quarta-feira, agosto 12, 2015

O capitalismo, a corrupção, o Brasil e a crise

Rall

A crise bate forte nas portas da frente e dos fundos e não tem resposta. Ameaça derrubar a casa e suas frágeis estruturas. Sem condições políticas de gerenciá-la, o governo entra em pânico! O Estado, expostas as entranhas, mostra a sua verdadeira relação com o privado em todos os níveis. O que é a corrupção se não o imbricamento simbiótico entre o Estado e o setor privado, fenômeno inerente ao modo de produção capitalista? Os partidos, apesar dos apelos enganadores, nos momentos de crise dizem o que são na sociedade produtora de mercadoria: “correias de transmissão” entre os interesses privados empresariais e os Estados Nacionais. Já no processo eleitoral, colocam-se na condição de facilitadores dos negócios em troca de vantagens financeiras para os grupos partidários e mesmo para enriquecimentos pessoais, não importa as cores que ocupam no espectro político. A relação intensa, porém tensa entre o Estado e o mercado, aparentemente pode ser quebrada em operações como a Lava a Jato. Mas não é, como não foi no Mensalão e em centenas de outras já esquecidas pela memória coletiva. Enquanto alguns elos são quebrados surgem outros com mais força e sofisticação, difíceis de serem detectados.

O Estado Moderno, consideradas as variações no tempo e no espaço, sempre foi e sempre será o balcão dos grandes negócios da sociedade capitalista, com algumas funções infraestruturais, reguladoras e sociais. Na acumulação primitiva do capital, que se inicia com a desintegração dos feudos no período medieval, era principalmente o Estado Absolutista, quem através do uso da força sem limites, usurpava, matava, disciplinava e empurrava para “gaiola de ferro” (Weber) a força de trabalho necessária à acumulação da “riqueza abstrata”, provocando enormes deslocamentos forçados da população para os centros fabris em formação. Acompanhavam essa movimentação a miséria, a fome e as doenças resultantes das relações sociais estabelecidas, dos espaços insalubres e contaminados das cidades em crescimento desordenado, dos ambientes e condições de trabalho precários. Para as novas situações leis são elaboradas pelo Estado Moderno em formação, compondo o arcabouço jurídico-institucional que negava a velha ordem e abria caminhos para o rápido crescimento da acumula capitalista, formalizando as relações da sociedade burguesa em expansão.

Certa independência do Estado em relação a produção e ao mercado, ou períodos de crescimento aparentemente autônomo da produção e da acumulação, manifestadas no transcorrer do desenvolvimento capitalista, não rompe a indissolúvel relação: um não consegue viver sem o outro, são irmãos xifópagos que compartilham as mesmas vísceras e o mesmo ar que respiram. Basta que crises os ameacem para que deixem de lado as ilusões ideológicas e busquem socorrerem-se mutuamente. Nesse sentido, a agudização da crise em 2007/2008 foi muito rica em exemplos de como os Estados do centro do capitalismo, criticados severamente pelos operadores do mercado e pelos neoliberais como um estorvo ao desenvolvimento, são mobilizados em todo mundo pelos grupos privados e ideólogos que os criticam para salvá-los do colapso. Num pacto para preservar interesses, os Estados transferem para si parte do ônus da crise. Portanto, os déficits e as dívidas dos Estados aumentaram exponencialmente com as renuncias fiscais e queda da arrecadação. Os bancos centrais passaram subsidiar os juros e a imprimir dinheiro para comprar papéis podres, de créditos mal parados, que pesavam negativamente no balanço das empresas privadas, principalmente dos bancos que corriam o risco de colapso sistêmico.   

Para acabarem com a corrupção, os paladinos da justiça teriam que desatar o nó dessa relação, destruir a “gaiola de ferro” que aprisiona a força de trabalho, e decretar o fim da geração da “riqueza abstrata”, ou seja, do dinheiro. Não sendo o caso, a corrupção simplesmente deverá mudar de lugar e nome: antes Mensalão, hoje Petrolão, amanhã Eletrolão... Se olharmos para trás e estabelecermos uma linha de tempo imaginária dos negócios sem transparência entre o setor público e o privado, vamos perdê-la de vista, pois ela tem a mesma extensão da linha de tempo da existência da Sociedade Moderna.

O conceito “corrupção”, definido por padrões éticos de um Estado idealizado que nunca existiu, surge como tentativa de preservar alguns espaços da invasão da mercadoria-dinheiro. No entanto, a história mostra que a concorrência por mais dinheiro tende ocupar todos os níveis da sociedade burguesa, quebrando as frágeis barreiras do discurso ético e do que deveria ser função do Estado. Essa lógica cega e destrutiva, que é a lógica que move o capital, é institucionalizada a todo instante em todas as esferas da sociedade burguesa, mesmo que não seja claramente percebido.

 No setor privado, o toma-lá-dá-cá que geralmente favorece os que estão na alta gestão das empresas, muitas vezes recebe nomes pomposos para esconder o verdadeiro significado das operações, cujos valores são determinados pelos próprios favorecidos. Qual o significado dos ganhos astronômicos dos executivos e de suas assessorias arrancados de empresas muitas vezes pagando salários miseráveis e com risco até mesmo de fechar? A lógica é a mesma, porém aceita pela sociedade e até louvado como meritocrático. A expansão sem limites do capital fictício (geração ou impressão de dinheiro sem lastro, bolhas financeiras etc.) pelo mercado e pelo o Estado para manter a economia em movimento, pode ser vista como esse processo levado ao extremo.

No entanto, tudo isso são sintomas muito forte da crise fundamental do modo de produção capitalista, dos limites de acumulação de “riqueza abstrata” e, consequentemente, das instituições que lhes dão sustentação. A tendência é o acirramento da disputa pela riqueza escassa, com aumento da desigualdade como apontam os estudos de Thomas Piketty e de outros pesquisadores. A retomada de hipótese da “estagnação secular” pelo ex-secretário do Tesouro americano Larry Summers, reconhece que a propensão em investir e consumir nos países desenvolvidos é tão baixa que só será possível à retomada da economia com taxas de juros reais negativos por longos períodos. Vê na economia estagnada do Japão, com deflação persistente, o espelho do desenrolar da crise na Europa e nos EUA. A “estagnação secular” pode ser a manifestação fenomênica da crise do valor quando a economia é analisada utilizando-se os instrumentos da macroeconomia. A situação duradoura apontada, de baixo ou nenhum crescimento, parece um indicador importante de que a crise não é cíclica, mas não a explica. Quando afirma que os baixos níveis de produtividade compõe o quadro da estagnação, não entende o que fundamenta a crise da acumulação real: a revolução tecnológica que movida pela concorrência global em busca do aumento crescente da produtividade e de novos mercados, torna supérfluo o trabalho, substância do valor.    

Se as investigações que estão levando figurões à cadeia tem uma utilidade é mostrar que o Estado, enquanto o outro lado da moeda na sociedade capitalista, é regido pela mesma lógica que a anima: fazer dinheiro. Com a crise do valor e do dinheiro, o financiamento do Estado passa a ser um problema e os mecanismos que possibilitam algum equilíbrio contra a concorrência predadora são facilmente capturados pelos grupos de negócios, apesar das resistências pontuais no interior do aparelho estatal. O Estado brasileiro, com o agravante de um Estado saqueado que chegou ao seu limite, entrou num processo de desagregação muito difícil de ser estancado ao ser arrastado pela crise estrutural do capitalismo e das instituições políticas que agora batem as portas. Mesmo com alguma resistência na esfera estatal, o que desponta no horizonte é a formação de grupos mafiosos, cada vez mais agressivos, em lutam pela posse do espólio e para manter posições.          


12.08.2015