domingo, dezembro 18, 2011

Um enfadonho réquiem

Rall

Depois de grande resistência os analistas oficiais dobram-se aos fatos. Parece que são poucas as dúvidas em relação ao recrudescimento da crise. Mesmos os mais otimistas jogaram a toalha com algumas ressalvas. O leque de opiniões em relação ao abismo que se alarga é grande apesar da escuridão do precipício. Mas todas trazem a certeza da efemeridade do evento se utilizada às fórmulas que prescrevem. Acreditam que o doente há de encontrar o seu chão e se erguerá cambaleante, é certo, se engolir o veneno prescrito.

Essa visão pessimista/otimista oscila conforme a labilidade do doente. Mas todos acham que o remédio certo faz o doente ressurgir mesmo que seja das próprias cinzas, como a Fénix. Na ilusão de um eterno retorno, não se admite o capitalismo como um processo histórico que caminha rapidamente para o esgotamento. O que se descreve como crises conjunturais, nada mais é do que doloridos espasmos da crise crônica em seu momento terminal.

O capitalismo do final do Século XX em diante, como o Nosferatu atormentado por não se alimentar de sangue virgem, ou melhor, por não alimentar na velocidade necessária o trabalho morto de trabalho vivo, perdeu os seus limites. Primeiro, ampliando o crédito ao infinito, comprometendo toda renda futura na presente produção. Segundo, na formação de bolhas financeiras, já que o crédito mostrava-se insuficiente para fazer rodar a máquina de acumulação emperrada por falta de combustível, o trabalho vivo. Terceiro, com o estouro da bolha os bancos centrais passaram a imprimir volumes imensos de dinheiro, sem nenhuma relação com a produção, para salvar bancos, empresas e a si mesmo da falência anunciada.

Por esses mecanismos ampliou-se enormemente o volume de capital fictício. A economia real, antes dominante, passa a ser um apêndice dessa ilusão chamada pomposamente de “efeito riqueza.” Na acumulação real, a sede por trabalho vivo e a escassez deste para irrigar o trabalho morto, faz surgir no horizonte miragens que se desfazem na mesma velocidade com que se formam. São créditos que não se pagam, bolhas que explodem, Estados e empresas que se tornam inviáveis, e desemprego que grassa aos céus. O dinheiro inflacionado, ainda não se manifesta como inflação enquanto funcionam os mecanismos de contenção, inclusive o baixo consumo.

À crise de acumulação junta-se a crise ambiental que ameaça o mundo com efeitos devastadores cada vez mais visíveis. As medidas anunciadas nas Convenções do Clima, além de insuficientes, mantem-se restritas à propaganda dos poluidores. Mesmo aquelas implementadas por interesse do mercado o impacto na reversão efeito estufa é quase nulo. Com o aprofundamento da crise do capitalismo, os acordos devem ser rapidamente esquecidos e os desequilíbrios do ambiente devem se intensificar. Não tardarão as respostas violentas da natureza com repercussões na vida e na economia.

A Europa que na quebradeira americana em 2008/2009 parecia relativamente protegida com o euro, agora é a bola da vez. É claro que a crise é do capitalismo global. Mas as ondas destruidoras se propagam de forma assimétrica. O espectro da hiperinflação, que desembocou em violentos conflitos e nos monstruosos crimes da segunda guerra mundial, ainda atormenta memórias e freia o ímpeto do dinheiro fácil da forma como é impresso nos EUA. Há na Europa uma resistência a uma expansão monetária sem limites, como praticada pelos americanos do norte. Difícil dizer até quando. Porém, a opção pelo rigor orçamentário exigido pela via fiscal para driblar a inflação, tende aumentar o desemprego e a crise social que já é imensa. E a violência pode então aflorar com a mesma intensidade de um passado recente de crimes ainda não prescritos.

Os crescentes massacres isolados, praticados por ultranacionalistas em vários países europeus, são sinais perturbadores de uma tendência à violência adormecida. Os discursos demagógicos e agressivos de grupos e partidos políticos, em tom cada vez mais racista, podem despertar demônios em uma conjuntura de crise social profunda. A guerra nos Bálcãs mostrou que isso é possível. A criação dos Estados Unidos da Europa, vistos por muitos como uma oportunidade aberta pela crise e como forma de resistir às tendências destrutivas, só pode ter chances de êxito se for acompanhada de uma crítica radical à sociedade burguesa, ao modo de produção capitalista, à forma-mercadoria e ao patriarcalismo a ela inerente.                 

Mas essa crítica não conseguiu romper as barreiras que a isola. À medida que a crise se aprofunda nas frentes econômica, social e ecológica, o que se ver é um o enfadonho réquiem dos analistas oficiais, sempre acreditando na ressureição dos mortos, não trazendo nada de novo a não ser a constatação atrasada do óbvio. O hegemônico, mesmo no pensamento de esquerda, é a busca de saída dentro do que estar dado. Porém, o ano que entra, pelo caminhar das coisas, pode ser digno de grandes emoções, daqueles anos que parecem séculos. Portanto, aproveitem as festas com o melhor champanhe do mercado enquanto for possível.

18.12.2011

Nenhum comentário: