Depois de grande resistência os analistas oficiais dobram-se
aos fatos. Parece que são poucas as dúvidas em relação ao recrudescimento da
crise. Mesmos os mais otimistas jogaram a toalha com algumas ressalvas. O leque
de opiniões em relação ao abismo que se alarga é grande apesar da escuridão do
precipício. Mas todas trazem a certeza da efemeridade do evento se utilizada às
fórmulas que prescrevem. Acreditam que o doente há de encontrar o seu chão e se
erguerá cambaleante, é certo, se engolir o veneno prescrito.
Essa visão pessimista/otimista oscila conforme a labilidade
do doente. Mas todos acham que o remédio certo faz o doente ressurgir mesmo que
seja das próprias cinzas, como a Fénix. Na ilusão de um eterno retorno, não se
admite o capitalismo como um processo histórico que caminha rapidamente para o
esgotamento. O que se descreve como crises conjunturais, nada mais é do que
doloridos espasmos da crise crônica em seu momento terminal.
O capitalismo do final do Século XX em diante, como o
Nosferatu atormentado por não se alimentar de sangue virgem, ou melhor, por não
alimentar na velocidade necessária o trabalho morto de trabalho vivo, perdeu os
seus limites. Primeiro, ampliando o crédito ao infinito, comprometendo toda
renda futura na presente produção. Segundo, na formação de bolhas financeiras,
já que o crédito mostrava-se insuficiente para fazer rodar a máquina de
acumulação emperrada por falta de combustível, o trabalho vivo. Terceiro, com o
estouro da bolha os bancos centrais passaram a imprimir volumes imensos de
dinheiro, sem nenhuma relação com a produção, para salvar bancos, empresas e a
si mesmo da falência anunciada.
Por esses mecanismos ampliou-se enormemente o volume de
capital fictício. A economia real, antes dominante, passa a ser um apêndice
dessa ilusão chamada pomposamente de “efeito riqueza.” Na acumulação real, a
sede por trabalho vivo e a escassez deste para irrigar o trabalho morto, faz
surgir no horizonte miragens que se desfazem na mesma velocidade com que se
formam. São créditos que não se pagam, bolhas que explodem, Estados e empresas
que se tornam inviáveis, e desemprego que grassa aos céus. O dinheiro
inflacionado, ainda não se manifesta como inflação enquanto funcionam os
mecanismos de contenção, inclusive o baixo consumo.
À crise de acumulação junta-se a crise ambiental que ameaça
o mundo com efeitos devastadores cada vez mais visíveis. As medidas anunciadas
nas Convenções do Clima, além de insuficientes, mantem-se restritas à propaganda
dos poluidores. Mesmo aquelas implementadas por interesse do mercado o impacto
na reversão efeito estufa é quase nulo. Com o aprofundamento da crise do
capitalismo, os acordos devem ser rapidamente esquecidos e os desequilíbrios do
ambiente devem se intensificar. Não tardarão as respostas violentas da natureza
com repercussões na vida e na economia.
A Europa que na
quebradeira americana em 2008/2009 parecia relativamente protegida com o euro,
agora é a bola da vez. É claro que a crise é do capitalismo global. Mas as
ondas destruidoras se propagam de forma assimétrica. O espectro da
hiperinflação, que desembocou em violentos conflitos e nos monstruosos crimes
da segunda guerra mundial, ainda atormenta memórias e freia o ímpeto do
dinheiro fácil da forma como é impresso nos EUA. Há na Europa uma resistência a
uma expansão monetária sem limites, como praticada pelos americanos do norte.
Difícil dizer até quando. Porém, a opção pelo rigor orçamentário exigido pela
via fiscal para driblar a inflação, tende aumentar o desemprego e a crise
social que já é imensa. E a violência pode então aflorar com a mesma
intensidade de um passado recente de crimes ainda não prescritos.
Os crescentes massacres isolados, praticados por
ultranacionalistas em vários países europeus, são sinais perturbadores de uma
tendência à violência adormecida. Os discursos demagógicos e agressivos de
grupos e partidos políticos, em tom cada vez mais racista, podem despertar demônios
em uma conjuntura de crise social profunda. A guerra nos Bálcãs mostrou que
isso é possível. A criação dos Estados Unidos da Europa, vistos por muitos como
uma oportunidade aberta pela crise e como forma de resistir às tendências
destrutivas, só pode ter chances de êxito se for acompanhada de uma crítica radical à sociedade burguesa, ao modo de produção capitalista, à forma-mercadoria e ao
patriarcalismo a ela inerente.
Mas essa crítica não conseguiu romper as barreiras que a
isola. À medida que a crise se aprofunda nas frentes econômica, social e
ecológica, o que se ver é um o enfadonho réquiem dos analistas oficiais, sempre
acreditando na ressureição dos mortos, não trazendo nada de novo a não ser a
constatação atrasada do óbvio. O hegemônico, mesmo no pensamento de esquerda, é a busca de saída dentro do que estar dado. Porém, o ano que entra, pelo caminhar das coisas, pode ser
digno de grandes emoções, daqueles anos que parecem séculos. Portanto, aproveitem as
festas com o melhor champanhe do mercado enquanto for possível.
18.12.2011
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