desde então deixaram de
ter efeito transformador sobre economia." e mais na frente ...
"A dificuldade de crescer das economias centrais não é circunstancial, mas
resulta de uma desaceleração tecnológica estrutural"... "As economias
avançadas vão crescer muito menos daqui para frente". "A boa notícia
é que, com a desaceleração das economias centrais, o processo de convergência
das demais será mais rápido. As economias em desenvolvimento, que forem capazes
de manter altas taxas de poupança e investimento, deverão alcançar em breve as
economias avançadas. A má notícia é que, uma vez alcançada a fronteira
tecnológicas das economias avançadas, o crescimento vai desacelerar
significativamente." E ainda: "A resposta mais plausível à pergunta
de porque se busca sempre mais riqueza, mesmo quando muito além do necessário
para satisfazer os desejos mais estapafúrdios, é que não é a riqueza absoluta,
mas a riqueza relativa que importa. Não nos basta ser apenas ricos, mas, sim,
mas ricos que os nossos pares." Ficamos por aqui pois é o que nos
interessa.
É preciso ver algumas destas afirmações com
cuidado. Claro, as duas primeiras "revoluções tecnológicas", marcadas
pela introdução das estradas de ferro, do motor a vapor, da eletricidade, da
água encanada e do motor combustão, segundo Gordon, e por outras tecnologias de
produção e gestão do trabalho, estavam levando o básico às populações,
necessário a um conforto mínimo, como água e esgoto para as residências,
transportes mais rápidos e mais potentes, meios de comunicação, cultivo do
campo dirigido para abastecer as cidades. Gradativamente, chegava a era do
consumo em massa de produtos e serviços, antes restritos a muitos poucos, barateados
com as novas formas de produção e aumento de produtividade, mas que ainda
incorporavam contingentes significativos de trabalhadores à produção
capitalista, quando comparado ao capital constante utilizado.
A terceira revolução na divisão de Gordon,
relacionada com a informática, teve um caráter mais racionalizador da força de
trabalho. A criação de riqueza e ampliação do consumo não ocorreu na mesma
velocidade das duas primeiras. As empresas competindo entre si, tendem investir
em tecnologia para aumentar a produtividade. Num primeiro momento vantagens
competitivas se estabelecem, favorecendo a empresa que fez os investimentos por
ter conseguido aumentar a produtividade e vender a preços mais baixos, ampliando o mercado para seus
produtos. Mas a tendência são as demais investirem também, restabelecendo o
equilíbrio. Esses momentos: concorrência, investimento em tecnologia,
produtividade, tende a se repetir e as empresas que não o acompanham cai fora
do mercado. Por outro lado, a automação dos processos tende a fechar postos de
trabalho, interferindo na formação do valor, fazendo cair a rentabilidade
total. A escassez de trabalhadores, que em determinados setores e situações
pode pressionar pela adoção de novas tecnologias, não está desacoplada da
concorrência global. Em fim, os capitais individuais, confrontando-se no
mercado, estão sempre prontos a reduzir os custos da mercadoria força de
trabalho através de investimento em capital fixo, máquinas e equipamentos, e
redução das despesas com salários. Se considerarmos a produtividade do trabalho
como a quantidade de produtos produzidos na fração de tempo, é difícil negar o
grande salto na indústria e no campo com a intensificação da cientifização da
produção neste período.
A tendência para estagnação dos investimentos na
economia real, relacionado com o fraco retorno como afirmado, está diretamente
ligado ao recuo do trabalho produtivo, gerador de mais-valia, pelo efeito da
revolução científica, principalmente da informática incorporada à produção. Observa-se
ainda, a ampliação relativa do trabalho improdutivo que consome e não produz
mais-valia. A queda da taxa de lucro e dos investimentos produtivos na economia
como um todo, resultado desses dois movimentos, são manifestações da crise de
"valorização do valor” (Marx), aprofundada pela rápida automação em
decorrência da terceira revolução industrial da microeletrônica e a consequente
expulsão da produção da força de trabalho geradora de mais-valia. Não se pode
por na conta da queda da natalidade e do envelhecimento da população, como
sugerem alguns, a tendência à estagnação dos países do centro, quando se
observa um desemprego extremamente alto e crescente entre os jovens e a
intolerância à imigração.
