quarta-feira, agosto 12, 2015

O capitalismo, a corrupção, o Brasil e a crise

Rall

A crise bate forte nas portas da frente e dos fundos e não tem resposta. Ameaça derrubar a casa e suas frágeis estruturas. Sem condições políticas de gerenciá-la, o governo entra em pânico! O Estado, expostas as entranhas, mostra a sua verdadeira relação com o privado em todos os níveis. O que é a corrupção se não o imbricamento simbiótico entre o Estado e o setor privado, fenômeno inerente ao modo de produção capitalista? Os partidos, apesar dos apelos enganadores, nos momentos de crise dizem o que são na sociedade produtora de mercadoria: “correias de transmissão” entre os interesses privados empresariais e os Estados Nacionais. Já no processo eleitoral, colocam-se na condição de facilitadores dos negócios em troca de vantagens financeiras para os grupos partidários e mesmo para enriquecimentos pessoais, não importa as cores que ocupam no espectro político. A relação intensa, porém tensa entre o Estado e o mercado, aparentemente pode ser quebrada em operações como a Lava a Jato. Mas não é, como não foi no Mensalão e em centenas de outras já esquecidas pela memória coletiva. Enquanto alguns elos são quebrados surgem outros com mais força e sofisticação, difíceis de serem detectados.

O Estado Moderno, consideradas as variações no tempo e no espaço, sempre foi e sempre será o balcão dos grandes negócios da sociedade capitalista, com algumas funções infraestruturais, reguladoras e sociais. Na acumulação primitiva do capital, que se inicia com a desintegração dos feudos no período medieval, era principalmente o Estado Absolutista, quem através do uso da força sem limites, usurpava, matava, disciplinava e empurrava para “gaiola de ferro” (Weber) a força de trabalho necessária à acumulação da “riqueza abstrata”, provocando enormes deslocamentos forçados da população para os centros fabris em formação. Acompanhavam essa movimentação a miséria, a fome e as doenças resultantes das relações sociais estabelecidas, dos espaços insalubres e contaminados das cidades em crescimento desordenado, dos ambientes e condições de trabalho precários. Para as novas situações leis são elaboradas pelo Estado Moderno em formação, compondo o arcabouço jurídico-institucional que negava a velha ordem e abria caminhos para o rápido crescimento da acumula capitalista, formalizando as relações da sociedade burguesa em expansão.

Certa independência do Estado em relação a produção e ao mercado, ou períodos de crescimento aparentemente autônomo da produção e da acumulação, manifestadas no transcorrer do desenvolvimento capitalista, não rompe a indissolúvel relação: um não consegue viver sem o outro, são irmãos xifópagos que compartilham as mesmas vísceras e o mesmo ar que respiram. Basta que crises os ameacem para que deixem de lado as ilusões ideológicas e busquem socorrerem-se mutuamente. Nesse sentido, a agudização da crise em 2007/2008 foi muito rica em exemplos de como os Estados do centro do capitalismo, criticados severamente pelos operadores do mercado e pelos neoliberais como um estorvo ao desenvolvimento, são mobilizados em todo mundo pelos grupos privados e ideólogos que os criticam para salvá-los do colapso. Num pacto para preservar interesses, os Estados transferem para si parte do ônus da crise. Portanto, os déficits e as dívidas dos Estados aumentaram exponencialmente com as renuncias fiscais e queda da arrecadação. Os bancos centrais passaram subsidiar os juros e a imprimir dinheiro para comprar papéis podres, de créditos mal parados, que pesavam negativamente no balanço das empresas privadas, principalmente dos bancos que corriam o risco de colapso sistêmico.   

Para acabarem com a corrupção, os paladinos da justiça teriam que desatar o nó dessa relação, destruir a “gaiola de ferro” que aprisiona a força de trabalho, e decretar o fim da geração da “riqueza abstrata”, ou seja, do dinheiro. Não sendo o caso, a corrupção simplesmente deverá mudar de lugar e nome: antes Mensalão, hoje Petrolão, amanhã Eletrolão... Se olharmos para trás e estabelecermos uma linha de tempo imaginária dos negócios sem transparência entre o setor público e o privado, vamos perdê-la de vista, pois ela tem a mesma extensão da linha de tempo da existência da Sociedade Moderna.

O conceito “corrupção”, definido por padrões éticos de um Estado idealizado que nunca existiu, surge como tentativa de preservar alguns espaços da invasão da mercadoria-dinheiro. No entanto, a história mostra que a concorrência por mais dinheiro tende ocupar todos os níveis da sociedade burguesa, quebrando as frágeis barreiras do discurso ético e do que deveria ser função do Estado. Essa lógica cega e destrutiva, que é a lógica que move o capital, é institucionalizada a todo instante em todas as esferas da sociedade burguesa, mesmo que não seja claramente percebido.

 No setor privado, o toma-lá-dá-cá que geralmente favorece os que estão na alta gestão das empresas, muitas vezes recebe nomes pomposos para esconder o verdadeiro significado das operações, cujos valores são determinados pelos próprios favorecidos. Qual o significado dos ganhos astronômicos dos executivos e de suas assessorias arrancados de empresas muitas vezes pagando salários miseráveis e com risco até mesmo de fechar? A lógica é a mesma, porém aceita pela sociedade e até louvado como meritocrático. A expansão sem limites do capital fictício (geração ou impressão de dinheiro sem lastro, bolhas financeiras etc.) pelo mercado e pelo o Estado para manter a economia em movimento, pode ser vista como esse processo levado ao extremo.

No entanto, tudo isso são sintomas muito forte da crise fundamental do modo de produção capitalista, dos limites de acumulação de “riqueza abstrata” e, consequentemente, das instituições que lhes dão sustentação. A tendência é o acirramento da disputa pela riqueza escassa, com aumento da desigualdade como apontam os estudos de Thomas Piketty e de outros pesquisadores. A retomada de hipótese da “estagnação secular” pelo ex-secretário do Tesouro americano Larry Summers, reconhece que a propensão em investir e consumir nos países desenvolvidos é tão baixa que só será possível à retomada da economia com taxas de juros reais negativos por longos períodos. Vê na economia estagnada do Japão, com deflação persistente, o espelho do desenrolar da crise na Europa e nos EUA. A “estagnação secular” pode ser a manifestação fenomênica da crise do valor quando a economia é analisada utilizando-se os instrumentos da macroeconomia. A situação duradoura apontada, de baixo ou nenhum crescimento, parece um indicador importante de que a crise não é cíclica, mas não a explica. Quando afirma que os baixos níveis de produtividade compõe o quadro da estagnação, não entende o que fundamenta a crise da acumulação real: a revolução tecnológica que movida pela concorrência global em busca do aumento crescente da produtividade e de novos mercados, torna supérfluo o trabalho, substância do valor.    

Se as investigações que estão levando figurões à cadeia tem uma utilidade é mostrar que o Estado, enquanto o outro lado da moeda na sociedade capitalista, é regido pela mesma lógica que a anima: fazer dinheiro. Com a crise do valor e do dinheiro, o financiamento do Estado passa a ser um problema e os mecanismos que possibilitam algum equilíbrio contra a concorrência predadora são facilmente capturados pelos grupos de negócios, apesar das resistências pontuais no interior do aparelho estatal. O Estado brasileiro, com o agravante de um Estado saqueado que chegou ao seu limite, entrou num processo de desagregação muito difícil de ser estancado ao ser arrastado pela crise estrutural do capitalismo e das instituições políticas que agora batem as portas. Mesmo com alguma resistência na esfera estatal, o que desponta no horizonte é a formação de grupos mafiosos, cada vez mais agressivos, em lutam pela posse do espólio e para manter posições.          


12.08.2015

quinta-feira, abril 16, 2015

Terceirização, a impossível saída para crise

Rall

“Nos Estados Unidos apenas três em cada dez trabalhadores são necessários para produzir e disponibilizar os bens que consumimos. Tudo o que extraímos, cultivamos, projetamos, construímos, elaboramos, fabricamos e transportamos - da preparação de uma xícara de café na cozinha de um restaurante a levá-la à mesa do cliente - é realizado por cerca de 30% da força de trabalho do país.  

Os demais 70% de nós passamos nosso tempo planejando o que fazer, decidindo onde instalar as coisas que produzimos, realizando serviços pessoais, conversando uns com os outros e mantendo controle sobre o que está sendo feito, para que saibamos qual é o passo seguinte. E, no entanto, apesar de nossa evidente capacidade para produzir muito mais do que precisamos, não parecemos ser abençoados com superabundância. Um dos grandes paradoxos de nosso tempo é que trabalhadores e famílias de classe média continuam a viver em dificuldades numa época de abundância sem paralelos. (J. Bradford DeLong, professor de Economia na Universidade da Califórnia, em Berkeley, e pesquisador associado do Birô Nacional de Pesquisa Econômica)”.

O que primeiro salta aos olhos nesta constatação é a relação entre trabalho produtivo e improdutivo. Quando o autor afirma que só 30% dos trabalhadores americano produzem o que é consumido no País, desde a extração da matéria prima até o produto final, inclusive o transporte e os serviços relacionados com o consumo desses produtos, não sabe, no entanto constata o que Marx chamava de trabalho produtivo, relacionado com a geração de mais-valia na produção de mercadorias enquanto valor. Podemos dizer que os demais 70% dos trabalhadores a que se refere, estão gastando suas energias em trabalho improdutivo, necessário ao funcionamento do modo de produção capitalista – uma empresa perderia o controle de sua produção e finanças, e provavelmente iria à falência se não contabilizasse entradas e saídas -, mas que não gera mais-valia, ao contrário é um “estorvo” à acumulação de capital.

Apesar dessa distinção não ser tão simples assim quando observamos o processo produtivo no espaço operacional de uma empresa, a tendência na sociedade capitalista é a redução do trabalho produtivo, pela introdução de novas tecnologias na produção que aumentam a produtividade do trabalho, e a expansão do trabalho improdutivo que consome, mas não gera ‘riqueza abstrata’. Esse processo aparentemente divergente do trabalho na constituição do valor, explicaria, em parte, a perda de poder de compra da “classe média e dos trabalhadores” no tempo, já que o capitalismo em concorrência global tende aumentar o uso intensivo de tecnologias, reduzindo o consumo de “trabalho abstrato” e a massa total de mais-valia com a automação da produção.

O movimento pela terceirização de setores das empresas, que busca transformar o trabalho improdutivo em trabalho formador de mais-valia, ou seja, trabalho capaz de gerar “riqueza abstrata” (dinheiro), objetivo final do modo produção capitalista, não impede que o trabalho improdutivo continue em ascensão e o trabalho produtivo em queda. Travou-se recentemente no Legislativo brasileiro uma rinha pela aprovação de uma lei que regulamenta e estende a terceirização para todos os setores das empresas, antes restrita as atividades meios, onde o trabalho improdutivo é mais evidente.

A lei já aprovada na Câmara e encaminhada ao Senado, que regulamenta a terceirização incluiseve das atividades “fins”, vai além de livrar as empresas do peso morto do trabalho improdutivo, transformando-o em trabalho produtor de mais-valia nas mãos de terceiros. A nova lei, além ampliar a precarização do trabalho ao garantir juridicamente a operação pelas “prestadoras de serviços” de qualquer setor das empresas que queiram terceirizar suas atividades, guarda um segredo que não vem sendo discutido: a regulamentação das contratações dos trabalhadores como “pessoa jurídica”(na gíria PJ), transformando-os em “empresários de si mesmo”, negando-lhes o vínculo empregatício apesar de não mudar as relações de trabalho que determina esse vínculo. O relator confirma essa possibilidade quando comenta a situação dos profissionais liberais que podem se beneficiar da lei, mesmo como pessoa física, contratando “prestadores de serviços”, como na verdade já fazem os escritórios de advocacia, as clínicas, hospitais e outras empresas, que utilizam amplamente esse expediente para burlar a legislação trabalhista vigente, prática que com a nova lei pode se generalizada, pondo fim o que ainda resta de direitos trabalhistas.

Procura-se com a superexploração dos trabalhadores - negando-lhes direitos trabalhistas e sociais que se junta a alta rotatividade como estratagema de redução salarial -, aliviar a situação das empresas brasileiras tecnologicamente atrasadas, com produtividade muito abaixo da média internacional (enquanto a média anual de aumento da produtividade no Brasil de 2007 a 2013 foi 1,5%, na China e na Índia cresceu à taxas de 9,2 e 6,8 respectivamente no mesmo período), cada vez menos competitivas e sem condições de suportar a concorrência vindo de fora só com subsídio estatal. A regulamentação da terceirização através desta lei, ao ampliar o campo de atuação das prestadoras de serviços, mete alguns pregos no caixão da Seguridade Social, enfraquece ainda mais o fragmentado movimento sindical e acelera o desmonte do Estado.           

Em relação aos “paradoxos de nosso tempo de que trabalhadores e famílias de classe média continuam a viver em dificuldades numa época de abundância sem paralelos” é preciso saber de qual abundância fala-se. Se se refere à abundância de produtos que podem satisfazer ou não necessidades do corpo e da alma dos ávidos consumidores, podemos concordar. Mas esses produtos, ao saírem da produção enquanto valor em busca de realização na circulação, para serem consumidos tem que serem comprados no mercado independentes da utilidade que possam ter. Aí entra a questão da massa salarial em declínio e da população desempregada supérflua que não mais interessa ao sistema por não ter poder de compra e a quem vender sua força de trabalho.

Podemos afirmar que a remuneração “inadequada” dos produtores de mercadorias e a redução da taxa de lucro, estão relacionadas com a crise da valorização do capital. Se na produção capitalista o valor de uma mercadoria é determinado pelo "tempo de trabalho socialmente necessário" (Marx), se a produção de mercadorias tende aumentar por unidade de tempo num continuum infinito obedecendo a lógica cega do capital, a tendência é o aumento na produção total de mercadorias pelo aumento da produtividade, e a desvalorização do valor pela redução de sua substância, “o trabalho abstrato” (Marx). Com efeito, o aumento da produtividade do trabalho pela revolução tecnológica - incluindo-se aí a automação e a organização do processo de produção em cadeias globais - tende, portanto, a “desvalorização do valor” dos produtos ocasionalmente úteis às necessidades humanas, em um modo de produção estruturado para consumir trabalho abstrato e gerar mais-valor. A energia humana dispendida para tanto, deve ser medida em frações de um tempo linear exterior a vida.

À medida que a crise do valor se agrava, a tendência do capitalismo é aumentar a produção de mercadorias para compensar a baixa rentabilidade. Mas, o aumento da produção de mercadorias só é possível pela intensificação da produtividade, que acelerada pela concorrência faz, paradoxalmente, cair ainda mais o consumo do “trabalho abstrato”, desvalorizando o valor encarnado fantasmaticamente nos corpos das mercadorias. Na crise de valorização do capital, não há contradição entre a abundância e a pobreza dos trabalhadores e da classe média, pois acompanha o crescimento da abundância material a queda na formação de “riqueza abstrata” que paga os salários e outras formas de rendimentos. Ao contrário do que se imagina, a concentração de riqueza é o subproduto dessa dinâmica inconsciente. Na crise crônica de superprodução que aí se origina, há um descasamento completo entre produção e consumo. O colapso total da economia é adiado pela elasticidade do crédito e pelo dinheiro “falso” (fictício) gerado nos bancos centrais e no setor financeiro privado para irriga o consumo. A miséria intelectual e espiritual que assola o vazio burguês é parte deste contexto.

Neste limite, a crise do sistema produtor de mercadorias, difere das crises cíclicas que quando suplantadas, a produção capitalista retorna a um novo ciclo de expansão num patamar tecnológico diferente e em condições de incorporar novos contingentes de força de trabalho que possam gerar mais-valia, ampliando o mercado para o consumo de antigas e novas mercadorias. O que se observa agora nos vários momentos de agudização da crise é superação dos limites tecnológicos, acompanhado da redução do tempo de produção pelo aumento da produtividade e a dispensa da força de trabalho que tende ampliar o número de indivíduos fora do mercado que não conseguem mais trocar o seu trabalho por outras mercadorias.

Se o "limite interno absoluto"(Kurz) da valorização do capital foi atingido, impossibilitando crescimento da massa total de mais-valia e, consequentemente, da acumulação de "riqueza abstrata" como fim em si dessa forma de produção, pode-se afirmar que crise que daí decorre não pode ser superada dentro dos limites do capitalismo. Porém, para compensar a redução dos lucros, as empresas tendem acelerar a produção de coisas materiais e imateriais, úteis e inúteis ao consumo humano, que trazem ainda oculto vestígios de valor na objetividade disforme das formas mercantis. No entanto, essas empresas precisam ampliar o mercado para vender suas mercadorias e realizar a mais-valia. Mas para enfrentarem as concorrentes terão de se manterem competitivas que só será possível se aumentarem incessantemente a produtividade.

Na concorrência global tendem a levar vantagem países cujas empresas são ágeis na incorporação de tecnologias e são dotados de moderna infraestrutura facilitadora do rápido deslocamento das mercadorias. Manobras cambiais que tendem a desvalorizar artificialmente as moedas para aumentar a competitividade, receita tão comum nos países em crise principalmente na periferia do capitalismo, são soluções passageiras e logo se mostram insuficientes. No entanto, o aumento de produtividade e acumulação de “riqueza abstrata” caminha em sentido contrário quando visto globalmente: se individualmente empresas podem levar vantagens em relação às concorrentes quando aumentam a produtividade, a nível geral há uma redução da rentabilidade em função da queda da massa total de mais-valia.  

Toda discussão do mercado sobre as dificuldades de se “precificar” commodities, está relacionada com a crise do valor que tende empurrar os preços para baixo contra a vontade dos agentes econômicos e, conjunturalmente, com a confusão que pode levar a manipulação da moeda e do câmbio. O termo “precificar” sugere a ilusão de que os preços podem ser determinados pelos agentes do mercado independentes dos fenômenos econômicos que se originam na produção, sem aparentes consequências. Na manipulação dos preços sempre se busca fazer mais dinheiro do que este possa representar enquanto expressão do valor.  

Quando se trata da “precificação” do que se chama de produtos financeiros, cujos ativos reais que serve de base para esses produtos encontram-se a léguas de distância ou pode nem mesmo existir, empacotado e reempacotado nas cadeias financeiras, o preço perde toda e qualquer referencia em relação à economia real, é puramente fictício em relação à “objetividade do valor das mercadorias” sobre o qual deveria orbitar. Se subir nos momentos favoráveis da economia, gera montanhas de capital fictício que fica à espreita da próxima desvalorização. Se descer nos momentos de agudização da crise, vira pó e pode levar à ruína empresas e nações como temos assistido com grande intensidade a partir de 2007.

Na variação dos preços sem referencial no valor real dos produtos, prevalece a lógica de formação do capital fictício, das bolhas que estouram quando esse capital sofre grande desvalorização e se aproxima de sua base real. Os governos, sempre prontos a intervirem a favor do capital, na tentativa de evitar a queda brusca dos preços nas crises financeiras, baixam os juros o quanto possível e imprimem dinheiro fictício como se tem assistido seguidas vezes nos EUA e Europa. A outra forma de desvalorização do capital nas crises se dá pela inflação, cujo aumento vem sendo observado nos países da periferia do capitalismo. Na conjuntura vigente, se os preços se aproximassem do valor real das mercadorias que deveria expressar, o sistema entraria em colapso irreversível.  


16.04.2015

segunda-feira, fevereiro 23, 2015

Caminhos da crise

Rall

Quando o capitalismo entrou em crise nos anos 70, as reformas que se seguiram tinham como um dos focos levar ao limite a exploração da força de trabalho. Um dos eixos dessa reforma foi à intensificação da terceirização e flexibilização das relações de trabalho, que resultou na precarização e aumento da rotatividade como forma de rebaixar os salários. Apesar da melhoria da rentabilidade de alguns setores empresarias, a terceirização não conseguiu impedir a queda da massa total de mais-valia. A partir daí, a velocidade com que as tecnologias inovadoras tornavam não-rentável contingentes de força de trabalho, não era compensada pela novas formas de gestão e extração e mais-valia ancoradas na terceirização, mesmo levando ao extremo a intensificação e exploração do trabalho.

O trabalho improdutivo não gerador de mais-valia, relacionado com as atividades administrativas e burocráticas das empresas, ao ser terceirizado e transformado em trabalho produtivo de capital por passar a produzir mais-valia, não pode compensar a expulsão do trabalho produtivo pela introdução de novas tecnologias nas linhas de produção, forçada pela concorrência empresarial e entre nações. Isso fez com que a rentabilidade continuasse em queda quando vista no conjunto em uma série histórica, e que o capital fictício fosse crescentemente mobilizado com a criação das chamadas inovações da indústria financeira, como os derivativos, e pela injeção de uma grande quantidade de capital monetário na economia, onde se destaca o uso desse capital na aquisição, modernização e vendas de empresas, num processo especulativo que faz crescer o estoque de capital fictício. Ao mesmo tempo amplia-se o consumo pela expansão do crédito, mantendo com isso uma aparente normalidade da acumulação.

Manifestações esparsas da crise se fez presente em todo mundo, principalmente na América Latina nos anos 80 que ficou conhecida como crise da dívida, na Ásia com destaque para o Japão nos anos 90 cujo longo período de deflação se mantém como uma ameaça constante, até o estouro das bolhas do ponto.com em 2000 e do crédito imobiliário em 2007/2008, da qual os centros imediatamente atingidos foram os EUA e Europa.

Mas, contrariamente as crises do passado quando o capital fictício era expurgado e a acumulação retomava em outros patamares, nos momentos da crise que teve início nos anos 70 do século do Século XX, o capital fictício não só se manteve em movimento e movimentando a economia em todas as suas dimensões, como, com ajuda do Estado e de seus bancos centrais, vem se expandido a perder de vista na tentativa de compensar a incapacidade de valorização na chamada economia real. Quando os bancos centrais americano, japonês e agora o europeu põe em prática o afrouxamento quantitativo nada mais fazem do que imprimir dinheiro para comprar títulos podres, ou seja, buscam com isso valorizar artificialmente papéis sem valor no mercado. O termo afrouxamento monetário quantitativo não passa de um eufemismo para esconder o verdadeiro sentido do que vem fazendo os bancos centrais: impressão de dinheiro fictício. Buscam apagar o fogo da crise financeira com o combustível que lhe deu origem.

No entanto, nuvens carregadas de capital fictício começam a se acumular no horizonte numa velocidade inesperada além da competência do Estado e do mercado administrar os excessos, e logo farão desabar raios de destruição sobre a economia mundial. Outra crise financeira na situação atual da economia com problemas em todo globo, temperada pela violência e instabilidade política geral, pode levar a uma grave depressão com conseqüências imprevisíveis.

A outra estratégia para sair da crise foi o deslocamento da produção para os países periféricos, onde se pagava salários de até um vigésimo dos países do centro, que tinha como objetivo suprir com produtos baratos os mercados dos países desenvolvidos. A partir dos anos 80 formou-se um enorme circuito deficitário entre a Ásia e os países centrais, tendo a China no transcorrer dos anos se consolidado como o principal País exportador. Os dois grandes países em polos opostos desse circuito, a China detentora do maior superávit da história das relações comerciais e os EUA do maior déficit, tem as economias tão interligadas, que a crise financeira de 2007/2008, ao paralisar a economia americana, abalou profundamente os alicerces da economia chinesa. A China que foi obrigada então redirecionar suas atividades econômicas para o mercado interno sem está preparada para isso, não "cavando buracos" como propunha Keynes, mas construindo cidades fantasmas e trens-balas que se deslocam pra lugar nenhum.

Esse gigantesco volume de capital "congelado" na infraestrutura, mas principalmente em prédios vazios, tende a se desvalorizar rapidamente e jogar a China em recessão com deflação, agora sem poder ser socorrida pelo mercado externo para escoar a produção de suas mercadorias e fazer dinheiro. Portanto, esgotada as possibilidades dos investimentos internos, que na verdade foi uma forma de queima de capital pela crise sem que seus governantes tivessem clara consciência, a China se depara com uma montanha de dívidas podres prestes a se desvalorizarem, que deve afundar seu mercado financeiro já frágil e abalado pelo espectro do mercado paralelo que cresceu rapidamente em cima das empresas e dos governos das províncias que, em dificuldades, buscam liberação fácil de empréstimos a juros exorbitantes. Produção industrial e de construção em crise, e mercado financeiro com as bolhas de crédito preste a explodir, deve ser uma grande dor de cabeça para a burocracia chinesa e para os dirigentes dos países a ela associados nas relações comerciais.  

Com o fim do circuito deficitário que alimentava o crescimento do capitalismo chinês, à medida que os governos provinciais e as empresas passaram a ter dificuldades, recorreram cada vez mais ao dinheiro fácil de pegar e difícil de pagar do mercado financeiro paralelo. O crescimento desse mercado, livre de controles e desregulamentado, mas consentido, é um grave sinal da saúde e de como anda o endividamento das empresas chinesas e seus sócios, os governos das províncias que são parte importante dessa economia onde mercado e Estado costumam dançar em harmonia um mesmo tango.

À medida que o colapso da economia chinesa já não é mais uma miragem, surgiram dois importantes desdobramento: um prático, que vem puxando para o precipício os países exportadores de commodities de baixo valor agregado, como o Brasil e outros que dependem desse mercado. A situação da China tende ainda agravar a recessão na Europa e abalar o crescimento dos EUA por interrupção de negócios e interligação dessas economias. Outro de ordem teórica: se 2008 foi à vez dos intervencionistas com dedo em riste ameaçarem jogar no lixo da história a produção dos teóricos do mercado, agora é a vez dos estatistas prestarem contas aos seus adversários, pela incapacidade dos estados responderem as questões postas pela crise.

Ao tratarem mercado e Estado como entes de mundos diferentes, e não como categorias do capital, os adversários equivocam-se em suas análises. A crise do capitalismo é categorial. Portanto, a solução para crise não está no Estado e no mercado, pois enquanto categorias da forma de produção capitalista são parte dela.

No Brasil estamos a assistir um enorme fuzuê num mesmo governo que de uma política reclamada como intervencionista sem os resultados esperados, dá uma guinada e cai nos braços dos antes inimigos homens do mercado, apesar das juras contrárias de campanha. Isso me lembra dum amigo de juventude ao justificar, apertado por outros jogadores, dois gols contra em uma pelada de várzea: agora eu sou a favor do contra, pronto. A perda de norte do governo brasileiro mostra as dificuldades de se lidar com uma crise que foge ao controle das soluções acadêmicas de todas as escolas. Portanto, se uma não deu certo, testa-se a outra que provavelmente não desvendará o enigma.   

Quanto à expansão do comércio exterior nos últimos 30 anos, tido como um indicador importante da economia mundial, utilizado como argumento de que apesar de tudo o capitalismo segue muito bem, é necessário considerar que a integração da produção a nível global e o constante deslocamento de empresas em busca da redução de custos, levou a uma movimentação de mercadorias, produtos e componentes, jamais visto na história da humanidade. Para produção em escala de mercadorias é sempre considerado os salários, e certas condições como infraestrutura, qualificação da mão de obra e logística. O mercado interno dos países produtores/exportadores e os custos de deslocamento das mercadorias para os grandes centros contavam pouco, pois os baixos salários compensavam.

No entanto, à medida que a tecnologia avançava na produção, os custos da mercadoria força de trabalho vão se tornando sem importância. A logística, em particular o que diz respeito ao armazenamento e distribuição das mercadorias, passa agora a ser considerada nos custos finais. Produzir em indústrias automatizadas, muda muito pouco os custos da força de trabalho se a fábrica está operando em solo chinês, americano ou europeu. Passa fazer diferença, tornando a produção das empresas e países mais competitiva, a queda dos custos com transporte e armazenamento das mercadorias, ao se produzir nos grandes mercados consumidores ou em suas imediações em fábricas automatizadas, em condições de operar 24 horas ininterruptas, e capazes de adaptarem rapidamente a produção à demanda sem desperdícios e superprodução. 

Várias indústrias instaladas na Ásia com a produção direcionada para exportação estão retornando ou mostram intenção em retornar ao solo pátrio, pois já não precisam como antes de força de trabalho barata e vão economizar em logística. Por outro lado, o encarecimento do trabalho nos países asiático deixa-os menos atrativos para as empresas que produzem para exportar, que entre o uso intensivo de força de trabalho e automação, estão optando pela segunda com incentivos dos governos dos países de origem.

No entanto, se a automação pode ser a saída para parte das empresas na concorrência global, mesmo aumentando a produção e reduzindo inclusive os preços das mercadorias pelo aumento da produtividade, faz cair à acumulação da "riqueza abstrata", que é o objetivo final da produção capitalista, pela expulsão da substância do valor, o trabalho. E o que à superfície aparenta uma solução, tende aprofundar a crise da forma de produção capitalista e do dinheiro.



23.02.2015

terça-feira, fevereiro 10, 2015

É possível o novo governo grego impedir o caos social?

Rall

A novidade na Europa, a chegada de uma coligação de esquerda ao poder na Grécia, parece com que assistimos no Brasil há doze anos. A diferença é que na Grécia, além da reação do chamado mercado, tem-se um discurso intransigente dos governos europeus querendo enquadra a pequena rebelde. Aqui no Brasil, buscou-se uma acomodação rápida com o capital, convidando para o comando da política econômica um executivo de grandes bancos, confiável ao meio empresarial nacional e internacional para acalmar os ânimos.

O discurso de campanha que aparentava novo, em nome da “governabilidade e do desenvolvimento” revelou-se tão velho quanto aos demais no apoio sem limites à valorização do capital, com políticas danosas ao ambiente que agora se revela com toda força na seca resultante das mudanças climática pela destruição da Mata Atlântica, Floresta Amazônica e dos mananciais no entorno das grandes cidades. Não se podia esperar nada diferente de uma formação estatal que nos primórdios do capitalismo teve papel decisivo na acumulação e depois como guardiã das garantias jurídicas e da segurança necessária à valorização do capital, cuja lógica não muda em função das trocas de governo.

A Grécia, com sua dívida astronômica com os bancos da Europa, superior a 175% do PIB, vai resistir às bravatas de seus parceiros ou capitular? Por trás dessa pressão estão os bancos centrais e os bancos privados europeus que precisam manter a ilusão de que receberão com juros o dinheiro enterrado para sempre nesse País. Mas, há também o medo que um governo bem sucedido na defesa dos interesses locais, ao resistir à violência do capital internacional, faça surgir movimentos semelhantes em outros países da Europa. E os sinais de que isso possa acontecer começam a surgir: recentemente assistiu-se uma grande manifestação em Madri organizada pelo movimento “Democracia Real Já” (Podemos), também uma frente de esquerda de tendência díspar.

Ainda é muito cedo para dizer o que vai acontecer.  No entanto, é necessário ter claro que a Grécia, um País em crise, encontra-se num Continente aonde a crise piora a cada medida tomada pelos seus governantes para resolvê-la, e que faz parte de um mundo capitalista em crise terminal. O novo governo grego, apesar do ímpeto e desejo de resolver os problemas, o que pode fazer é mostrar, a partir de uma análise crítica, que a crise não se resolve dentro dos limites da sociedade capitalista, tornando urgente a discussões de alternativas, mesmo que não se tenha claro ainda qual o rumo a ser seguido. Para isso, porém, faz-se necessário uma ampla consciência crítica.

Nas condições dadas, a questão social pode no máximo ser mitiga, mas não resolvida, se o capital internacional for forçado aceitar redução da dívida e negociar em condições vantajosas para Grécia o que sobrar. O que não é certeza. O mais provável é que seus representantes usem métodos truculentos, chantageando e ameaçando derreter as finanças do País, para garantir seus interesses mesmo que lhes custe caro. 

No afã de resolver os problemas, há o risco dos novos governantes gregos caírem no pragmatismo da Realpolitik, tão comum nessa fase de declínio do capitalismo entre as esquerdas, e que, quando no poder, restringe-se a administrar a crise. Evidencia-se nos países mais duramente atingidos pela crise, tendência à exacerbação do discurso sexista, racista e antissemita, com conotações nacionalistas, pois bem sabem seus mensageiros que encontra ressonância principalmente no desespero das classes médias empobrecidas e nos sujeitos excluídos do mercado. É curioso saber como uma frente de esquerda que surgiu a partir de um movimento social de resistência, vai lidar com esse discurso interna e externamente.

O grande problema numa sociedade fetichista é que as mudanças pode não acontecer obedecendo à vontade dos que detém o poder e na velocidade requerida. Pode, inclusive, tomar direções surpreendentemente diferentes do desejado, como se tem frequentemente observado. Mesmo sobrando apoio e firmeza nos enfrentamentos, isso não é suficiente para mudar os rumos das coisas: o mais comumente assistido o aguçamento da crise e a degradação das condições humana, mesmo em países que fazem a gestão da crise em condições vantajosas quanto à disponibilidade de recursos.

Nesse início deste século, os movimentos que despontaram na periferia do capitalismo, ou se afundaram direto na barbárie, e os exemplos vão do Egito, Líbano, Síria, os países da chamada “Primavera Árabe”, até Venezuela aonde as taxas de homicídios explodiram nos últimos anos; ou, como no Brasil, onde se buscou a conciliação com neoliberalismo garantindo os privilégios dos mais ricos em troca de distribui migalhas aos mais pobres, e permitindo a “captura” do Estado por grupos políticos em aliança com  ,grandes empresas públicas e privadas.

Em muitos países o Estado em desagregação transformou-se em casamata de grupos de interesses, e bandos armados proliferaram sem controle, submetendo a população pela violência e o medo. Por outro lado, o que pode ser classificado como movimento social, prisioneiros que são das categorias do modo de produção capitalista – trabalho abstrato, mercadoria, valor, dinheiro, Estado e mercado - não conseguem enxergar saídas além da sociedade que dizem combater.

A subida do Syriza não vai muda o caráter do Estado e a sociedade grega. O conjunto de instituições que dão sustentação a funcionalidade dessa sociedade vão continuar intactas, executando suas tarefas como antes, independentemente de quem nele está no comando. Na condição atual do capitalismo, os movimentos que abalaram e desorganizaram o Estado burguês ou o que restava deste, mostraram-se incapaz de oferecer alternativas viáveis. A tendência tem sido sempre o aviltamento da situação e as forças políticas que aí se instalam, ao não se entenderem, digladiam-se e armam trincheiras na esperança de surpreender inimigos vindos de todos os lados. No Norte da África e em outras regiões do planeta, à medida que os conflitos se agudizam, os grupos políticos cindidos transformam-se em bandos armados prontos a impor pelo terror seu domínio sob os territórios ocupados.

