terça-feira, novembro 11, 2014

A destruição da natureza e os limites do capitalismo

Rall

A gravidade da crise ecológica, resultado de três séculos de desenfreada destruição da natureza pela lógica cega do capital, que pode levar a vida na terra ao colapso, se expressa de forma contundente em fatos como seca do Sudeste do Brasil, a maior desde quando se mede níveis pluviométricos nesta região há mais de 80 anos.  A destruição da Floresta Amazônica e as de outros continentes pode desarranjar o clima independente do aquecimento global pelo aumento do dióxido de carbono e outros resíduos da produção industrial.

Os estudos que predizem mudanças climáticas impactantes com a derrubada da Floresta Amazônica têm sido recebidos com deboche pelos políticos e pouco considerados por uma sociedade insuficientemente informada sobre a gravidade da questão. Como o aquecimento global frequentemente faz parte da pauta da grande imprensa, as queimadas chamam a atenção não pelo que pode causar a destruição da Floresta, mas pela quantidade de carbono que pode ser jogado na atmosfera assim como o uso de combustíveis fósseis. A importância das florestas como condicionantes do clima local, capaz de garantir vida dentro e fora de seus limites, é desconhecida pela maioria das pessoas. As árvores cortadas por motosserras, desde que não sejam queimadas e possam ser transformadas em assoalhos, mesas, cadeiras e outras mercadorias para o deleite de ávidos consumidores está tudo bem.

Em recente entrevista ao Jornal Valor Econômica em 31.10.2014, o pesquisador do Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (INPE), Antônio Donato Nobre, uma das maiores autoridades em Floresta Amazônica, alarmado, fala dos riscos que correm as áreas desmatadas, as imediações da floresta, o Sudeste brasileiro e outras regiões de países vizinhos de se transformarem em desertos se a Amazônia deixar de funcionar enquanto ecossistema que faz parte de um sistema maior regulador do clima. 

Estudos mostram nexos bem estabelecidos entre a transpiração das árvores da Floresta, que jogam mais água na atmosfera do que a despejada pelo rio Amazonas no mar por dia que corresponde a 20% da água doce do mundo, a água evaporada do Oceano Atlântico e empurrada para dentro do continente Sul-americano e o clima em vastas regiões do Brasil e países fronteiriços. Diz o pesquisador: "Uma árvores grande da Amazônia, com dez metros de raio de copa, coloca mais de mil litros de água por dia pela transpiração”, que são jogados na atmosfera na forma de vapor. “Esse ar úmido é também exportado para áreas como o Sudeste, com vocação para deserto”. As chuvas nessa região “que vai de Cuiabá a Buenos Aires, de São Paulo aos Andes e produz 70% do PIB da América do Sul”, dependem desses rios aéreos.

Não há necessidade de aprofundados conhecimentos para sentir que os riscos são reais. Há poucas décadas atrás São Paulo era conhecida como Cidade da garoa (nevoa úmida com chuviscos constantes), cantada nos versos de Adoniran Barbosa e de outros poetas. Os primeiros sinais de que alguma coisa não vai bem com o clima, foi a rarefação desse fenômeno acompanhado de um aumento de temperatura da Cidade. Segundo, eventos antes seculares como secas intensas que culminou com a atual, são cada vez mais frequentes.

A história das mudanças climáticas na terra mostra que as viradas do clima são bruscas, após acumular mudanças quase imperceptíveis muitas vezes por séculos. É possível que o Sudeste e outras regiões brasileiras e de países vizinhos que dependem do clima amazônico, estejam neste ponto de viragem. Talvez seja tarde para evitar que eventos climáticos extremos como esse se tornem frequentes e levem a desertificação.

No entanto, não são os apelos por uma “agricultura consciente” que vão parar os desmatamentos. As mesmas empresas e agricultores que sofrem prejuízos com as secas em consequências do desmatamento na Amazônia, migraram de outras regiões aonde a agricultura deixou de ser rentável pelo esgotamento do solo e mudanças climáticas relacionadas com o regime pluvial em função da destruição da Mata Atlântica. A lógica cega que põem em movimento as motosserras do agronegócio, a mesma que empurra o capitalismo para o seu “limite absoluto” (Kurz), não permite que se enxergue o problema climático da destruição das florestas como também um problema para produção agrícola, mesmo que mais à frente as consequências sejam funestas ao lucro dos negócios. Por outro lado, o Estado omisso é conivente com essa situação e com seus agentes, como mostra os registros da destruição e os mais recentes dados sobre o aumento brutal do desmatamento em 2014, vergonhosamente escondidos às vésperas das eleições.

Só um vigoroso movimento em defesa da vida e da natureza, que leve às ruas a população de fato ameaçada, pode se contrapor a lógica destrutiva do capital. A consciência desse problema começa a ganhar vulto à medida que nas torneiras a água míngua. Mas é preciso que as ruas se agitem para que o que ainda se manifesta como um incômodo no conforto dos indivíduos, se transforme em problema coletivo capaz de mobilizar e desmascarar as mentiras políticas. A luta pela água e preservação da natureza que é uma só, tem enorme potencial mobilizador nas várias camadas sociais.

A luta contra o desmatamento da Floresta Amazônica não se restringe a destruição da maior área de biodiversidade do planeta e ao genocídio dos índios pelos séculos afora, ações criminosas tão graves quanto os crimes de guerra, mas o risco que agora corre uma vasta região do planeta e sua população de sucumbirem às mudanças climáticas catastróficas.

11.11.2014