A paralisia no crescimento e a ladeira abaixo dos
retornos, não conhecide com as possibilidades abertas pela revolução
tecnológica na produção de bens e serviços. Com o crescimento do capital fixo e
o aumento da produtividade, o impasse entre os investimentos em novas unidades
e a baixa rentabilidade, não pode ser resolvido pela “vontade política dos
governantes”. Um sintoma disso é que, em significativos setores industriais
americanos, as empresas guardam dinheiro em caixa, mas não investem, apesar
do apoio fiscal e financeiro. Mantendo o estado atual, o baixo retorno tende
agravar a concorrência global e aumentar a centralização do capital, obrigando
as empresa que queiram sobreviver, investir pesado em capital fixo visando à
produtividade, aprofundando mais ainda a crise do trabalho, do valor e do
dinheiro. Por outro lado, há sinais de que empresas de alguns setores industriais dos países
desenvolvidos, principalmente nos EUA, estão investindo, com o apoio dos
governos, grandes somas em tecnologia na tentativa de repatriar a produção, o
emprego não tanto, perdida para países como a China. Porém, prevalecendo a dinâmica
cega, a tendência global é a ampliação do desemprego e o recuo da produção
apesar do aumento da produtividade. O efeito transformador da tecnologia sobre
economias não rentáveis é assimétrico e poderá ser inclusive negativo.
Há grandes evidências de que a dinâmica capitalista
chegou ao seu "limite interno lógico" (Kurz). A crise desencadeada em
2007/2008 não foi "um acidente de percurso", mas um desdobramento lógico-histórico
da “autocontradição interna” do capitalismo e de sua incapacidade de crescer
infinitamente. Ao atingir este limite, estabeleceu-se uma crise crônica, com
momentos agudos que se manifestam em espasmos destrutivos (crises financeiras e
de crédito e seus desdobramentos), pois a condição para acumulação do capital é
o crescimento econômico agora travado. Ou melhor: a condição para o crescimento
econômico é a valorização do capital, só possível pela expansão da força de
trabalho. Como sem a valorização não há crescimento, então não se pode falar em
“normalidade” nem em crises cíclicas do capitalismo se a tendência estabelecida
é da não acumulação.
Para se manter as aparências de funcionamento
normal das coisas, estabeleceu-se a partir de mecanismos inventados pelo
mercado e Estado, a geração sem precedente de capital fictício, transformando a
economia real estagnada na formação de valor em um apêndice deste. O capital fictício, antes
fortuito e restrito, purgado nas crises cíclicas, transformou-se em
"determinante" da economia real, pondo-a em aparente movimento. A
crise financeira e de crédito de 2007/2008 mostrou, apesar de não ter sido a
primeira com característica diferente das crises cíclicas, que se persistem
nesse caminho como saída, outras crises virão em tempo mais curto e em
proporções superiores, sem, no entanto, resolver o problema da acumulação real
que só tende a se agravar. Se esses mecanismos de geração de capital fictício
entrar em colapso como tudo indica, a economia real mostrará a sua real
condição de moribunda. Hoje, um número enorme de empresas ao redor do mundo só
não operam em vermelho pelos aportes financeiros dos governos e pela utilização
de artifícios contábeis, incorporando em seus balanços os chamados ganhos
financeiros, mas já deixaram de ser
rentáveis há muito tempo quando considerado o que de fato produzem.
O crescimento das economias periféricas não está
dissociado do comportamento das economias centrais, como desejam alguns
otimistas. Na verdade, estas, como parte de uma cadeia global de produção de
mercadorias, são fornecedoras de produtos e serviços baratos para os países do
centro, a partir, muitas vezes, de empresas destes últimos aí instaladas,
atraídas pelos baixos salários e incentivos fiscais. O mercado interno nos
países periféricos, geralmente dependentes dos recursos das exportações, tem um
peso relativo como mostra a perda de dinamismo dessas economias com o declínio
dos "circuitos deficitários" que as beneficiavam com superávits.
Portanto, "o espaço para o crescimento das economias periféricas que não
alcançaram a produtividade das economias avançadas", de tal forma que se
aproximem em tecnologia e produtividade destas, como afirmado no artigo, é
duvidoso se não impossível a longo prazo, num contexto de crise global e
crônica do capitalismo, e porque a dinâmica das economias que detém o
conhecimento científico aplicável à produção não permitiria.
Tem razão o articulista quando afirma Keynes errou
ao prever um mundo capitalista onde se pudesse trabalhar menos. O “trabalho
abstrato” foi de tal forma introjetado nos corações e mentes, que mesmo aqueles
que tenham o suficiente para não precisar trabalhar para poder sobreviver, o
não-trabalho aparece como algo inaceitável do ponto de vista social, e
insuportável do ponto de vista pessoal. A “socialização econômica negativa da
modernidade” (Kurz) impõe-se com força, mesmo estando o trabalho em crise. Com a
redução da rentabilidade, as empresas pressionam os indivíduos que conseguem
manter-se no emprego, a estender a jornada sem reclamos. O alongamento do tempo de trabalho é
também uma forma das empresas aumentarem a produtividade do trabalho sem
investir em tecnologia, em situação de excesso de capacidade instalada, como
mostrou o comportamento da produtividade nos EUA imediatamente após ter se
iniciado a crise. Aí pesa, principalmente, o espectro do desemprego estrutural
vigente, a resistência do movimento social e sindical, e as políticas de
governo.
Essa obsessão pela riqueza, mesmo que supérflua, e o movimento
estonteante do dinheiro para fazer mais dinheiro, é imanente ao capitalismo. Ou
seja, o capital não existe sem a "valorização do valor", sem a
extração de mais-valia, o lucro ou meios que simulem esses mecanismos. Os
indivíduos, ao lançarem-se ao mercado, carregam consigo essa lógica introjetada
pela socialização negativa, a partir de todos os espaços da sociedade e ciclos
de vida. Agem automaticamente sem reflexões ou contestação, pois o valor,
naturalizado, torna-se parte de seu ser. "Obsessão por um consumo
conspícuo", "ser mais ricos do que nossos pares", são
decorrências do agir do "sujeito automático" (Marx). O sujeito,
burguês ou proletário, como parte da engrenagem da acumulação, não tem plena consciência do absurdo do processo repetitivo e vazio de conteúdo a que estão
subordinados. Portanto, não são capazes de fazer outra opção que não seja ir em
frente "cumprindo" as determinações do capital. Se ele assim não o
fizer, geralmente por motivos que lhes fogem ao controle como desemprego,
falência etc., são expulsos do sistema como "não-rentáveis" (Kurz). E
aí cai a cortina que esconde o sentido da liberdade na sociedade burguesa, que
restringe os movimentos dos indivíduos aos ditames do mercado, previamente determinados,
independentes das vontades.
Realmente, tudo leva a crer que estamos no fim de
uma era de crescimento impulsionado pelo progresso tecnológico e a tendência é
o agravamento desse quadro se todos os movimentos realizados para superar a
crise, forem feitos nos limites das fronteiras da sociedade baseada na produção
de mercadorias. O que se observa não é o surgimento de uma nova tecnologia
capaz de alavancar o desenvolvimento econômico, incorporando em ondas
crescentes o trabalho humano à produção, sem o qual não há acumulação, mas ao
contrário, movida pela concorrência, observa-se a intensificação da utilização
das inovações da microeletrônica na produção e o encerramento de postos de
trabalho pela automação, impactando negativamente na rentabilidade global. No
capitalismo crescer ou não crescer não é uma questão de consciência, mas um
problema lógico-histórico. Vivemos um momento do capitalismo em que a
estagnação, em movimento para regressão e aprofundamento da barbárie, já não
pode mais ser escondida. A saída pela via do capital fictício, imprimindo-se
moeda, expandindo-se o crédito ao infinito facilitando o endividamento e
gerando bolhas especulativas no mercado, tem mostrado frágeis pés de barro,
produzindo estragos cada vez maiores, em tempos cada vez mais curtos,
frustrando expectativas quando desabam.
Mas, sabendo disso, por que os agentes do mercado e
os estados insistem nesse caminho que parece suicida? Porque, conscientes dos
limites da economia real, a forma de mantê-la morta/viva (economia zumbi), é
injetar altas doses de dinheiro sem substância com as chamadas rodadas de
"expansão quantitativa", juros negativos e bolhas, deixando o
dinheiro circulante descolado da produção de bens e serviços (no padrão-ouro,
dizia-se dinheiro sem lastro, quando o valor circulante ultrapassava os
estoques em ouro), mesmo sabendo-se que mais na frente outros desastres virão,
catalisados agora por essa política aparentemente salvadora no curto prazo,
inclusive o excessivo endividamento dos estados. Do ponto de vista da lógica do
capital não se podia esperar outras medidas sem um risco de um colapso mais
rápido. A moribunda economia já não consegue resistir sem as doses letais de
capital fictício potencialmente inflacionário.
Enquanto os movimentos por mudanças não acordarem
do torpor fetichista e não tomarem consciência de que a sociedade capitalista
com sua lógica destrutiva tem uma história, que estamos chegando ao fim de uma
era fundamentada no patriarcalismo, no "trabalho abstrato", no valor,
na forma-mercadoria, na forma-dinheiro e outras categorias do capital; enquanto
não se buscar caminhos que não da produção de mercadoria, o que veremos é o
agravamento desse estado de coisa, turbinado pela concorrência feroz e
predatória, intensificada à medida que a crise econômica e social se agrava pela
racionalização crescente da força de trabalho e pela crise ecológica que pode
ganhar dimensões catastróficas.