A Grécia não está livre do caos e da violência se a crise social não for rapidamente aliviada. A “troika”, Comissão Europeia, Banco Central Europeu e Fundo Monetário Internacional, pressionada pela Alemanha, ao puxar a corda além do que seja possível à sociedade grega suportar, pode deixar a crise inadministrável e acelerar o processo de desagregação social, cujas repercussões devem ultrapassar as fronteiras nacionais. A Grécia pode ser o Lehman Brothers da Europa. Entretanto, no momento de crise categorial do capitalismo, a construção de uma nova sociedade em cima dos escombros materiais e espirituais da sociedade capitalista, não passa pelas vias partidárias e pelo Estado moderno. É necessário que surjam movimentos sociais que resistam à tentação de caminhar por essas vias e distanciem-se dessas formas de organização próprias da sociedade capitalistas, sem, no entanto deixar de reconhecer que existem.      


10.02.2015         

segunda-feira, janeiro 12, 2015

A barbárie no centro do capitalismo

Rall
 
 Apesar de todas as medidas de segurança tomadas pelos países do centro do capitalismo, os atos de violência vão se consumando sem que o Estado seja capaz de preveni-los. A descrição das ações como ato de “lobos solitários”, serve mais para esconder a incompetência dos órgãos de segurança do que como análise séria. É claro que isso não seria possível sem apoios internos e externos, material e ideológico. Busca-se afirmar que esse tipo de violência restringe-se ao sectarismo religioso e nada mais. Mas o discurso contra a barbárie usado dessa forma esquece o substrato real gerado pelas relações sociais, parte essencial do ser sectário. E aí a sociedade capitalista tem que se explicar.

 O apelo oficial pela união de todas as forças contra o terrorismo, que deve ser repudiado e combatido, em defesa dos valores universais da sociedade burguesa, é como se dissesse: “olha, aqui está tudo bem, o problema são os inimigos externo”. Ou como propõe a extrema direita em seu discurso belicoso, uma verdadeira cruzada capaz empurrar o islã além das fronteiras européia. Nenhuma palavra por que milhares de jovens nascidos na Europa engajaram-se na insana aventura de grupos sectários fascistoide que cultuam a morte. E agora trazem a experiência de lidar com armas pesadas e matam brutalmente dentro de seus países, não importa o preço que tenham a pagar.

É preciso condenar os atos de barbárie, mas também reconhecer que a dinâmica do capitalismo em crise, com a crescente massa de força de trabalho supérflua, fornece aos grupos sectários, braços e corpos, para apertar o gatilho ou explodir contra pessoas desarmadas. É bom lembrar que a razão iluminista trazida à memória em momentos como estes, serviu e serve para justificar em nome da modernidade, massacres de cidadãos não europeus, fora e dentro de suas fronteiras, na expansão e consolidação do capitalismo mundial e agora no seu ocaso. A primeira e a segunda guerra mundial, e as guerras regionais que se seguiram ao período do pós-guerra, seguem a lógica cega e androcêntrica do capital, que para o indivíduo ser produtivo de mais-valia, os sentimentos são brutalmente reprimidos e extirpados para que possam atender ao mercado e ao Estado armado. O que resta é um ser abstrato, destituída do sensível, que vagam como mônoda no automático da valorização do capital.

Num mundo fetichizado sob o domínio do dinheiro, o sectarismo religioso não flutua nas nuvens, no Empíreo dos deuses, independente deste. Uma simples análise das guerras sectárias no Iraque, na Líbia e na Síria, só para citar algumas do presente aonde essa questão mantém-se em pauta, veremos que os interesses econômicos subjazem a luta fratricida. É claro que os sistemas de crenças torna tudo isso mais brutal, na medida em que a dinâmica própria destes mobiliza e justifica a violência perante seus seguidores.

Não adianta culpar o outro ou justificar que assistimos um choque de civilização entre o Ocidente e Oriente, e se ausentar do problema. Não há muito, se considerarmos os intervalos de tempo da história, em plena Europa foi estabelecida a barbárie nazista do holocausto, cujas justificativas eram plenamente aceitas por povos ditos civilizados. Movimento que começou de forma muito parecida como o que estamos assistindo agora: grupos autoritários recrutando entre os marginalizados, pessoas dispostas a se utilizar da violência para impor uma visão de mundo que acreditavam ser a verdadeira. Só diferem porque a Pátria-mãe dos nazistas oferecia o paraíso na terra e os grupos religiosos sectários no Céu, tornando a questão da vida para os seus seguidores mais banal ainda, já que a morte é vendida como a chave para abrir a porta do paraíso celeste.     

Apesar desse tipo de violência exigir manifestações clara de repúdio, não se pode esquecer a lógica destrutiva da sociedade burguesa e de sua forma de produção. Mas mesmo reconhecendo a existência de condicionantes muito fortes nesta sociedade, os indivíduos não estão isentos de responsabilidade, podem resistir e se manifestar em relação a determinados fatos. É hora de saber até aonde vai à tolerância religiosa de todos os credos ao se manifestarem sobre o episódio que matou jornalistas, cartunistas e outras pessoas, já que se sentiram atingidos pelas charges irreverentes da revista francesa. A afirmação é também válida para grupos militantes e partidos políticos. Mesmo reconhecendo o direito de discordar e de protestar contra as publicações, em momentos como este não se pode aceitar de qualquer instituição ou personagem a omissão ou declarações dúbias, que alimentem o germe da violência e da destruição presente no substrato introjetado sem cessar nos corações e mentes.


12.01.2015