quarta-feira, dezembro 31, 2014

Com os economistas nos últimos minutos de 2014

Rall

O ano termina com o discurso hegemônico em um largo espectro político, que vai da esquerda keynesiana a amplos setores da direita, defendendo a necessidade de mais Estado regulando o mercado para que se possa sair da crise. Desse ponto de vista a desregulamentação neoliberal é responsabilizada pela crise financeira de 2008. A crise, no entanto, não está relacionada com condições das instituições da sociedade conter e controlar mais ou menos o mercado. De fato, essa capacidade vem se perdendo no tempo muito rapidamente. Mas se ela fosse mantida, a crise seguiria seu rumo, pois diz respeito à incapacidade do capitalismo no atual estágio gerar "riqueza abstrata" pela crescente redução da substância dessa riqueza, o “trabalho abstrato”, na produção de mercadorias, em consequência dos avanços tecnológicos que levam ao aumento da produtividade e tornam o trabalho que produz valor supérfluo. Esse processo, estimulado pela concorrência, é o que levou a máquina de “valorização do valor”(Marx) a estagnação.

O neoliberalismo foi uma resposta a essa estagnação que não deu certo e resultou em aumento do endividamento, estouro de bolhas, crise financeira e social. O neokeynesianismo dos tempos atuais, tão vivamente defendido pelos economistas de esquerda em contrapartida ao fracasso do neoliberalismo, não vai tirar a economia da estagnação, agora designada como secular. Como tudo indica, desembocará em insolvência dos estados e numa crise financeira de magnitude desconhecida, mas possivelmente pior do que a de 2008.  

Os economistas, mesmo que neguem, em suas análises tratam o trabalho, o dinheiro e a natureza como "exterior" ao capitalismo. No entanto, trabalho é uma forma especial de mercadoria, específica da produção burguesa, que se diferencia das demais por produzir valor, cuja expressão é o dinheiro. E produz valor no metabolismo com a natureza ou com objetos naturais já trabalhados (insumos, outras mercadorias). É na crise do trabalho enquanto “substância do valor”, que se deve buscar a essência do colapso da economia real.

A destruição da natureza e a crise ecológica são vistas como contornáveis no sistema produtor de mercadorias. Mas a tendência com a crise de acumulação de “riqueza abstrata” é a intensificação da utilização destrutiva dos recursos naturais na produção de grande quantidade de mercadorias para compensar a "desvalorização do valor" e manter níveis de rentabilidade aceitáveis com um volume maior de mercadorias produzidas. Ou seja, com a crise do valor, as empresas capitalistas precisam produzir mais para compensar a queda da lucratividade. E para produzir mais precisar aumentar a produtividade para fazer frente à concorrência, tornando ainda mais supérflua a força de trabalho. Essa lógica cega tende agravar a crise da forma de produção capitalista. A incapacidade dos analistas econômicos de ultrapassarem certos limites com suas análises e de só ficarem “contabilizando” manifestações da superfície dos fenômenos, pode resultar em grandes equívocos e surpresas.

Fala-se em recuperação da economia e os lucros dos grandes bancos são dados como exemplo. Na verdade o chamado "lucro” dos bancos na conjuntura atual, não passa de capital fictício, desde o dinheiro impressos do nada pelos bancos centrais e repassados aos bancos privados, até o capital fictício gerado por essas instituições em transições especulativas e sem lastro. Portanto, não se trata de lucro no sentindo de apropriação de uma parcela da massa total de mais-valia como era de se esperar do capital que rende juros. Esse "lucro fictício", que necessariamente desemboca em abalos financeiros, transforma-se pó do dia para noite as costas dos entusiasmados agentes econômicos e seus conselheiros.

Na medida em que o capitalismo entra em crise sistêmica, fica mais difícil construir instituições capazes de repararem os danos do mercado regulando para evitar os excessos. As existentes tendem a se fragilizarem e serem capturadas pelos interesses econômicos, perdendo sua função moderadora, se isso é possível. No mais recente espasmo da crise de valorização, o abalo financeiro de 2008, enquanto a população era jogada na rua sem emprego e residência, o Estado, através de seus bancos centrais, inundavam os bancos privados e os grupos econômicos com dinheiro, mesmo que fictício. Os partidos políticos não têm, e não poderiam ter, respostas para sair da crise, pois só conseguem agir dentro dos limites impostos pela sociedade capitalista que lhes deu origem. Quando no poder, tentam sem sucesso administrar a crise de forma cada vez mais autoritária para compensar a sua incompetência de lidar com o problema.

A crise do valor, não se restringe a acumulação de capital na economia real, mas é uma crise de toda sociedade produtora de mercadoria, das instituições e da ética burguesa, das relações ditas civilizadas erguidas para lhes dá sustentação e garantir um ambiente adequado à valorização do capital. Mas o novo não se manifesta enquanto não emergir um nível de consciência crítica que liberte os indivíduos da "gaiola de ferro" (Max Weber) e seja capaz de planejar e articular uma nova forma de produção e de organização social que transcenda os limites das fronteiras determinadas pela sociedade capitalista. Por enquanto, no caminho percorrido pela crise, assistimos a intensificação da barbárie e desagregação do Estado.


31.12.2014

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