domingo, julho 08, 2012

Uma crise não explicada pelos manuais acadêmicos

Rall

Para os acadêmicos e jornalistas econômicos, essa crise apresenta um estranho comportamento: não se encaixa em suas análises conflitantes e em seus modelos, às vezes estapafúrdios, nos quais presumem “enclausurar” a realidade social. No início, manifestou-se como uma crise de liquidez, o dinheiro não fluía e o crédito de curto e longo prazo parou. Os bancos centrais imediatamente intervieram baixando os juros ao extremo e inundando o mercado com trilhões de dólares, euros e outras moedas de importância local. Os Estados, para salvarem os bancos, financiaram as dívidas utilizando mecanismos diversos, assumindo inclusive o risco de créditos podres, como a compra de bônus lastreados em financiamentos residenciais duvidosos, e estatizando instituições financeiras em dificuldade.
Isso não impediu que a economia continuasse em violenta contração, com crescente desemprego e os sujeitos endividados em dificuldades de saldarem os compromissos assumidos. Enquanto os governos concentravam esforços para salvar bancos e empresas em falência, o preço das casas nos EUA e Europa despencavam e o consumo de bens e serviços retraia-se. As empresas, que rapidamente demitiram já nos primeiros sinais da crise, principalmente nos EUA, equilibraram seus orçamentos e aumentaram a produtividade à custa de uma carga de trabalho maior dos funcionários que permaneceram empregados. Com essas medidas e com dinheiro farto a custo zero para renegociar suas dívidas, saíram do vermelho e passaram a superavitárias. Enquanto isso, o dólar em queda pelas grandes emissões favorecia as exportações americanas e expandia a manufatura e o turismo.
De modo geral foi o que assistimos nos primeiros anos da crise financeira. Os pequenos progressos da economia aparentava uma retomada para os sempre otimistas analistas do “pior já passou”. Mas, independente das vontades, num segundo momento a crise ganhou novo e perigoso formato. O mercado, que antes sofria com a falta de liquidez, não sabe o quer fazer com o dinheiro disponível, e o crédito não decola. Os bancos privados recebem dinheiro dos bancos centrais para rolarem as dívidas mal paradas e deixam parte significativa entesourado nesses mesmos bancos centrais como reserva rendendo juros, mas também por cautela e falta de clientela. Os Estados, ao assumirem as dívidas do mercado colapsado, aumentam rapidamente seus déficits e caminham à galope para insolvência de proporções inédita, esvaziando a já limitada capacidade de intervenção(1).
No entanto, as diferenças entre os EUA e a Europa na forma de administrarem a crise parecem significativas quando superficialmente observada. Enquanto as autoridades monetárias americanas não se acanham em criar dinheiro novo sem substância para “salvar” seus bancos e empresas, através das chamadas rodadas de Q.E (Quantitative Easing), os europeus, apesar de utilizarem os mesmos expedientes, exigem de seus pares, principalmente na zona do euro, “moralidade financeira” (o que é isso no capitalismo?) e redução do déficit orçamentário. Aos gastadores, o sacrifício, brada a Alemanha. Posição antes apoiada sem restrição pelo governo francês, muda um pouco com a vitória dos socialistas. As diferenças nos discursos, num e noutro Continente, refletem a percepção que se tem da situação dos países com diferentes comprometimentos da dívida soberana em relação ao PIB.
O estranhamento está mais relacionado com o comportamento da economia americana, e menos com a europeia onde a crise da dívida dos estados afeta todos os setores da sociedade, público e privado, e o afrouxamento monetário é mais controlado. Se nos EUA a crise da dívida soberana não atingiu ainda as proporções assistida nos países europeus e a liquidez daria para inundar todos os poros da sociedade, como explicar que empresas com dinheiro em caixa não invistam e os americanos não consumam como deveriam já que o Governo subsidia as compras via juros negativos? A contínua queda nos preços das residências e o persistente desemprego parecem ser dois indicadores importantes de que a política de “jogar dinheiro de helicóptero” não está funcionando como esperado. A nova tempestade de dinheiro que vem sendo preparado pelo Fed para irrigar o mercado, deve não fazer nenhum efeito, pois a terra já está encharcada. Mas, dependendo do volume, as barreiras de contenção da inflação pode não suportar a força da colossal correnteza, apesar da tendência atual à deflação(2).
Se, por um lado, os endividados consumidores resistem em não consumir mesmo com o dinheiro barato oferecido pelos bancos, e se a criação de novas vagas no mercado de trabalho mostra-se insuficiente para aquecer o consumo, a tendência das empresas, ao não enxergar a possibilidade de rentabilidade na economia real, é não investir na produção, mesmo que lhes sobre dinheiro nas burras. O dinheiro tende a fluir para papéis do governo ou para investimentos especulativos que não criam valor. Essa é uma das formas de geração de bolhas financeiras: o fluxo de dinheiro se desloca para espaços públicos ou privados, que ofereçam remuneração fictícia, ao fugir dos investimentos na economia real que não dão retorno, até ser novamente pulverizado num processo autodestrutivo de desvalorização.

08.07.2012

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