domingo, junho 23, 2013

Rastro de fogo que não se apaga*

Rall

As ruas continuam sendo ocupadas agora por jovens e adultos. Num sentimento difuso de insatisfação nunca visto nesse País, os jovens pressionam os pais para que sigam o mesmo caminho. Muitos terminam aderindo por convicção ou medo de deixa-los sozinhos na multidão. E o que ouvimos das pessoas próximas, mesmo aquelas mais pacatas e, como diríamos, poucas chegadas a qualquer outra discussão que não seja relacionada a seu mundo familiar, é que é preciso fazer alguma coisa para mudar o rumo da história. O que ouvimos empiricamente é confirmado nas pesquisas de opinião que mostram um poio de até 72% as manifestações.  Apesar dos vários motivos que tem levado o apoio e a adesão tão maciça as ruas, há um eixo comum que é o repudio as formas políticas e a sensação da incapacidade do institucionalizado resolver os problemas deixados no rastro da crise global.  

O movimento pelo passe livre e a repressão policial nas primeiras manifestações, foi só a fagulha que incendiou este País dos grandes centros urbanos a mais pacífica vila do interior. Há muito que esse combustível foi consumido. A maioria esmagadora que hoje sai às ruas nem se quer sabe da existência desses ou daqueles grupos. Sai às ruas por que querem manifestar sua indignação, por não mais aceitarem a mediação dos políticos, dos grupos, dos que se acham donos dos movimentos e da opinião alheia e tentam canalizar a explosão de energia para acumular poder. Por outro lado, vê-se que a imprensa e o Governo forçam o estabelecimento de “porta-vozes” como forma de domar o movimento. O que diferencia esse movimento dos outros e garante uma energia crescente que a todos contamina é a espontaneidade e a horizontalidade.

Por outro lado, para que ele resista ao embate com as forças repressivas, que sentem ameaçada suas supostas lideranças, inclusive os grupos que gostam de se apropriar e aparelhar os movimentos segundo seus interesses, é necessário aprofundar a organização horizontal, com discussões nas escolas, nos bairros, nas empresas, buscando aonde for possível às formas mais direta de participação, e que se aprofunde o entendimento do que têm levado as pessoas às ruas. Encontros já vêm acontecendo em vários lugares, mas parece ainda restrito aos momentos de elaboração de cartazes e outros materiais de difusão das manifestações. O meio disponibilizado pela tecnologia de informação, permitindo a comunicação entre as pessoas em tempo real, tem funcionado como um tremendo facilitador na implementação das organizações horizontalizadas.  

O movimento vem apresentando uma grande resistência ao mandonismo dos que se acham no direito de conduzi-lo, ou seja, a todo tipo de autoritarismo tão arraigado à sociedade brasileira e as práticas políticas. As reações negativas aos partidos políticos começam a ser taxada por certos grupos com interesse especifico como “reacionária,” numa tentativa de reprimir e por na defensiva a grande massa portadora desse sentimento. Toda e qualquer manifestação de violência deve ser contida e condenada. No entanto, o que se observa é uma repulsa a esse tipo de organização, própria da sociedade burguesa, que já não consegue dar resposta às demandas sociais e vem perdendo rapidamente sua legitimidade enquanto representante dos interesses da sociedade e dos anseios por mudanças. É isso que os partidos de esquerda e seus grupos satélites querem negar.  Sem nenhum auto-questionamento das suas práticas políticas, resmungam contra a direção tomada pelo movimento e se isolam sem nada entender.  Mas, o impacto do real é muito mais transformador nas cabeças das pessoas do que o engodo contido nos discursos vazios.

Porém, não podemos deixa de reconhecer que os impulsos espontâneos das massas não se sustentam por muito tempo e o movimento ou parte deste, pode ser acoplado a elementos regressivos, sob pressão do “sujeito automático” (Marx), se se mantém à superfície do cotidiano das pessoas. O aprofundamento das discussões, a apropriação dos conhecimentos necessários ao entendimento da realidade em crise, o rompimento das dicotomias entre os que pensam e os que fazem na prática política e a organização interna ascendente é importante para que o movimento prossiga e alcance novos patamares. É possível ensaiar a construção coletiva do conhecimento e da ação, da práxis que transcenda as reivindicações mais imediatas e questione a socialização capitalista. Essas questões não estão postas no momento atual do movimento, cuja consciência obnubilada da crise do valor manifesta-se em um indefinido mal-estar social.

* Tomei emprestado o título de uma citação em um dos romances de Don DeLillo, se a memória não me falha, ou de outro autor.  

23.06.2013

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