segunda-feira, novembro 28, 2016

O neonacionalismo de Trump como aparente reação ao fracassado neoliberalismo dos adversários

Rall

A vitória de Trump traz à tona a questão do desemprego e do subemprego nas áreas antes industrializadas dos EUA e de outras partes do mundo. Ao sentir-se cada vez mais supérfluo com automação da produção, os trabalhadores americanos reagiram contribuindo massivamente para eleição de um candidato que soube manipular os sentimentos de medo e de insegurança que dominam as regiões em acelerada desindustrialização e empobrecidas. A responsabilidade pela crise do emprego é atribuída de forma simplista a deslocação da indústria americana para o Sudoeste Asiático, México e, principalmente, para China. Os imigrantes latinos são acusados de competir de forma desigual com os trabalhadores brancos nativos e de disseminarem a violênciaږꀀ﷽﷽﷽﷽﷽﷽﷽﷽~çãliberalismoo, sendo os mexicanos o principal alvo.

A aparência manifestada pela crise do capitalismo é tomada como sua essência, inclusive por analistas que se opõem a Trump por outros motivos. Em nenhum momento a questão fundamental da crise da mercadoria, da valorização, da acumulação de “riqueza abstrata” (Marx), do dinheiro é considerada. É preciso entender como o aumento da produtividade pela cientifização e automação da produção, que há décadas vem tornado o trabalho (substância do valor) supérfluo, afetando a formação de “riqueza abstrata”, é determinante para as questões abordadas.

Esse novo momento de desemprego ascendente, o que ainda resta de postos de trabalho são precarizados e os salários rebaixados numa espiral sem fim, para sustentar um anêmico crescimento que se fundamenta na desigualdade e na geração de capital fictício. A abundante oferta de mão de obra no globo tende a segurar a difusão de novas tecnologias nos setores mais atrasados da economia que se beneficiam dos baixos salários. Daí resulta uma grande assimetria no crescimento da produtividade, com setores da produção e países diferenciando-se, enquanto em outras regiões os baixos salários ainda compensam o não investimento na automação ou nem mais interessam ao mercado capitalista. Essa assimetria pode levar, momentaneamente, a uma queda da média da produtividade a nível global, principalmente nos momentos de agudização da crise.   

Por isso a grande diferença no aumento da produtividade, quando comparados setores mais dinâmicos com os mais atrasados: “Enquanto a centena de indústrias que se encontram naquilo que a OCDE define como a fronteira global da inovação aumentaram a produtividade do trabalho a um ritmo de 3,5% ao ano, desde o início do milênio, a média do setor não foi além de 1,7% anuais. No setor de serviços a distância é ainda maior: 5% para as companhias mais avançadas e 0,3% para o conjunto” (Ricardo Abramovay – “Desigualdade e produtividade” - Jornal Valor Econômico, 01.09.2016).

No entanto, essa freada na produtividade média em conjuntura de crise, pode ser revertida na medida em que a nível global aumentar a concentração do capital e que continue em queda o preço das máquinas e das tecnologias de automação, compensando a substituição da força de trabalho, e a concorrência forçar os países e setores da economia poucos produtivos que usam mão de obra intensiva, movimentarem-se para não serem expulsos por empresas mais produtivas detentoras de tecnologias avançadas. A avidez de China pela compra de empresas europeias e americanas de tecnologia de ponta é um indicador importante desse movimento.

Por outro lado, com os avanços tecnológicos e automação que possibilita as indústrias com plataformas 4.0 funcionarem 24 horas praticamente sem trabalhadores, empresas americanas e europeias instaladas em outros países, atraídas pela abundância de força de trabalho e baixos salários, e que produzem para exportar para os mercados de origem, já começam a fazer o caminho de volta sem, no entanto, gerar empregos como pretende o Sr. Trump e seus iludidos seguidores.

Nessa conjuntura assimétrica quanto ao uso de tecnologias na produção, os setores mais dinâmicos tendem concentrar mais riqueza abstrata, beneficiando-se inclusive da transferência do que ainda resta de mais-valia produzida nos setores e regiões atrasadas, que aos pouco vão se descolando da produção capitalista, transformando-se em terras arrasadas onde o Estado não mais funciona e o que resta é disputado a tiros por gangues armadas. Situação que atinge países inteiros ou bolsões de miséria, inclusive dos mais ricos. Essa é talvez a principal causa das grandes desigualdades entre países, e nestes entre suas populações, sem solução à vista.   

