domingo, junho 26, 2016

Não há luz nem fim de túnel no capitalismo

Rall

Apesar da constatação do aumento da dívida global ser um elemento fundamental na instabilidade e determinante de sucessivas crises financeira, e do discurso da importância da desalavancagem para evitar novas crises, em contradição com o esperado e com desenhado nos modelos acadêmicos, a dívida global continua a crescer e deverá desembocar inevitavelmente em novas crises. Entre que para os economistas deveria ser o lógico e as incertezas do real, está a incapacidade de acumulação da economia mundial. O excesso do endividamento, depois da crise financeira de 2007/2008 pelo mesmo motivo, surge como uma necessidade para manter de pé a economia moribunda e como forma de empurrar para frente o colapso do capitalismo.

Os juros negativos definidos pelos bancos centrais dos países ricos, foi o meio imposto pela realidade econômica aos governos, para evitar uma nova crise no curto prazo com inadimplência em massa e impacto financeiro de proporções avassaladora. Juros baixos ou negativos é uma forma encontrada de administrar a crise, estimulando o consumo e, ao mesmo tempo, com queimas homeopáticas de capital, distribuindo o prejuízo por alguns setores da economia, sem poupar os bancos que, se tem dificuldade de sobreviver a juros negativos no longo prazo, já estariam em colapso se essa medida não fosse aplicada, arrastando os outros setores da economia. Por outro lado, se os bancos centrais aliviam as perdas do setor financeiro imprimindo dinheiro para compra de créditos podres e emprestam a juros negativos aos bancos privados, os estados nacionais endividados reduzem o aporte de recursos às áreas sociais e desmontam as conquistas trabalhistas. No Brasil a bola da vez nos cortes do governo de plantão é a saúde, a educação e o fim dos direitos assegurado aos trabalhadores com a possível aprovação pelo Senado da terceirização das atividades fins.

O medo de uma deflação com estagnação nos países do centro do capitalismo, tem transformado em realidade a sugestão de Milton Friedman, o que oras.vamos.cid aporte de  de dinheiro“jogar dinheiro de helicóptero”, inundando a economias global de capital fictício sem, no entanto, debelar a crise, o que assombra os chamados formuladores de políticas econômicas. Nos países da periferia do capitalismo, o medo é da estagnação com inflação, fenômeno assistido em países como o Brasil, Rússia e Turquia entre outros nos vários Continentes. Na periferia, diferentemente do centro, a receita para crise é retirar dinheiro de circulação, o bem conhecido arrocho monetário, que sempre vem acompanhado de graves repercussões sociais. Os dois fenômenos, deflação e inflação com crise econômica, são partes de uma mesma realidade: as dificuldades de acumulação de capital pela incapacidade da economia real gerar em quantidade suficiente mais-valia com a crise do trabalho.  

A política de estímulo ao consumo pelo endividamento a juros baixos em países como o Brasil não deu certo. E esse fracasso não está relacionado com a resistência de setores que se beneficiam dos juros altos, como é voz corrente entre economista da esquerda e alguns empresários nacionais endividados. Diferentemente dos países ricos, cujo o aumento da produtividade impacta na redução dos preços das mercadorias, aqui o que se observa é a produtividade do trabalho estagnada em setores importantes da economia, associada a um desequilíbrio cambial e a ruína das contas públicas, cujo impacto da rapinagem não deve ser desprezado. Nos países do centroociedade mais harmoniosa e maiso capitalismo “jogar dinheiro de helicóptero” gera algumas dúvidas, mas é pouco questionada apesar dos efeitos colaterais da expansão monetária. Em artigo sobre o crescimento da dívida nesses países depois do impacto do estouro da bolha de crédito em 2007/ 2008 Ken Brown afirma: "governos, empresas o que oras.vamos.cid aporte de  de dinheiroe pessoas gastam agora em vez de depois" - ou seja, antecipam o consumo da mais-valia e dos salários - "o que tende a reduzir o crescimento futuro". O articulista prevê a redução do crescimento futuro pelo consumo no presente da presumível riqueza futura, utilizando-se de crédito amplamente facilitado, mas fica por aí.

Como a teoria da crise do trabalho e do valor explicar esse fenômeno?

1. Para melhorar as taxas de lucro deprimidas, as empresas buscam aumentar a taxa de mais-valia relativa incrementando a produtividade, para enfrentar a concorrência. Com isso, mantendo-se constante o tempo de trabalho, a tendência é o aumento relativo do mais-trabalho em relação ao trabalho necessário. Por outro lado, o aumento da produtividade nas empresas produz um maior número de produtos por trabalhador em um mesmo período de tempo de trabalho, fazendo com que haja redução dos preços, já que para esse aumento da produção não cresce o dispêndio de trabalho. Nessa condição, as empresas tornam-se mais competitivas e a reprodução do valor da força de trabalho garante as condições mínimas de subsistência do trabalhador pelo barateamento dos produtos de seu consumo. O achatamento dos salários a nível global em progressão há décadas, está relacionado com o aumento da produtividade do trabalho que leva a dispensa dos trabalhadores e ao aumento da mais-valia relativa em relação a parte do valor criado que corresponde aos salários pagos.   
 
2. O incremento da produtividade, determinado fundamentalmente pela revolução tecnológica, que vem tornando supérfluo o consumo da mercadoria força de trabalho no modo de produção capitalista, tende a impactar negativamente na formação da massa de mais-valia.

