domingo, março 07, 2010

A Europa do euro mostra as suas desigualdades

Rall


A crise na zona do euro mostrou o que vinha sendo encoberto nos anos das vacas gordas: as desigualdades entre as nações que são partes desse território. O euro surge como um passo a mais na direção da unificação do Mercado Comum Europeu. Deixando de lado as implicações políticas da unificação, que devem ser levadas em consideração em uma região que foi o palco de duas guerras mundiais, o euro surgiu como reforço ao protecionismo econômico, que beneficia principalmente a Alemanha e em seguida a França. Pode ser entendido como um movimento da Europa moderna posicionando-se em relação à globalização, mas também como uma força à integração do mercado mundial. Num momento de dinheiro farto, os países mais periféricos foram favorecidos com um grande aporte de recursos que impulsionou suas economias. Mas, quando a fonte secou, foram os primeiros a sentirem o impacto, pois, já endividados, com o agravamento da crise se viram obrigados a aumentar a dívida pública sem nenhuma salvaguarda externa.

O endividamento da Grécia, Portugal, Espanha, Itália, Irlanda e dos países do Leste Europeu, que com o espasmo da crise sistêmica ameaçam perigosamente ultrapassar ou já ultrapassaram o valor do PIB, têm efeito bem mais perverso do que as dívidas dos países do centro da zona do euro. São parcos os recursos e forças que dispõem para enfrentarem as apostas da especulação financeira. O que é exigido pelos guardiões do euro para reequilibrar as finanças, o rebaixamento salarial e cortes nos benefícios, são medidas que se aplicadas podem ser inviabilizadas politicamente pela esperada resistência dos atingidos.

Fica evidente na ameaça de implosão da dívida “soberana”(1), a distância tecnológica entre alguns países do euro, com impacto na produtividade. Isso se reflete nas diferenças salariais que apesar de não serem tão grandes quando comparadas com as de países como a China, existem e são significativas quando confrontamos a situação dos salários pagos em Portugal, Grécia, Eslováquia, Eslovênia e mesmo na Espanha, com os da Alemanha e França entre outros. Critica-se a evolução do custo da hora trabalhada na Grécia nos últimos anos, mas esconde-se o fato de que se paga por hora trabalhada neste País bem menos que na Alemanha. O contra-argumento é que a produtividade na Alemanha permite níveis salariais diferenciados.

Daí vem o remédio amargo para a solução das tensões trazidas pela dívida desses Estados: arrocho salarial e corte nos benefícios sociais, para que seus produtos com a redução de custos tornem-se competitivos enquanto não melhora a produtividade. Mas será possível alcançar níveis de produtividade próximo dos trabalhadores alemães que permitam uma recuperação salarial? Só se o parque industrial e o Governo alemão ficassem parados esperando que os outros o alcançasse. Mas não é essa a lógica entre empresas e países capitalistas. O veneno da competição, entranhado na alma da sociedade da mercadoria, permite a cooperação até certo limite. Quando é possível os mais atrasados se aproximarem do nível de produtividade dos mais avançados, estes últimos já deram um salto e se distanciaram dos parentes mais pobres intensificando o capital constante, mesmo que tenham que dispensar o último trabalhador da produção com as inovações tecnológicas.

Pode-se argumentar que as empresas dos países mais avançados optem em migrar para aqueles que oferecerem salários baixos levando tecnologia e, conseqüentemente, melhorando a produtividade e salários. De fato isso tem acontecido. Porém, apesar da melhoria da produtividade em alguns ramos industriais, a produtividade geral continua bem abaixo da dos países de onde migraram essas empresas. A China é o exemplo mais contundente dessa realidade. Apesar da transferência de tecnologia com a migração de empresas principalmente do Japão e EUA, só consegue ser competitiva no mercado global pelos baixíssimos salários pagos aos trabalhadores em regime de semi-escravidão e pelo câmbio administrado que mantém o yuan artificialmente desvalorizado. Se partirmos de um ponto zero, a produtividade média do trabalho na China é de 67, Japão 428, EUA 434 e Reino Unido 458*.

Mesmo sendo a China e similares o melhor dos mundos para o capital, onde a mais-valia relativa e absoluta trabalham juntas na acumulação, é impossível por razões diversas a transferência de todo um parque industrial de uma nação para tais oásis do capitalismo, principalmente as empresas de alta tecnologia onde, na contabilidade destas, o trabalho pouco pesa nos custos finais dos produtos se comparado com o capital fixo empregado. O movimento de capitais nos mercados comuns, sempre em busca de maior rentabilidade, pode ter algum êxito como tentativa de defender-se dos outros, mas não de si mesmo: devoram-se do mesmo jeito na briga pela valorização.

*Fontes: Bloom, Mahajan, McKenzie e Roberts (2010)

(1) A bolha estatal na longa jornada da crise

07.03.2010