Nos setores mais produtivos, transitam os trabalhadores com salários diferenciados. No entanto, com o avanço das tecnologias da informação, num aparente paradoxo, o tempo de trabalho vem se prolongando, desmentindo as teorias de que com a automação e aumento da produtividade é possível a redução do tempo nas jornadas de trabalho. Ao contrário, é cada vez mais comum os trabalhadores ao deixarem o ambiente empresarial, continuarem com atividades relacionadas ao trabalho em suas residências e ocupando o chamado tempo livre, que já não é tão livre.  

A queda observada nos custos de incorporação de novas tecnologias à produção, não significa prescindir do capital financeiro. Os enormes agregados de capitais, há muito deixaram de ser financiáveis apenas com capitais próprios. Duas questões devem ser consideradas: na medida em que o capital na concorrência global é forçado a se concentrar, torna mais caro o financiamento de sua expansão pela dimensão das operações. Segundo, as tecnologias incorporadas nesse processo tendem a impactar negativamente na massa de mais-valia pela redução do consumo de “trabalho abstrato” e, consequentemente, na rentabilidade, levando esses agregados a recorrerem cada vez mais ao capital financeiro especulativo para turbinar seus lucros que perderam o brilho na economia real.

Portanto, o que se costuma chamar de "financeirização da economia", não é um fenômeno que tem origem no capital financeiro e pronto. Fundamenta-se na crise de valorização do capital na economia real, que para aparentar “sca reconhecer fronteirasendenda vez mais curtos, lturasrentável” necessita operar nos espaços do capital financeiro, gerando capital fictício em aplicações especulativas que retorna as empresas contabilizado como aparente lucro, e na necessidade do financiamento dos investimentos. Com isso o capital financeiro passou a crescer de forma exponencial e ter uma importância grande no funcionamento e manutenção da economia global moribunda.  aeconomia real.r sobre aro passa a ter uma auas residÇencias

Quando os mecanismos de gerar capital fictício no mercado para financiar a economia falham, como observado na crise de 2007/ 2008, o Estado assume a função de credor de última instância, através da impressão de dinheiro (sem substância), compra de papéis podre de crédito privado e juros negativos para lubrificar a economia real e fazê-la andar, até que os mecanismos do mercado geradores de capital fictício voltem a funcionar e logo desemboque inevitavelmente em uma nova crise financeira de proporção bem maior que a anterior, como vem acontecendo. Muito mais importante que a inflação e o desemprego, o que o Fed (banco central americano) hoje avalia é se o mercado financeiro consegue se manter sozinho nas alturas com as próprias pernas, gerando capital fictício suficiente para que a economia real não entre de vez em colapso. Esses círculos de crises financeiras cada vez mais curtos é um sintoma do “limite absolutos da valorização do capital” (Kurtz), prenunciado por Marx.  

No caminhar da Terceira Revolução Industrial (ou quarta, como passou a ser chamado esse novo momento do capitalismo), depois da automação da indústria e da agricultura ainda em processo, os sinais de um grande salto vêm sendo observado nas inovações tecnológicas que permitem comunicação em tempo real entre objetos domésticos, equipamentos, máquinas e homens. Impactantes também são as tecnologias desenvolvidas para os serviços oferecidos pelo setor terciário, principalmente para os relacionados diretamente à produção de bens tangíveis e intangíveis como logística, contabilidade, vendas, pós-vendas e atenção ao consumidor. Não se tem claro os números de postos de trabalho que serão fechados nos próximos anos com essa nova onda de automação e utilização em larga escala de tecnologia de informação que atingirá a produção e a circulação das mercadorias, mas sabe-se que vai ser bem superior ao até agora assistido. sem rumolhar de vez o trem ral como a desregulamentaç

O contingente de desempregados resultante dessas mudanças, são presas fáceis dos discursos demagógicos que apontam soluções mágicas para um cotidiano devastado e sem perspectiva, mantido sobre lógica da valorização com custos humanos e ambientais terríveis. Novos Trumps e Brexits devem aflorar mundo à fora. Mesmo que se fechem todas as fronteiras e se desfaçam todos os acordos comerciais, não vai mudar a lógica implacável do capital que movido pela concorrência brutal tende se expandir sem reconhecer fronteiras, e cada vez mais busca o aumento da produtividade, como forma de racionalizar custos e se tornar rentável num senário desfavorável, dispensando força de trabalho, mesmo que isso possa leva-lo ao juízo final.

