Rall
1.
A finalidade do processo de produção capitalista é a produção de mais valia
para o capital. Não a produção de valor de uso para atender necessidades. A
utilidade da mercadoria é marginal e subordinada a “valorização do valor”. Não
se produz o que não dar lucro, por mais útil que seja o produto. No processo de
produção absorve-se mais trabalho do que foi comprado. A absorção do trabalho
vivo não pago pelo trabalho morto, adicionando mais valor, é o objetivo da
produção capitalista. No capitalismo, portanto, trabalho produtivo é aquele
capaz de “adicionar valor ao valor antigo”, num processo contínuo de valorização
do capital só interrompido pelas crises. A
revolução tecnológica da microeletrônica, que tem levado a automação da
atividade humana, dispensando o uso da força de trabalho na produção de
mercadorias, reduz a geração global de mais valia e, consequentemente, o stock
de capital "real", uma inversão da lógica interna do capital.
2.
A onda de terceirização surge como forma das empresas se livrarem do trabalho
improdutivo e dos setores meios, permitindo que estes setores em mãos de
terceiros, constituídos em empresas, tornem-se produtivos no sentido de
produzir mais valia. A possibilidade de trabalhadores transformarem-se em
patrão de si mesmo foi enaltecida nos quatros cantos do globo por décadas como
defesa da desregulamentação das relações de trabalho e da terceirização. No
entanto, a relação de trabalho continua existindo entre o trabalhador
considerado “autônomo” e a grande empresa; a compra da força de trabalho se
realiza com a formalização de um contrato onde a responsabilidades sociais
deixam de existir. A terceirização é uma forma experta de se intensificar a
produção de mais valia, inclusive absoluta, sempre acompanhada de precarização
do trabalho. O trabalhador desregulamentado nunca se libertou da relação com o
capital, pois sua autonomia limita-se em vender sua força de trabalho na condição
de “autônomo” ou ser contratado por empresas de serviços terceirizados onde os
salários e condições de trabalho são degradantes. Na
luta pela apropriação de parcela da mais valia social, as empresas detentoras
de marcas ou que centralizam a produção, impõem às terceirizadas e suas
condições e preços. Estas por sua vez, tentam manter a rentabilidade sempre
negociando para baixo o valor da força de trabalho.
3. A fórmula neoliberal da terceirização, não se revelou o Santo Graal da retomada da economia como se vaticinava. Deixa-se agora com o Estado e o mercado a função de estimular a economia, através geração crescente de capital fictício pelos mais variados mecanismo, onde se inclui o crédito ao infinito, as mais diversas formas de "inovações" e especulação financeira, e a pura e simples impressão de dinheiro sem substância de valor, que necessariamente desembocam em bolhas. As crises financeiras instalam-se em tempos cada vez mais curto e com dimensão cada vez maior, sem o controle dos governos e dos mercados apesar da aparente regulação, como forma destruidora do capital financeiro excedente. As crises financeiras tendem a se alastrar, atingindo a economia real, principalmente os setores aonde o capital fictício é mais fortemente reciclado. A tendência é, portanto, com o aumento da frequência dessas crises, a paralisia regressiva da totalidade da economia mundial, cuja manifestação assimétrica causa euforia e depressão expressadas nas análises bipolares dos analistas econômicos burgueses.
4. O excesso de capacidade instalada e superprodução de mercadorias, outra faceta da crise, acirra a concorrência global. Os países melhor posicionados quanto à capacidade de impor preços, rotulados como competitivos, mesmo à custa de salários miseráveis quando comparados aos demais, e que utilizam uma gama de incentivos para suas empresas exportarem, tendem a desbancar os demais do mercado internacional numa concorrência sem trégua, levando a desindustrialização de vastas regiões e Continentes, ao despejarem aí mercadorias baratas e sem concorrentes. É o caso da China em relação principalmente aos países em desenvolvimento, que são rebaixados a condição de fornecedores de matéria prima da "fábrica do mundo".
5. Pelo lado dos países ditos desenvolvidos, os EUA vêm adotando uma política de "reindustrialização", com incentivos e pesados investimentos em tecnologia, como forma de reverter os circuitos deficitários e sair da crise. O repatriamento da manufatura não traz de volta os empregos como muitos esperam, ao contrario, ao saírem de regiões onde se faz uso intensivo da força de trabalho, reinstalam-se com uso intensivo de capital fixo, dispensando a força de trabalho(1). Quando observado globalmente, no balanço geral há aumento da produtividade e redução do trabalho empregado. O País torna-se competitivo, mas tendem a reduzir ainda mais a massa total de mais valia, ou seja, a valorização global do capital pelo fechamento de postos de trabalho em outros países. O Brasil e semelhantes, que há pouco tempo atrás eram vistos como motores auxiliares da retomada do crescimento, derrapam feio com um PIBs medíocres. O que era esperança para os países em recessão, principalmente na Europa, agora vira problema, pois tendem agravar a conjuntura.
6. As formas de trabalho humano nos recantos do mundo já não
escapam mais a subsunção ao capital. Por outro lado, o trabalho torna-se cada
vez mais supérfluo com as novas formas de produção que utilizam máquinas e
equipamentos com grande densidade tecnológica. Chama atenção como a
administração familiar ao longo dos anos vem sendo rapidamente varrida das
empresas em todo mundo, para dar lugar a uma administração 'profissional' que
se ajuste a uma competição feroz e crescente do capitalismo em crise. Portanto,
já não é mais supérflua só a força de trabalho dos trabalhadores desempregados,
mas também dos capitalistas da administração familiar não adaptados aos novos
tempos de fazer dinheiro com rapidez e a qualquer custo, ou os que administram
empresas com recursos insuficientes para investimentos em tecnologia e gestão
quando se tem que lidar com a velocidade
estonteante do capital financeiro metamorfoseando-se nos mercados.
7.
No momento em que Marx dissecava a lógica interna do capital, ainda se
preservava algumas formas de produção artesanal ou pré-capitalista. A medicina,
o ensino, a arte e outras formas de produção autônoma que pareciam resistir ao
tempo foram empresariadas. Mesmo o mais singelo consultório, ou o mais animado
artista de rua, estão umbilicalmente ligados à geração de valor e, em última
instância, na sua relação com o todo da sociedade capitalista, de fazer
dinheiro, não importa o serviço que estão a oferecer ou a qualidade da arte que
se propõe a expressar. Nada hoje escapa a lógica do valor, nem as mais santas
cabeças. Já nascemos imersos nesse substrato que invade e domina nossas mentes,
define nosso jeito de ser apressados atrás do dinheiro, transformando-nos em
zumbis do valor. Emancipar é nos libertar, num esforço coletivo, dessa
situação que nos aprisiona.
8.
A emancipação passa pelo despertar desse sono letárgico em que os humanos foram
lançados, embalados pelo desejo de acumulação de riqueza abstrata. Esse
despertar pode ser os primeiros passos para saída da crise, que não podem ser
dados sem buscar a emancipação. O impasse entre essa possível saída e o aprofundamento
da crise, se duradouro, pode jogar homens e mulheres em décadas ou séculos de
horrores, impossível predizer. Por outro lado, o tempo para conter a velocidade
dos espasmos destrutivos da economia capitalista e as mudanças climáticas advindas da
lógica dessa forma produção, vai se encurtando. Buscar sair da crise em direção
à emancipação é lutar para deixar de ser zumbi da coisa-mercadoria,
coisa-dinheiro, domar a produção desencantando o seu produto para que de fato
possa atender as reais necessidades das pessoas em equilíbrio com a natureza.
01.06.2013
Um comentário:
Como sempre Rall, perfeito!
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