3. Para compensar a retração da acumulação de “riqueza abstrata” pela redução da geração de mais-valia, o crédito antecipa o consumo no presente da massa dos salários e do mais-valor a serem gerados no futuro. Pressupõe-se aí que a reprodução dos salários e mais-valia (lucro) no porvir terá que cobrir as dívidas do consumo no presente e as que se formarão no caminho para o futuro que pode não ser alcançado.

4. Como por força da concorrência e da necessidade de manter os lucros, na produção capitalista a cientificização, automatização e a dispensação da força de trabalho só tende a se intensificar, o presente aponta para uma redução ainda maior da massa de salários e da mais-valia futura, e com isso a impossibilidade de saldar as dívidas acumuladas atualmente e as que estão em processo para anos vindouros.

5. Com dívidas acumuladas e a redução da “riqueza abstrata” pela a queda da massa de valor e mais-valia social produzida por diversos capitais, a economia global não tem outra saída que não seja elevar as dívidas à patamares superiores, com um problema: as dívidas do passado, somam-se as dívidas cada vez maiores do presente e, à medida que o tempo avança no futuro sombrio do capitalismo e a força de trabalho é substituída por novas tecnologias de produção de bens e serviços, reduz-se ainda mais a geração de valor e mais-valia.

6. O limite da dívida global é também o limite interno absoluto (Marx) do capitalismo. Quando atingir o ponto de não mais ser possível gerar “riqueza abstrata” (dinheiro), ou só produzir resquícios de mais-valia em função do não consumo da substância do valor na produção, o “trabalho abstrato”, entra num impasse a necessidade de se aumentar a dívida para que a máquina capitalista continue funcionando. Já não se vislumbra qualquer chance de se pagar dívidas públicas ou privadas e as dificuldades de as rolar para o mais longínquo futuro são crescentes. As dívidas com prazos para serem liquidadas daqui a meio século já dão o que pensar.
 
A possibilidade de o jogo da dívida durar para sempre, como antever alguns, seria possível se capitalismo pudesse sobreviver a permanente crise da desvalorização do capital total sem colapsos violentos da economia mundial e sem questionamentos. No entanto, o processo de encolhimento da massa de mais-valias, em velocidade cada vez maior pela redução da substância do valor, o “trabalho abstrato”, numa economia que a cada dia cresce a dispensa da força de trabalho pela introdução de tecnologias de automação na indústria e nos serviços, mesmo que haja aumento da produção, a mais-valia futura tende a cair em proporção inversa ao aumento da produtividade. Vive-se um momento paradoxal para o pensamento burgueses, algo que não estava previsto pelos seus analistas em mais de três séculos de capitalismo: a medida em que cresce a produção de bens e serviços pelo o aumento da produtividade com as novas tecnologias, capaz de satisfaz as necessidades da população, acompanha essa revolução na produção a queda na formação real de “riqueza abstrata”. Para manter a economia em aparente normalidade, forja-se a acumulação com capital fictício, que desemboca mais tarde ou mais cedo em crises financeiras de gravidade crescente.

Situação descrita como o "novo normal”, economistas e autoridades financeiras, veem no rolar da bolha da dívida que cresce sem parar num tempo que acreditam ser eterno e a-histórico, como inevitável. Considerando que a preocupação das camadas hegemônicas não é sair da crise, pois o fato é que não enxergam saída, mas administrá-la conforme seus interesses sem pensar em outro modo e relações de produção, o chamado “novo normal” tem seus motivos ideológico. Logo se vê que o capitalismo está em transição para um estado totalmente insustentável, já que que os grupos hegemônicos nada pensam mudar: caminha-se para um capitalismo movido exclusivamente por capital fictício, aonde a acumulação de “﷽﷽﷽﷽﷽﷽﷽﷽er umo dessa abstraçnormal tem upopuativos no longo prazo, riqueza abstrata” pela geração de mais-valia, objetivo último da produção capitalista, deixa de existir. Isso é possível ou é uma ilusão dos que acreditam na eternidade do capitalismo? As frequentes crises financeiras, mostram que um capitalismo onde a “riqueza abstrata” já não é uma “abstração real” (Marx), mas um simulacro dessa abstração, sem origem nas relações sociais de produção de mais-valia, não se sustenta.

O que vem pela frente não é previsível. Tanto pode ser a superação da sociedade atual centrada na competição destrutiva e a passagem para uma sociedade mais harmoniosa e solidária, com a transmutação do objetivo final do capitalismo de acumulação de “riqueza abstrata” para uma produção dirigida ao atendimento das necessidades dos indivíduos, como pode a sociedade manter-se atolada na crise, com o risco até mesmo da extinção da espécie humana pelo esgotamento da natureza e pelo acirramento a níveis insuportáveis dos conflitos sociais, levado pela concorrência em busca da acumulação dessa riqueza cada vez mais escassa.

O que era possível após a segunda guerra mundial e até o final dos anos sessenta nos países do centro e mesmo na periferia do capitalismo, um certo equilíbrio entre a acumulação e a distribuição de riqueza pela ação dos Estados, deixa de existir com a crise que tem levado os Estados abandonarem as políticas sociais na tentativa de salvar o sistema. Enquanto não for possível o planejamento e administração das coisas, e prevalecer as categorias cegas e destrutivas do capital a crise é permanente, mas não dura para sempre.


26.06.2016