Se o neoliberalismo era uma tentativa de limpar os “entulhos” à valorização, deixando livre o caminho para o movimento sem peias do capital, num esforço para transformar até o ar que respiramos em mercadorias e de empurra para frente os impasses da crise que não consegue solucionar, o seu fracasso pariu um disforme nacionalismo, com um discurso preso ao pior da política da qual diz querer se livrar. Em defesa do mercado interno e da geração de empregos, Trump promete criar empecilhos capazes de dificultar a forma como o capitalismo avança e, ao mesmo tempo, se aproxima de seu ponto de inflexão. Apesar da tarefa não ser fácil, a violência de uma gestão autoritária com arroubos de que tudo é possível, pode descarrilhar de vez o trem sem rumo do capital.



25.11.2016

domingo, junho 26, 2016

Não há luz nem fim de túnel no capitalismo

Rall

Apesar da constatação do aumento da dívida global ser um elemento fundamental na instabilidade e determinante de sucessivas crises financeira, e do discurso da importância da desalavancagem para evitar novas crises, em contradição com o esperado e com desenhado nos modelos acadêmicos, a dívida global continua a crescer e deverá desembocar inevitavelmente em novas crises. Entre que para os economistas deveria ser o lógico e as incertezas do real, está a incapacidade de acumulação da economia mundial. O excesso do endividamento, depois da crise financeira de 2007/2008 pelo mesmo motivo, surge como uma necessidade para manter de pé a economia moribunda e como forma de empurrar para frente o colapso do capitalismo.

Os juros negativos definidos pelos bancos centrais dos países ricos, foi o meio imposto pela realidade econômica aos governos, para evitar uma nova crise no curto prazo com inadimplência em massa e impacto financeiro de proporções avassaladora. Juros baixos ou negativos é uma forma encontrada de administrar a crise, estimulando o consumo e, ao mesmo tempo, com queimas homeopáticas de capital, distribuindo o prejuízo por alguns setores da economia, sem poupar os bancos que, se tem dificuldade de sobreviver a juros negativos no longo prazo, já estariam em colapso se essa medida não fosse aplicada, arrastando os outros setores da economia. Por outro lado, se os bancos centrais aliviam as perdas do setor financeiro imprimindo dinheiro para compra de créditos podres e emprestam a juros negativos aos bancos privados, os estados nacionais endividados reduzem o aporte de recursos às áreas sociais e desmontam as conquistas trabalhistas. No Brasil a bola da vez nos cortes do governo de plantão é a saúde, a educação e o fim dos direitos assegurado aos trabalhadores com a possível aprovação pelo Senado da terceirização das atividades fins.

O medo de uma deflação com estagnação nos países do centro do capitalismo, tem transformado em realidade a sugestão de Milton Friedman, o que oras.vamos.cid aporte de  de dinheiro“jogar dinheiro de helicóptero”, inundando a economias global de capital fictício sem, no entanto, debelar a crise, o que assombra os chamados formuladores de políticas econômicas. Nos países da periferia do capitalismo, o medo é da estagnação com inflação, fenômeno assistido em países como o Brasil, Rússia e Turquia entre outros nos vários Continentes. Na periferia, diferentemente do centro, a receita para crise é retirar dinheiro de circulação, o bem conhecido arrocho monetário, que sempre vem acompanhado de graves repercussões sociais. Os dois fenômenos, deflação e inflação com crise econômica, são partes de uma mesma realidade: as dificuldades de acumulação de capital pela incapacidade da economia real gerar em quantidade suficiente mais-valia com a crise do trabalho.  

A política de estímulo ao consumo pelo endividamento a juros baixos em países como o Brasil não deu certo. E esse fracasso não está relacionado com a resistência de setores que se beneficiam dos juros altos, como é voz corrente entre economista da esquerda e alguns empresários nacionais endividados. Diferentemente dos países ricos, cujo o aumento da produtividade impacta na redução dos preços das mercadorias, aqui o que se observa é a produtividade do trabalho estagnada em setores importantes da economia, associada a um desequilíbrio cambial e a ruína das contas públicas, cujo impacto da rapinagem não deve ser desprezado. Nos países do centroociedade mais harmoniosa e maiso capitalismo “jogar dinheiro de helicóptero” gera algumas dúvidas, mas é pouco questionada apesar dos efeitos colaterais da expansão monetária. Em artigo sobre o crescimento da dívida nesses países depois do impacto do estouro da bolha de crédito em 2007/ 2008 Ken Brown afirma: "governos, empresas o que oras.vamos.cid aporte de  de dinheiroe pessoas gastam agora em vez de depois" - ou seja, antecipam o consumo da mais-valia e dos salários - "o que tende a reduzir o crescimento futuro". O articulista prevê a redução do crescimento futuro pelo consumo no presente da presumível riqueza futura, utilizando-se de crédito amplamente facilitado, mas fica por aí.

