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O chamado escândalo do mensalão, tido como o maior
julgamento de um caso de corrupção no Estado Brasileiro é só uma pequena
demonstração do que se passa nas entranhas do poder(1). Foi possível vir à tona,
pela insatisfação de um dos líderes de um partido beneficiado, que impulsionado
pela concorrência ferrenha por recursos e por poder que anima os partidos e
seus membros, denuncia todo o esquema. Sabendo do risco de ser destruído com os
adversários, por trás dos cálculos ao denunciar, considerava que os rumos poderia
não ser do julgamento que ora se assiste, mas a possibilidade de se ampliar o
poder do denunciante.
Como no mercado, na política não se tem controle sobre os
fatos em movimento, e o resultado foi um inesperado julgamento com condenações
que surpreendeu políticos e a própria sociedade acostumada assistir denuncias
como essa resultarem em “pizza”, como ironicamente os descrentes na justiça
referem-se aos conchavos que normalmente livram as elites das punições. Dessa
vez, as poderosas tentativas de parar o processo foram bloqueadas pelas
denúncias da imprensa e outras manifestações, inclusive de membros do próprio
Superior Tribunal de Justiça.
Será que após o
julgamento do mensalão, com as esperadas condenações, arrefece o ímpeto do
“sujeito automático” em busca de fazer mais dinheiro? Não importa onde este age se no
mercado ou no Estado, a lógica que o move independente das vontades pessoais é a mesma: como Midas, de seu íntimo
pulsa o desejo de tocar nas coisas esperando que tudo vire ouro. No entanto, as
receitas na forma de impostos para o financiamento do Estado e seus negócios
deveriam vir da mais-valia realizada no mercado. Com a crise do trabalho
abstrato e a conseqüente paralisação da valorização do capital, que se
manifesta na estagnação da economia, o mercado e o Estado para se financiarem,
passam a depender da formação de capital fictício, gerado no crédito que se
renova ao infinito e nas bolhas financeiras onde o dinheiro sem substância
brota do nada em velocidade estonteante, como o ouro no mito de Midas.
Os agentes políticos,
imersos nessa atmosfera onde o Estado funciona como um balcão de negócio que
usa de todos os meios para favorecer os interesses privados, sentem-se atraídos
pelo dinheiro farto e fácil emitido sem limites, que circula de um lado para
outro(2). Ao fazerem suas escolhas em benefício próprio, ou em nome de “ideais
abstratos”, sabem que podem responder por elas quando flagrados. Os casos que
se seguiram ao mensalão mostram que o medo da punição não é alto. O Leviatã,
com poder para “vigiar e punir”, usa a ordem jurídica regulando e coagindo na
busca de manter certo equilíbrio entre os sujeitos concorrenciais, sem no
entanto alcançá-lo, para que a sociedade burguesa não se destrua pela ação dos
incontornáveis processos cegos que a anima em busca do lucro.
O Estado moderno que se consolidou na medida em que o
capitalismo tornava-se hegemônico, sempre foi muito ativo no uso brutal da
força, destruindo as formas pré-capitalistas e outros obstáculos à sua expansão,
e na acumulação de “riqueza abstrata”, que na história moderna nunca foi
atividade só do mercado. Ao mesmo tempo, ia assumindo gradativamente o papel de
regular os excessos da concorrência. O que se observa agora é o esgotamento
dessa função reguladora executada em nome da sociedade e um Estado mais
parecido com o mercado ou subsumido a este. Todo tipo de transação passa então
a ser possível: vai das transferências de dinheiro público para os cofres dos
grupos privados a espetáculos como o mensalão. Sempre em nome do crescimento
econômico ou para evitar a falência de setores eleitos para não quebrarem.
Se para o senso comum o que se caracteriza como corrupção é
a utilização do dinheiro público como se fosse privado, ou para fins
particulares, vamos encontrá-la generalizada e quase institucionalizada. Os
preços acrescidos às licitações para suborno nos negócios estabelecidos entre o
setor público e o privado, prática corrente aceita em todo mundo, a compra de
crédito podre e o financiamentos a juros negativos às empresas pelos bancos
centrais em operações globais, obedecem aos mesmos princípios, mesmo que seja
visto de forma diferente pela sociedade.
Mas, a corrupção que se estabelece na relação entre o
público e o privado, e que aparenta ser a parte perversa dessa relação, esconde
a lógica do capital agravada pelo impacto da crise da valorização no coração do
Estado. Quanto mais difícil o financiamento do Estado e de seus agentes pelo
dinheiro resultante da mais-valia realizada no mercado, mais intenso esse
processo. Quanto mais difícil for financiar o trabalho improdutivo com parte da
mais-valia do trabalho produtivo no sentido capitalista, mais tendem a
degenerar o papel do público como assim o entende o discurso que ver no Estado
moderno funções emancipadoras. Mesmo que este, a olhos vistos, pareça-se cada
vez mais com seu irmão siamês, o mercado, a cada espasmo da crise.
07.11.2012