Como a teoria da crise do trabalho e do valor explicar esse fenômeno?

1. Para melhorar as taxas de lucro deprimidas, as empresas buscam aumentar a taxa de mais-valia relativa incrementando a produtividade, para enfrentar a concorrência. Com isso, mantendo-se constante o tempo de trabalho, a tendência é o aumento relativo do mais-trabalho em relação ao trabalho necessário. Por outro lado, o aumento da produtividade nas empresas produz um maior número de produtos por trabalhador em um mesmo período de tempo de trabalho, fazendo com que haja redução dos preços, já que para esse aumento da produção não cresce o dispêndio de trabalho. Nessa condição, as empresas tornam-se mais competitivas e a reprodução do valor da força de trabalho garante as condições mínimas de subsistência do trabalhador pelo barateamento dos produtos de seu consumo. O achatamento dos salários a nível global em progressão há décadas, está relacionado com o aumento da produtividade do trabalho que leva a dispensa dos trabalhadores e ao aumento da mais-valia relativa em relação a parte do valor criado que corresponde aos salários pagos.   
 
2. O incremento da produtividade, determinado fundamentalmente pela revolução tecnológica, que vem tornando supérfluo o consumo da mercadoria força de trabalho no modo de produção capitalista, tende a impactar negativamente na formação da massa de mais-valia.

3. Para compensar a retração da acumulação de “riqueza abstrata” pela redução da geração de mais-valia, o crédito antecipa o consumo no presente da massa dos salários e do mais-valor a serem gerados no futuro. Pressupõe-se aí que a reprodução dos salários e mais-valia (lucro) no porvir terá que cobrir as dívidas do consumo no presente e as que se formarão no caminho para o futuro que pode não ser alcançado.

4. Como por força da concorrência e da necessidade de manter os lucros, na produção capitalista a cientificização, automatização e a dispensação da força de trabalho só tende a se intensificar, o presente aponta para uma redução ainda maior da massa de salários e da mais-valia futura, e com isso a impossibilidade de saldar as dívidas acumuladas atualmente e as que estão em processo para anos vindouros.

5. Com dívidas acumuladas e a redução da “riqueza abstrata” pela a queda da massa de valor e mais-valia social produzida por diversos capitais, a economia global não tem outra saída que não seja elevar as dívidas à patamares superiores, com um problema: as dívidas do passado, somam-se as dívidas cada vez maiores do presente e, à medida que o tempo avança no futuro sombrio do capitalismo e a força de trabalho é substituída por novas tecnologias de produção de bens e serviços, reduz-se ainda mais a geração de valor e mais-valia.

6. O limite da dívida global é também o limite interno absoluto (Marx) do capitalismo. Quando atingir o ponto de não mais ser possível gerar “riqueza abstrata” (dinheiro), ou só produzir resquícios de mais-valia em função do não consumo da substância do valor na produção, o “trabalho abstrato”, entra num impasse a necessidade de se aumentar a dívida para que a máquina capitalista continue funcionando. Já não se vislumbra qualquer chance de se pagar dívidas públicas ou privadas e as dificuldades de as rolar para o mais longínquo futuro são crescentes. As dívidas com prazos para serem liquidadas daqui a meio século já dão o que pensar.
 
A possibilidade de o jogo da dívida durar para sempre, como antever alguns, seria possível se capitalismo pudesse sobreviver a permanente crise da desvalorização do capital total sem colapsos violentos da economia mundial e sem questionamentos. No entanto, o processo de encolhimento da massa de mais-valias, em velocidade cada vez maior pela redução da substância do valor, o “trabalho abstrato”, numa economia que a cada dia cresce a dispensa da força de trabalho pela introdução de tecnologias de automação na indústria e nos serviços, mesmo que haja aumento da produção, a mais-valia futura tende a cair em proporção inversa ao aumento da produtividade. Vive-se um momento paradoxal para o pensamento burgueses, algo que não estava previsto pelos seus analistas em mais de três séculos de capitalismo: a medida em que cresce a produção de bens e serviços pelo o aumento da produtividade com as novas tecnologias, capaz de satisfaz as necessidades da população, acompanha essa revolução na produção a queda na formação real de “riqueza abstrata”. Para manter a economia em aparente normalidade, forja-se a acumulação com capital fictício, que desemboca mais tarde ou mais cedo em crises financeiras de gravidade crescente.

Situação descrita como o "novo normal”, economistas e autoridades financeiras, veem no rolar da bolha da dívida que cresce sem parar num tempo que acreditam ser eterno e a-histórico, como inevitável. Considerando que a preocupação das camadas hegemônicas não é sair da crise, pois o fato é que não enxergam saída, mas administrá-la conforme seus interesses sem pensar em outro modo e relações de produção, o chamado “novo normal” tem seus motivos ideológico. Logo se vê que o capitalismo está em transição para um estado totalmente insustentável, já que que os grupos hegemônicos nada pensam mudar: caminha-se para um capitalismo movido exclusivamente por capital fictício, aonde a acumulação de “﷽﷽﷽﷽﷽﷽﷽﷽er umo dessa abstraçnormal tem upopuativos no longo prazo, riqueza abstrata” pela geração de mais-valia, objetivo último da produção capitalista, deixa de existir. Isso é possível ou é uma ilusão dos que acreditam na eternidade do capitalismo? As frequentes crises financeiras, mostram que um capitalismo onde a “riqueza abstrata” já não é uma “abstração real” (Marx), mas um simulacro dessa abstração, sem origem nas relações sociais de produção de mais-valia, não se sustenta.

O que vem pela frente não é previsível. Tanto pode ser a superação da sociedade atual centrada na competição destrutiva e a passagem para uma sociedade mais harmoniosa e solidária, com a transmutação do objetivo final do capitalismo de acumulação de “riqueza abstrata” para uma produção dirigida ao atendimento das necessidades dos indivíduos, como pode a sociedade manter-se atolada na crise, com o risco até mesmo da extinção da espécie humana pelo esgotamento da natureza e pelo acirramento a níveis insuportáveis dos conflitos sociais, levado pela concorrência em busca da acumulação dessa riqueza cada vez mais escassa.

O que era possível após a segunda guerra mundial e até o final dos anos sessenta nos países do centro e mesmo na periferia do capitalismo, um certo equilíbrio entre a acumulação e a distribuição de riqueza pela ação dos Estados, deixa de existir com a crise que tem levado os Estados abandonarem as políticas sociais na tentativa de salvar o sistema. Enquanto não for possível o planejamento e administração das coisas, e prevalecer as categorias cegas e destrutivas do capital a crise é permanente, mas não dura para sempre.


26.06.2016

domingo, março 20, 2016

Para onde apontam as manifestações nas ruas?

Rall

As manifestações voltam com força nas cidades do Brasil. As de domingo 13.03.2016 são as maiores da história do País. Apesar de focadas no combate a corrupção, no PT e no afastamento de Presidenta Dilma, há uma desconfiança enorme da política e dos políticos. Os que se aventuraram comparecer tiveram problemas com os manifestantes apesar das articulações da oposição com os grupos que se colocam como a “vanguarda” do movimento.

O que vem caracterizado as ruas desde as primeiras manifestações é a espontaneidade e uma profunda desconfiança, senão rejeição à político-partidária como a conhecemos, situação que parece está em desacordo com o que pensam os grupos organizados do movimento que mantém estreias relações com alguns partidos. Portanto o abaixo Dilma e PT, estende-se a todas as cores partidária e seus caciques. Alguns da oposição que se aventuraram comparecer às manifestações foram obrigados bater em retirada depois de hostilizados.

Não se sabe, no entanto, se a rejeição à política está só relacionada com a percepção de que a corrupção é um fenômeno generalizado ou também com o sentimento de que a política já não mais dá conta das questões postas pela crise, ou um viés autoritário claramente manifesto por alguns manifestantes ou, mais provável, as três coisas em dimensões diferentes.

É possível que os limites internos que impedem o capitalismo continuar crescendo seja imediatamente sentido pela crise das instituições que lhe dão sustentação, antes mesmos da consciência de que estamos a caminho de um colapso total. Daí posições diversas podem emergir como o aprofundamento da crítica às instituições burguesas de variados matizes e, raramente, a seu modo de produção. Porém, tende acentuar-se a ilusão de que limpando a sociedade de corruptos e corruptores, mesmo ao arrepio da Constituição, possa se desenhar um mundo diferente que leve a solução da crise econômica e social, como se fosse possível.

A crítica radical às instituições que dão sustentação ao capitalismo, por si uma forma corrompida de produção se considerarmos que o objetivo é acumular riqueza abstrata e não atender às necessidades das pessoas como aparenta, pode ampliar a consciência de que é possível construir alternativas além dos limites impostos pela sociedade capitalista em crise, mesmo que essas alternativas se manifestem como pontos opacos não delineados no horizonte, mas que podem ser vislumbradas como opção a um mundo que se desmorona à olhos vistos.

Embora a ilusão de que se possa “domar” as categorias do capital (Estado, mercado, trabalho abstrato, valor, dinheiro etc.), moldando-as através de uma política limpa dos excessos aos interesses da sociedade seja mais atraente, pensar em mudanças fora dos limites do capitalismo é uma possibilidade sem garantias à medida que a situação se agrava. A ideia de uma “faxina” na política como solução, além de simplificar o real, tende desembocar num moralismo de momento falacioso e na defesa da gestão autoritárias da crise sem, no entanto, resolve-la. Pode também abrir espaço para o surgimento de posições retrógradas que defendam o aprofundamento do apartheid social, a descriminação sexual, a indiferença ao impasse ecológico e que tendem a responsabilizar o capital financeiro pelos males do capitalismo como se tivesse lidando com coisas diferentes.   

Algumas posições latentes aparecem quando parte dos manifestantes ao se expressarem não fazem só através de palavras de ordem genéricas. Em entrevista de nove manifestantes publicada pela Folha de São Paulo em 14.03.2016, quando a repórter perguntou sobre a opção eleitoral para Presidente da República, três mencionaram admiração por um político da extrema direita ligado a grupos obscuros do antigo regime ditatorial e um quarto pediu sem rodeios o retorno dos militares ao poder. Pode não ser uma amostra significativa, mas se prestarmos atenção ao clima das manifestações, os comentários das pessoas e a virulência discriminatória nas redes sociais dá para sentir um ar contaminado de coisas não muito boa.  

Isso, porém, não isenta e nem “absorve” as esquerdas governistas, com seu discurso cínico e sempre ajustado ao momento, quando acusada de chafurdar na lama da corrupção em busca de enriquecimento pessoal de mãos dadas com a direita que antes criticava. Ela é parte importante desse processo, mas reage como se nada tivesse a ver. As escutas telefônicas vazadas e as falas dos depoentes das delações premiadas, principalmente do Senador Delcídio do Amaral, peça-chave em vários governos, são mais reveladores do imbricamento entre Estado e mercado, o público e o privado na sociedade capitalista do que qualquer tratado sociológico. A reação da população à política está relacionada com a percepção real de que as diferenças entre os partidos na democracia são formais e desaparecem quando no poder.

É possível que não muito tarde descubra-se que a corrupção é intrínseca ao sistema. A operação “Mãos Limpas” que na Itália varreu da política os grandes partidos corrompidos até a medula, especializados em desvios de somas vultuosas de dinheiro público, que parecia livrar a política italiana de maus políticos, pariu Berlusconi. O novo era na verdade tão velho quanto os que foram punidos principalmente nas urnas, só que com a experiência acumulada pelo fracasso dos antecessores sofisticou-se a roubalheira.

Mesmo com todas revelações e mobilizações o tempo mostrará que as saídas são mais difíceis do que esperam os paladinos da moralidade que acreditam ser possível a construção de um capitalismo isento de corrupção. A medida que o tempo avança observa-se entre os atores mais lúcidos que atuam na Operação Lava Jato, um certo desespero por não vislumbrarem soluções duradouras para o problema da corrupção à longo prazo. São com isso tentados transgredir os limites da ordem burguesa. dos﷽﷽﷽﷽﷽﷽﷽a situaços burros ´ns plos de buscas de sa


A história recente está cheia de exemplos de movimentos que buscaram saídas para crises econômicas e sociais no âmbito do próprio modo de produção capitalista e para Estados capturados por interesses de grupos ou famílias que deram com os burros n’água. Basta olhar a situação dos países Árabes na Pós-Primavera, da Ucrânia e outros aonde a troca de governos, depois de arrefecer o ímpeto das massas muitas vezes sobre repressão brutal, se deu entre máfias sedentas de dinheiro, poder e sangue. Será aqui diferente?

Aos que abraçaram a crítica radical e acreditam na possibilidade da emancipação, resta levantar as questões dolorosas sem se curvar às tendências do momento ou aos equívocos dos movimentos sociais permeados por interesses imediatos.



20.03.2016